O Estado de S. Paulo
A mecânica do pêndulo pode ajudar o cidadão
a refletir sobre seu papel para não deixar a Nação entregar os pontos.
Eleição no Brasil é crise, não sucessão.
Especialmente quando candidatos cacarejam como se botassem ovos magníficos. Com
mais uma eleição de partidos estatais que não representam a sociedade, teremos
o fracasso de uma geração. A pequena política das corporações criou o ardil da
polarização.
Agora, quando os polos extremos do
agonizante modelo populista excederam seu direito de errar – governos de
esquerda como a maior distância entre o que o eleitor esperava e o que de fato
aconteceu, e governo de direita como a menor –, é a hora de apelar para o
sangue frio. Não deveria ser ingenuidade esperar que os polarizados
participassem da eleição somente como os principais eleitores de suas ideias
originais. Como insistem em querer ser o sol que não declina, que ao menos
reconheçam seu papel de tranca rua.
Diante da hegemonia esgotada que deles emana e freia a extensão autônoma da vida dos brasileiros, poderiam ter a grandeza de De Gaulle, que soube a hora de parar e deixar nova explanação emergir. Nosso principal dilema é evitar o fim do social para não privar o País do seu futuro. O instinto insano pelo poder é o escárnio que completa o retrato de uma eleição sufocante e interiorana.
A vida democrática deveria ser calma,
regular, e não instrumento de ninguém. O páthos de dó e pena
provocado pelo apoio a Putin por esquerda e direita em campanha é um verdadeiro
esganamento em política. Pois é a hipérbole de um mesmo temperamento que
invadiu a Polônia em 1939 e a Ucrânia em 2022. Qual a vastidão do vazio que os
motiva? O que os fustiga? Quem é o jockey que os vergasta? Existe outra
política, sem foto arranjada, tom de parada, passeata ou jingle marcial?
Quando tudo parece bem para os polarizados
– e sei que há boa-fé em muitos deles –, a gaia performance da campanha os
aniquila. Viram exércitos pretorianos para entorpecer de má-fé a eleição.
O eleitor cauteloso é pendular, não um
indeciso. O polarizado é dedo em riste. O pendular é livre para querer mudança
e muito mais. Para o polarizado, os fins justificam os meios; para o pendular,
melhor observar o que justifica os fins. O polarizado costuma agir fora de si,
gosta de se exibir. Do livre caçoa, não leva a sério. O polarizado manipula a
felicidade; o livre quer a alegria. Ser fiel a si mesmo ou ser fiel ao País, pormenores
do drama eleitoral, veredas que se bifurcam.
O eleitor pendular evita o tom moralista,
pressente o efeito corrosivo de massas engajadas, crê em signos que repudiam
enganos e frustrações, acredita numa forma mais alta de energia social. Não é
tribal, conformista, é jovem sem arrogância, envelhece sem ficar ranzinza. Muda
seu voto por dever, querendo cumprir o papel de aceitar evoluções e mudanças de
pensamento. O problema do Brasil é de horizonte, não é pessoal. Na era do ator,
não existe liberal nem socialista. Só contraste, simplificação. Melhor rever o
que se vê, o que se viu, fugir das peripécias dos artistas.
A energia que o antagonismo fornece parece
propulsora de um vigor criativo e positivo. Para a sociedade democrática, e em
tempos de paz, sua vibração estranha não serve de definição. A eleição é para
debater diferentes concepções de como se deve governar. E não ficar satisfeito
com o que se sabe. A maioria das explicações não explica. Procure ver além da
escuridão.
O poder não se estrutura por razões
emocionais e autoelogio. Sua tensão e eficácia têm base prática. É uma
engenharia moral estruturada em fatos e números. Mal organizado ninguém ajuda o
pobre a sair da pobreza, dá apenas cadarço para amarrar chinelo ao pé descalço.
Há uma inversão de valores em moda: a sociedade é que serve à política e à
economia, não o contrário. A força vital da política econômica se tornou a
própria economia política. A simultaneidade dos dois contaminou tudo. As
instituições se infectaram de egoísmo pecuniário e sugam o PIB do País para se
manterem.
Um dos principais motores da manutenção
do status quo é a litigiosidade. Chama a atenção o caráter
autonormativo da ação de muitos juízes, a maioria dos políticos e diversos
empresários: julgam, legislam e atuam para si próprios. Sua maior consciência é
a da própria psicologia e mais se mobilizam para causas parasitárias. O
Parlamento estimula o excesso de leis como se combinasse com os tribunais o
incentivo à judicialização. Assim os dois se autoprotegem e se autojustificam,
avançando juntos sobre o dinheiro do contribuinte.
Polarização é o nome desta coisa toda que
rema contra a história e serve de álibi para que anjos exterminadores atuem. O
polarizado não examina criticamente o louvor indevido que o beneficia e a reprovação
insuficiente que o protege. Polarização não é distinção, é instinto, não
opinião.
Em todos os tempos são trágicas as
consequências da fúria da competição e das ideias dominadas pelo gozo do
conflito. O universo do eleitor pendular precisa ser ampliado para a eleição
não ser encurtada. Eleitor não é gado, a parte da frente do arado. A mecânica
do pêndulo pode ajudar o cidadão a refletir sobre seu papel para não deixar a
Nação entregar os pontos.
*Sociólogo
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