Valor Econômico
Aliados pedem cautela a Lula e criticam
excesso de confiança
Existe a convicção, no entorno do
presidente Jair Bolsonaro, que entre maio e junho as pesquisas de intenção de
voto irão colocá-lo empatado com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT). Mas até lá, a inflação é o principal assunto a ser evitado e, portanto,
nada melhor do que Lula ocupando o noticiário com declarações controversas para
desviar as atenções do que realmente preocupa milhões de eleitores.
Só o tempo dirá se será confirmado esse
cenário, considerado hoje improvável por aliados de Lula e impossível pelos
partidos que tentam emplacar uma candidatura de terceira via. Porém, é a
projeção com a qual trabalham os partidos do Centrão que orbitam o gabinete
presidencial. E é baseada nela a estratégia governista que vai sendo colocada
em execução: convencer o eleitor que Lula, se reeleito for, será guiado por
ressentimentos e conduzirá seu governo pela pista da esquerda.
Essa tranquilidade de lideranças do Centrão, é verdade, pode até ser justificada pela certeza de que as verbas das emendas de relator ao Orçamento continuarão sendo distribuídas. Sejam quais forem os dados das próximas pesquisas ou, até mesmo, o resultado da eleição.
Apenas uma decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF) pode acabar com o que o presidente da República considera o
calmante do Congresso. Enquanto ela não vem, PP e PL dedicam-se ao plano de
mostrar que a fase do “Lulinha paz e amor” faz parte do passado e não será
reeditada.
A estratégia é atrair Lula para o centro da
arena, fortalecendo a polarização. Contudo, mais do que a simples exclusão da
terceira via desta etapa de pré-campanha, acredita-se que o ideal é dar corda
para que o ex-presidente fale sobre temas polêmicos capazes de dividir até
mesmo a esquerda. Isso serviria também para afastar de Lula os eleitores que se
decepcionaram com Bolsonaro, mas ficariam sem opção ao ver um candidato
supostamente radical do outro lado, além de gerar desconfianças no mercado.
Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil,
publicou nas redes sociais o que já vinha sendo falado nos bastidores da
campanha governista. No Twitter, chamou Lula de “maior cabo eleitoral” de
Bolsonaro por, nas suas palavras, apoiar o aborto, colocar o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) como protagonista, zombar de Deus e atacar
a classe média. “A nós só resta agradecê-lo por tornar mais fácil a nossa
missão de lembrar o povo brasileiro do verdadeiro PT”, escreveu.
Foi uma referência à série de falas do
ex-presidente que têm sido questionadas inclusive por aliados de Lula.
Em uma delas, o ex-presidente disse às
vezes imaginar que Deus é petista. Noutra, afirmou que a classe média ostenta
um padrão de vida acima do necessário. E não é de hoje que ele reafirma seu
compromisso de prestigiar o MST em seu governo, caso vença o duelo marcado para
outubro.
Dias atrás, na mesma linha argumentativa
apresentada pelo ministro da Casa Civil, um importante aliado de Bolsonaro
mencionou outras declarações de Lula que deveriam ser exploradas pela tropa
governista. Entre elas, destacou a sinalização do petista de que pretende rever
a reforma trabalhista aprovada no governo Michel Temer (MDB). "Nós
queremos juntar outra vez os empresários, os sindicatos, o governo, se for o
caso juntar universidade. Vamos discutir qual é a legislação trabalhista que
nós precisamos para ser adequada ao momento político, econômico e cultural que
nós estamos vivendo”, disse Lula recentemente.
Citou, também, a fala em que Lula inovou
lançando a diplomacia da garrafa, ofendendo ucranianos e colocando em xeque o
discurso segundo o qual seu retorno ao Palácio do Planalto recuperaria a imagem
do Brasil na cena internacional. “A quem interessa essa guerra? A razão dessa
guerra, por tudo o que eu compreendo, que eu leio e que eu escuto, seria
resolvida aqui no Brasil em uma mesa tomando cerveja. Teria resolvido aqui, se
não na primeira cerveja, na segunda; se não desse na segunda, na terceira; se
não desse na terceira, até acabarem as garrafas a gente ia fazer um acordo de
paz”, disse o ex-presidente.
Aliados de Lula atribuem esses deslizes a
um excesso de autoconfiança. E alertam que o petista deveria concentrar-se em
temas econômicos: é o ponto fraco a explorar, ainda que Bolsonaro tente
relativizar a responsabilidade do governo pela redução do poder de compra do
brasileiro.
Esses mesmos aliados argumentam que a
campanha do ex-presidente não deve temer o discurso já adotado por Bolsonaro de
que a eleição de outubro mimetiza a luta do bem contra o mal. Pelo contrário:
deveria, isso sim, se apropriar dessa imagem com o objetivo de reforçar que o
mal é personificado por aqueles que defendem torturadores ou desdenham das
mortes provocadas pela covid-19.
Pelo seu histórico, Lula não teria problema
em calibrar o discurso. Não foram poucas as vezes em que disse ser uma
metamorfose ambulante, em clara referência à canção de Raul Seixas. Ele já se
saiu com essa, por exemplo, ao justificar sua mudança de opinião em relação à
CPMF.
Agora, depois de dizer que demitiria 8 mil
militares que ocupam cargos no governo federal, precisaria buscar uma saída
para amenizar o mal-estar gerado entre integrantes das Forças Armadas. Como
resposta, a mensagem de seus interlocutores é que nenhum direito conquistado
pelos integrantes das Forças Armadas seria questionado e o orçamento do
Ministério da Defesa teria cifras capazes de dar continuidade aos projetos
estratégicos de Exército, Marinha e Aeronáutica.
O conselho dado a Lula foi evitar a pauta
de costumes, mesmo que tais bandeiras sejam caras à esquerda. Ela não serve,
neste momento, a um candidato que busque promover a união nacional: a
prioridade deve ser a economia.
Em relação ao chefe da equipe econômica, se
um nome técnico respeitado do setor privado não for escolhido, existe o perfil
ideal do político que poderia assumir a função num novo governo do petista: um
parlamentar experiente com capacidade de diálogo e experiência administrativa
como governador. Aliados e adversários aguardam a próxima metamorfose do
discurso de Lula.
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