- O Globo
"Em vez de se fiscalizar mais a corrupção, o trabalhador é de novo chamado a pagar a conta" - PAULO PAIM, senador do PT –RS
Não sei se Joaquim Levy gosta de filmes policiais americanos. E se lembra da advertência feita pelos policiais na hora em que prendem alguém: "Você tem o direito de permanecer calado. Tudo o que disser poderá ser usado contra você no tribunal". Caso a advertência não seja feita e o preso diga algo que o incrimine, o que disse não será levado em conta. É o que manda a Constituição dos Estados Unidos.
A PRESIDENTE DILMA Rousseff, ou algum preposto dela, deveria ter dito a Levy antes que ele assumisse o Ministério da Fazenda: "Você tem o direito de permanecer calado. Tudo o que disser poderá ser usado contra você". Quem sabe assim ele não teria escapado das trapalhadas que o obrigam a se desmentir seguidamente? Foram quatro até aqui. Cada uma pior do que a outra.
EM 21 DE JANEIRO último, na Suíça, Levy disparou: "Agente pode ter um trimestre de recessão, e isso não quer dizer nada em relação ao crescimento". Dilma fez cara feia. Levy deu marcha ré. Admitiu que o termo correto não era "recessão", mas "contração". Para o leigo, não fez diferença. Fez para os ouvidos de Dilma. E animou os que querem ver o ministro pelas costas.
DOIS DIAS DEPOIS, em entrevista ao jornal inglês "Financial Times", Levy derrapou outra vez: "O programa de seguro-desemprego é completamente ultrapassado". Dilma rosnou de novo. Cobrou do ministro um desmentido. Por meio de sua assessoria, Levy mandou dizer aos jornalistas que o que havia dito tivera como objetivo "ampliar o debate para aperfeiçoar o programa" . Gracinha, não?
EM 28 DE FEVEREIRO, a propósito do programa de desoneração da folha de pagamento adotado por Guido Mantega, o ministro que o antecedeu, Levy comentou: "Você aplicou um negócio que era muito grosseiro. Essa brincadeira nos custa R$ 25 bilhões por ano". Brincadeira? Por pouco, Dilma não mordeu Levy. Que, humilde, afirmou que fora "infeliz" e "coloquial demais". Sentiu pena dele?
A MAIS RECENTE trapalhada aconteceu na semana passada. E atingiu Dilma diretamente. Em palestra para ex -alunos da Universidade de Chicago , onde se graduou, Levi disse em inglês o que pode ser traduzido assim: "Acho que há um desejo genuíno da presidente de acertar as coisas , às vezes não da maneira mais fácil,mas... Não da mais efetiva, mas há um desejo genuíno".
LEVY DESCULPOU-SE rapidinho: "Aqueles que têm a honra de encontrarem-se ministros sabem que a orientação da política do governo é genuína, reconhecem que o cumprimento de seus deveres exige ações difíceis, inclusive da Exma. Sra. Presidente,Dilma Rousseff, e eles têm a humildade de reconhecer que nem todas as medidas tomadas têm a efetividade esperada". Entendeu? Eu não.
O QUE DILMA E LEVY têm em comum? Falta-lhes jeito para manipular cristais sem destruir nenhum. Com uma diferença: a presidente da República é Dilma, eleita e reeleita pelo voto popular. Levy nunca foi votado. É ministro porque Dilma quer. Deixará de ser quando quiser ou quando ela quiser. A conjuntura obriga Levy a fazer política. E essa está longe de ser a praia dele. Daí as mancadas.
NO PRESIDENCIALISMO brasileiro, por mais fraco que esteja o presidente, ninguém manda mais do que ele. A não ser que ele abdique de mandar. Getúlio Vargas matou-se. Mas, com seu gesto, permaneceu influente por mais de uma década. João Goulart fugiu para o exterior com medo de provocar derramamento de sangue. À Dilma não falta a coragem dos temerários. Ela já deu provas disso.
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