• A crítica de Marta à economia é Lula em estado puro
- Valor Econômico
Crises saltam dos armários aos magotes, números ruins, registros de desempenhos sofríveis. É o que dá substância hoje a um quadro confuso, em que o governo novo não começa e o velho vai acertando suas contas de forma atabalhoada. Podem até achar que está, os parâmetros são a própria conveniência, mas não está começando bem o segundo governo Dilma.
Ou é boa medida agendar um encontro com o governador do maior Estado da federação, Geraldo Alckmin, para oferecer-lhe ajuda na solução do problema de abastecimento de água que afeta milhões de pessoas, e tudo fazer para humilhá-lo ao fim da reunião? Foi a presidente Dilma quem avisou que não havia recebido demandas do governo paulista, por isso não se oferecera para socorrê-lo. Diante de quase uma dezena de projetos que lhe foram então enviados pelo governador, reeleito em primeiro turno apesar da exploração do gravíssimo problema da água na campanha, inclusive pela agência federal, Alckmin foi chamado a conversar.
Ao fim do encontro, porém, viu-se que o governador, do PSDB, continuava sendo tratado como adversário agudo. Enquanto ele informava, em entrevista, sobre a reunião com a presidente, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, do PT, convocava a imprensa para dar sua versão da conversa na sala ao lado. A única diferença de conteúdo foi que Miriam Belchior falou sem poupar críticas diretas e indiretas ao governador, mantendo a tensão da disputa eleitoral no Estado onde foi minoritária a votação na reeleição.
Está bem intencionado um governo retomado há 15 dias que dá sinais sucessivos de retaliação, de ironia e de autoritarismo? É o que está acontecendo a todo momento, e muitos do PT, e do governo, agem como se tivessem perdido a eleição.
Na última quinta feira, ao sair de um encontro de celebração da vitória com a presidente Dilma, no Palácio da Alvorada, liderando um grande grupo de eleitos do PT, o presidente do partido, Rui Falcão, mostrou o nível de adrenalina em que ainda mantém a disputa. Ao responder a uma pergunta sobre alhos, veio com bugalhos, para dar mais uma vez sua estocada à imprensa que o partido almeja enquadrar à sua imagem projetada.
Quando convidado a comentar o vídeo que mostrava os gestos do aliado senador José Sarney na cabine de votação, no qual parecia estar votando um 4 como primeiro número (45 era do candidato oposicionista Aécio Neves) o presidente do partido que ganhou o quarto mandato para comandar os brasileiros afirmou que está preocupado mesmo é com as demissões de jornalistas e é por isso que o PT quer fazer o controle da mídia. Resposta tão fora de contexto quanto sem sentido em si mesma, mas um bom exemplar do jeito dos vitoriosos tripudiarem, como se a guerra, inclusive contra a imprensa, fosse moto contínuo.
O governo começou, também, ao ensaiar seus primeiros novos passos pós eleitorais, a divulgar dados represados durante a campanha, e vai-se tomando conhecimento do aumento das contas secretas com gastos de cartão corporativo, aumento do desmatamento, aumento de juros, aumento dos combustíveis, aumento dos preços da energia elétrica, aumento da desigualdade e congelamento da queda da miséria.
A educação, então, que seria uma das vitrines do governo, fez malabarismos para adaptar seus dados à campanha. Só divulgou o Ideb, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, quando as pressões já estavam insuportáveis, pois Minas Gerais, o Estado que foi governador pelo adversário do segundo turno, estava bem situado. Só se conheceu também, depois de passado o perigo, o fato de que o ensino médio não havia atingido as metas mínimas.
Em novo truque contábil, o governo anunciou ontem a solução para outro grande problema da economia: se não dá para cumprir a meta de superavit, elimina-se a meta. Foi o que anunciou, assumindo mais uma vez o papel de encarregada da explicação da má notícia, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior.
Muito presente já nos maus resultados que não conseguiu reprimir antes das urnas, a ministra havia liderado um grupo de quatro ministros de Estado para, num workshop de sábado, no auge da campanha eleitoral, tentar explicar incongruências em dados do IBGE: o governo fez com rigor a correção em décimos da queda da desigualdade.
Na economia, apesar de promessas de mudança, o novo governo apenas radicalizou nos artefatos. Não se pode dizer que começa bem um governo que, enquanto se espera cumprimento de promessas transformadoras, elimina a meta de superávit por lei, empurrando goela abaixo de sua base aliada, pressionada ontem pelo vice-presidente Michel Temer, a votação de mais um truque contábil da política econômica.
Até no PT e no Instituto Lula há alas contrárias aos meios e modos da presidente da República recém eleita para mais quatro anos, como deixa clara a carta de demissão ontem apresentada pela lulista doente, ministra Marta Suplicy (Cultura). Divórcio litigioso.
O diálogo, se é mesmo que vai existir, não começou, nem internamente. A situação parece caótica, e está. A presidente age como se fosse entregar o governo a uma oposição. Estava fora do cargo há quatro meses, reassumiu, nada decidiu, viajou, ficando o Brasil pelo Deus dará. O único empenho registrável é o cuidado em levar adiante o propósito de ter sob controle o Judiciário e o Legislativo, bem como a corte de contas. Seus executivos que ficaram agem provando a intenção de dominar.
O ministro Miguel Rossetto, atualmente na pasta do Desenvolvimento Agrário, que deve ter atuação mais abrangente no segundo mandato, compatível com sua influência na campanha, disse-nos, numa cordial conversa na semana passada, que "as eleições terminaram, mas a disputa política não".
Essa, continua. Como ficou evidente no discurso da vitória da presidente Dilma, nas declarações do PT e suas resoluções de Executiva, como nas reiteradas manifestações do ex-presidente Lula, bem como dos ministros petistas do governo. Governar será um detalhe.
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