O desembargador Rogério Favreto, usurpando uma competência que não lhe cabia, aproveitou seu período de plantonista do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) para expedir um absurdo alvará de soltura para o sr. Lula da Silva. Demonstrou como o mero exercício do plantão judiciário pode ser prejudicial à própria Justiça, negando as garantias que deveria garantir. Felizmente, a carteirada do desembargador plantonista, que contrariava decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e da 8.ª Turma do TRF-4, foi devidamente atalhada antes que pudesse produzir maiores estragos.
Os três deputados impetrantes do pedido de habeas corpus em favor do ex-presidente petista não são, no entanto, os únicos interessados em abusar do plantão judiciário. É conhecida a manobra de tentar se valer do recesso da Justiça para, burlando o princípio do juiz natural, obter uma decisão que, pelas vias regulares, seria negada. Tal perigo parece rondar, por exemplo, a ação rescisória relativa ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que pode custar bilhões de reais aos cofres da União. Criado para repassar recursos federais à educação estadual e municipal, em respeito à responsabilidade econômica supletiva da União, o fundo sofreu um desvirtuamento na Justiça, que o transformou numa fonte de renda regular para Estados e municípios.
Em setembro de 2017, o desembargador Fábio Prieto, do Tribunal Regional da 3.ª Região (TRF-3), suspendeu liminarmente todas as ações de execução que centenas de prefeituras moviam contra a União relativas ao Fundef. Diante da suspeita de existência de erros processuais graves nas ações civis públicas que deram origem a essas execuções, o desembargador entendeu que, antes de exigir que a União repasse esses valores – estimados em R$ 20 bilhões, mas que podem chegar a um montante final de R$ 140 bilhões –, cabia averiguar se tais ações estavam em conformidade com o bom Direito.
A decisão do desembargador Prieto contrariou os interesses de muitos prefeitos e de muitos escritórios de advocacia, que ganhariam cifras milionárias com as causas. Assim, há tentativas para que a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, responsável no período de recesso pelas decisões de urgência da Suprema Corte, interfira no caso para suspender a liminar. De fato, a ministra Cármen Lúcia, no ofício ao TRF-3 em que requisitou informações sobre a ação rescisória do Fundef, mencionou a existência de vários pedidos para que a presidência do Supremo reverta a decisão do desembargador Prieto.
Não se vislumbra motivo para uma decisão de urgência, no período de recesso da Justiça, na ação do Fundef. No caso, a tarefa do Judiciário, respeitando o princípio do juiz natural, é justamente avaliar, com profundo rigor técnico – pois estão em jogo vultosos recursos do contribuinte –, se as ações civis públicas cumpriram ou não os requisitos legais.
Como lembrou o desembargador Prieto na decisão, o Ministério Público Federal (MPF) não respeitou a regra da competência ao ajuizar essas ações civis públicas, cujo juízo é sempre o do local do dano. Por exemplo, o MPF de São Paulo não demonstrou sequer o dano sofrido pelo Estado de São Paulo, simplesmente afirmando que a correta fixação do valor mínimo anual seria do interesse de todos os cidadãos. “No Estado Democrático de Direito, o interesse ‘de todos os cidadãos deste país’ não está sujeito às projeções de integrantes do Ministério Público ou do Poder Judiciário, para a fixação de competência funcional”, esclareceu o desembargador.
Depois de um longo percurso do caso na Justiça, a atual ação rescisória pode ser o instrumento adequado para corrigir o erro de competência cometido na propositura das ações civis públicas. Só faltava que um novo erro de competência – eventual decisão do plantão judiciário do STF, sendo que o caso não requer, no momento, nenhuma medida de urgência – tornasse inútil todo o esforço para retificar o imenso equívoco de toda a história do Fundef na Justiça.
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