quarta-feira, 13 de abril de 2022

Elio Gaspari: De George Patton para Braga Netto

O Globo / Folha de S. Paulo

Eu queria distribuir penicilina e levei uma bronca

Estimado general,

Ontem almocei com a turma na casa do Franklin Roosevelt. Ele saiu daí há exatos 77 anos. O presidente estava com a mulher, Eleanor, e a namorada, Lucy. Encontrei o general George Marshall, meu chefe durante a Segunda Guerra, e o Eisenhower, comandante das nossas tropas na Europa. Não sei quem trouxe o assunto, mas a conversa tomou um rumo picaresco: o senhor foi ministro da Defesa, e as Forças Armadas brasileiras compraram 35 mil comprimidos de Viagra. Essa droga não existia no meu tempo, apesar de eu nunca ter precisado dela. Aqui onde estamos, ninguém precisa de estimulantes.

O Marshall estava horrorizado. Ele lembrava que o senhor havia usado seu nome durante a pandemia para fazer publicidade de um programa de gastos do governo. Marshall é um grande sujeito, reservado e casto. Imagine que, em 1943, numa visita a Hollywood, um magnata da indústria cinematográfica pediu-lhe que escolhesse uma atriz para acompanhá-lo ao jantar. Ele atravessou a sala e convidou Margaret O’Brien, uma menina de 6 anos. Ninguém faria mexericos à sua custa.

Não me horrorizei, mas achei a compra esquisita. A imensa maioria da tropa não precisa de Viagra. Fico imaginando um general pedindo ao ajudante de ordens ou à moça da farmácia a sua dose de comprimidos. Situação constrangedora. Imaginei o Eisenhower nessa situação. Digo-lhe isso porque é pública a fofoca de seu caso com a motorista. A Kay era uma irlandesa ruiva, ex-modelo, divorciada e linda. Ela nunca reconheceu intimidades horizontais, e acredito na moça.

Eu gostava de matar inimigos e de dizer palavrões. Dei uns tapas num soldado medroso e fui obrigado a pedir desculpas em público. Fanfarrão? Talvez. Quando eu marchava sobre a Alemanha e cheguei às margens do Rio Reno, mijei nele, com gente vendo e fotografando. Se não tivesse feito isso, passaria o resto da vida me lamentando. Afinal, meus blindados desceram na Itália e só não entraram em Berlim porque me impediram.

Não posso julgar o sistema nervoso dos outros. Para mim, a véspera de combate sempre foi coisa excitante. Sei que o general Lee, comandante dos rebeldes na Guerra Civil Americana, teve diarreia durante a Batalha de Gettysburg, em 1863. Oitenta anos depois, em Stalingrado, o mesmo aconteceu ao marechal alemão Von Paulus. Ambos perderam. No Dia D, em junho de 1944, o Eisenhower estava com os olhos congestionados, e seu ouvido zumbia. O colega Omar Bradley comandou o desembarque com o nariz inchado. Meu sistema é outro, a adrenalina revigora-o.

Depois que nossas tropas entraram em Paris, a saúde dos meus soldados preocupava-me, e sugeri que distribuíssem penicilina para as moças dos bordéis. O Eisenhower, furioso, escreveu-me que a ideia era inaceitável, pois poderíamos ficar sem aquele remédio tão importante. Ele queria proteger a demanda; eu, que conheço a vida, queria controlar a oferta. Imagino o que ele diria se lhe propusessem distribuição de Viagra para uma tropa conquistadora, na França.

Eu me renderia ao primeiro sargento alemão antes de deixar registrado na farmácia do regimento que o general Patton mandou buscar sua cota de Viagra.

É dura a vida de um chefe militar formado na cavalaria em tempo de paz. Passei por isso e sofri muito.

Com meus respeitos, despeço-me porque o sargento trouxe o Big Red para minha cavalgada matinal. Cheguei aqui montado nele.

General George S. Patton

 

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