- O Estado de S. Paulo
A perda de rumo do governo afetou a bússola dos partidos. Desde o mensalão que as bancadas partidárias na Câmara dos Deputados não mostram tanta falta de coesão interna. Sem o magnetismo do Executivo, os parlamentares perderam seu Norte e vagam a esmo nas votações. Há deputados do mesmo partido com taxas de governismo tão díspares quanto 29% e 100%. Mais do que nunca, a chamada base governista virou base movediça.
Que, no Brasil, quase todos os partidos se norteiam pelo governo e não por uma ideologia, os cientistas políticos já estão cansados de dizer, escrever e provar. Ao votar qualquer coisa, a maioria dos deputados toma uma decisão binária, a favor ou contra o governante da vez. A origem desse comportamento vem da questão que depurou o homo politicus desde Platão: ele ganha ou perde, naquele momento, apoiando quem dá as cartas e verbas?
Esse cálculo varia ao longo do tempo. Raros deputados mantêm uma fidelidade canina ao governo ou, o contrário, sempre votam para contrariá-lo. A regra é oscilar ao sabor da opinião pública, da distribuição de cargos e de recursos para suas emendas ao Orçamento, além de dezenas de outras variáveis. Quando o governo sabe o que faz, essa oscilação ocorre em bloco, com a maioria dos deputados seguindo a orientação do líder do seu partido.
Além de respeitar seu instinto de sobrevivência, comportar-se assim é muito mais fácil. Poupa-o de estudar o mérito do que está votando, de pesar argumentos e ouvir o outro lado. Contra ou a favor, e pronto. Está liberado para ir jantar no Piantella ou pegar o voo para casa, porque até que enfim é quinta-feira.
As exceções que confirmam a regra são as votações que contrariam a opinião de quem elegeu ou financiou o deputado. Um evangélico não vai arriscar-se a apoiar o governo em uma bola dividida sobre aborto. Assim como tem deputado que não vai bater de frente com os interesses de mineradoras e construtoras.
Esse arranjo de forças valeu até o ano passado. Desde que a Lava Jato começou a encher carceragens com poderosos, houve uma revolução na física partidária. A força gravitacional exercida pelo governo diminuiu tanto que, desde então, o cálculo sobre a conveniência de apoiar ou não Dilma Rousseff complicou-se. Não está claro para os deputados se eles ganham ou perdem ao seguir a orientação do líder do governo, ou mesmo do seu partido.
Tome-se o PP, por exemplo. Era tão governista que tinha direito até a diretoria na Petrobrás (ou tinha diretoria na Petrobrás e era muito governista, você decide). Até o começo de 2014, mais de 80% dos votos do partido seguiam a orientação do governo. Vieram as ordens de prisão do juiz Moro, as delações e a taxa de governismo do PP despencou abaixo de 60%. Ficou mais perto da taxa do PSDB (45%) do que da do PT (87%).
Ao mesmo tempo, a coesão interna da bancada do PP foi para o espaço. Houve votações este ano em que 21 deputados do partido votaram de um jeito (a favor do governo) e 15 votaram de outro - como na apreciação da chamada lei dos caminhoneiros. Ou ao contrário. Na votação do orçamento impositivo, sua bancada dividiu-se novamente em 21 a 15, dessa vez contra o governo.
O mesmo fenômeno de desagregação repete-se com maior ou menor intensidade em quase todos os partidos da suposta base governista. É mais grave no PTB e no PP, mas também ocorre no PSD, no PROS, do PMDB e no PDT.
As únicas das maiores agremiações que conseguem manter-se coesas são as que estão nas extremidades do espectro político. Os deputados do PT e PC do B de um lado, e do PSDB e DEM têm se comportado em bloco na maioria das votações, uns a favor e os outros contra o governo, mas juntos nas diferenças.
Quanto maior a desagregação partidária, mais difícil o governo aprovar o que precisa. É tentador, nessas circunstâncias, operar no varejo e cooptar voto a voto. No passado, deu no que deu.
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