- O Estado de S. Paulo
Políticos apanhados com a boca na botija adoram dizer que são vítimas das circunstâncias: do “sistema”, do modelo falido de governabilidade, das regras partidário-eleitorais defeituosas. Também gostam muito de pontificar sobre a urgência de uma reforma política como se fosse uma tarefa a ser cumprida pelo alheio, dado que não se mexem para tal.
Assim vão tocando a vida sem reformar coisa alguma – não obstante sejam por delegação popular os donos das ferramentas e do dever de observar o decoro –, desfrutando das benesses do dito sistema e do modelo em colapso que de maneira cruel obriga tão puras criaturas a recorrer a práticas ilícitas de financiamento eleitoral e, não raro, pessoal.
As acusações de que são alvo partem sempre de alguém desqualificado, mentiroso e irresponsável. Quando resultado de investigações, as denúncias são inconsistentes, “notícia velha” ou produto de manipulação política. Se os fatos produzem condenações, eram os julgadores mal intencionados, partícipes da conspiração que, evidentemente, representa uma ameaça à democracia, cujo arcabouço legal está sendo solapado.
A política é cheia de versões como essas, convenientes aos narradores. Se o que os delatores estão dizendo à força-tarefa for produto de imaginação ou de vingança, estão cientes de que poderão amargar um par (ou dezenas) de anos na cadeia. Sérgio Machado, por exemplo, não poderia cumprir sua sentença à beira da piscina de casa, em Fortaleza.
Mas, se estiveram dizendo a verdade, como a dinheirama circulante nas campanhas eleitorais indica, outras versões recorrentes cairão por terra. Aliás, já estão sendo reescritas à luz do sol e a poder de um jato que atingiu como raio a rotina de desfaçatez de suas excelências.
A mais notória dessas histórias para boi dormir é aquela das doações eleitorais “devidamente registradas na Justiça Eleitoral”. Um álibi para o crime que se afigurava perfeito até que as delações começassem a narrar o caso de outra maneira, mostrando que dinheiro legalmente contabilizado junto ao TSE não era necessariamente de origem limpa.
Era fruto de desvio de recursos públicos por intermédio de contratos superfaturados entre governos e empresas, na maioria empreiteiras. Os políticos faziam suas indicações – entre eles mesmos ou mediante a escolha de um técnico de conduta flexível – para determinados postos a fim de assegurar a execução da negociata garantida pelo dever de obediência dos indicados àqueles a quem deviam os cargos.
No sobrepreço do serviço estava incluída a propina que, então, poderia ir para o bolso dos mandantes ou para o cofre dos partidos que faziam o devido registro legal no TSE. Em outras palavras, além do crime de peculato os que andam caindo na malha da Lava Jato ainda davam-se ao desfrute de usar a Justiça Eleitoral como lavanderia das respectivas “roupas” sujas.
Sabe-se lá há quanto tempo vem sendo usado o estratagema que, se não se enquadra na modalidade criminal de lavagem de dinheiro, ao menos mereceria alguma forma de punição mais pesada que a simples vedação de doações por parte de pessoas jurídicas. É um escândalo paralelo. Filhote do que vem sendo desvendado como o maior assalto aos cofres públicos de que se tem notícia.
Sociedade ilimitada. Certas coisas só o tempo explica. No início do primeiro governo Lula, Marcelo Odebrecht estava para assumir a presidência da empresa. Durante um almoço, em São Paulo, falou do então presidente como quem se refere a uma divindade.
O homem perfeito, no lugar certo, na hora exata. Faria um governo irrepreensível. Na ocasião não ficou claro o motivo de amor tão incondicional. Hoje está explicado: era condicionado.
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