quarta-feira, 13 de abril de 2022

Fernando Exman: Discurso de Lula em nova metamorfose

Valor Econômico

Aliados pedem cautela a Lula e criticam excesso de confiança

Existe a convicção, no entorno do presidente Jair Bolsonaro, que entre maio e junho as pesquisas de intenção de voto irão colocá-lo empatado com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mas até lá, a inflação é o principal assunto a ser evitado e, portanto, nada melhor do que Lula ocupando o noticiário com declarações controversas para desviar as atenções do que realmente preocupa milhões de eleitores.

Só o tempo dirá se será confirmado esse cenário, considerado hoje improvável por aliados de Lula e impossível pelos partidos que tentam emplacar uma candidatura de terceira via. Porém, é a projeção com a qual trabalham os partidos do Centrão que orbitam o gabinete presidencial. E é baseada nela a estratégia governista que vai sendo colocada em execução: convencer o eleitor que Lula, se reeleito for, será guiado por ressentimentos e conduzirá seu governo pela pista da esquerda.

Essa tranquilidade de lideranças do Centrão, é verdade, pode até ser justificada pela certeza de que as verbas das emendas de relator ao Orçamento continuarão sendo distribuídas. Sejam quais forem os dados das próximas pesquisas ou, até mesmo, o resultado da eleição.

Apenas uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pode acabar com o que o presidente da República considera o calmante do Congresso. Enquanto ela não vem, PP e PL dedicam-se ao plano de mostrar que a fase do “Lulinha paz e amor” faz parte do passado e não será reeditada.

A estratégia é atrair Lula para o centro da arena, fortalecendo a polarização. Contudo, mais do que a simples exclusão da terceira via desta etapa de pré-campanha, acredita-se que o ideal é dar corda para que o ex-presidente fale sobre temas polêmicos capazes de dividir até mesmo a esquerda. Isso serviria também para afastar de Lula os eleitores que se decepcionaram com Bolsonaro, mas ficariam sem opção ao ver um candidato supostamente radical do outro lado, além de gerar desconfianças no mercado.

Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil, publicou nas redes sociais o que já vinha sendo falado nos bastidores da campanha governista. No Twitter, chamou Lula de “maior cabo eleitoral” de Bolsonaro por, nas suas palavras, apoiar o aborto, colocar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) como protagonista, zombar de Deus e atacar a classe média. “A nós só resta agradecê-lo por tornar mais fácil a nossa missão de lembrar o povo brasileiro do verdadeiro PT”, escreveu.

Foi uma referência à série de falas do ex-presidente que têm sido questionadas inclusive por aliados de Lula.

Em uma delas, o ex-presidente disse às vezes imaginar que Deus é petista. Noutra, afirmou que a classe média ostenta um padrão de vida acima do necessário. E não é de hoje que ele reafirma seu compromisso de prestigiar o MST em seu governo, caso vença o duelo marcado para outubro.

Dias atrás, na mesma linha argumentativa apresentada pelo ministro da Casa Civil, um importante aliado de Bolsonaro mencionou outras declarações de Lula que deveriam ser exploradas pela tropa governista. Entre elas, destacou a sinalização do petista de que pretende rever a reforma trabalhista aprovada no governo Michel Temer (MDB). "Nós queremos juntar outra vez os empresários, os sindicatos, o governo, se for o caso juntar universidade. Vamos discutir qual é a legislação trabalhista que nós precisamos para ser adequada ao momento político, econômico e cultural que nós estamos vivendo”, disse Lula recentemente.

Citou, também, a fala em que Lula inovou lançando a diplomacia da garrafa, ofendendo ucranianos e colocando em xeque o discurso segundo o qual seu retorno ao Palácio do Planalto recuperaria a imagem do Brasil na cena internacional. “A quem interessa essa guerra? A razão dessa guerra, por tudo o que eu compreendo, que eu leio e que eu escuto, seria resolvida aqui no Brasil em uma mesa tomando cerveja. Teria resolvido aqui, se não na primeira cerveja, na segunda; se não desse na segunda, na terceira; se não desse na terceira, até acabarem as garrafas a gente ia fazer um acordo de paz”, disse o ex-presidente.

Aliados de Lula atribuem esses deslizes a um excesso de autoconfiança. E alertam que o petista deveria concentrar-se em temas econômicos: é o ponto fraco a explorar, ainda que Bolsonaro tente relativizar a responsabilidade do governo pela redução do poder de compra do brasileiro.

Esses mesmos aliados argumentam que a campanha do ex-presidente não deve temer o discurso já adotado por Bolsonaro de que a eleição de outubro mimetiza a luta do bem contra o mal. Pelo contrário: deveria, isso sim, se apropriar dessa imagem com o objetivo de reforçar que o mal é personificado por aqueles que defendem torturadores ou desdenham das mortes provocadas pela covid-19.

Pelo seu histórico, Lula não teria problema em calibrar o discurso. Não foram poucas as vezes em que disse ser uma metamorfose ambulante, em clara referência à canção de Raul Seixas. Ele já se saiu com essa, por exemplo, ao justificar sua mudança de opinião em relação à CPMF.

Agora, depois de dizer que demitiria 8 mil militares que ocupam cargos no governo federal, precisaria buscar uma saída para amenizar o mal-estar gerado entre integrantes das Forças Armadas. Como resposta, a mensagem de seus interlocutores é que nenhum direito conquistado pelos integrantes das Forças Armadas seria questionado e o orçamento do Ministério da Defesa teria cifras capazes de dar continuidade aos projetos estratégicos de Exército, Marinha e Aeronáutica.

O conselho dado a Lula foi evitar a pauta de costumes, mesmo que tais bandeiras sejam caras à esquerda. Ela não serve, neste momento, a um candidato que busque promover a união nacional: a prioridade deve ser a economia.

Em relação ao chefe da equipe econômica, se um nome técnico respeitado do setor privado não for escolhido, existe o perfil ideal do político que poderia assumir a função num novo governo do petista: um parlamentar experiente com capacidade de diálogo e experiência administrativa como governador. Aliados e adversários aguardam a próxima metamorfose do discurso de Lula.

 

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