Folha de S. Paulo
Disparada de preços de alimentos medida
pela FAO é recorde e balança política
O preço de carnes,
grãos, derivados de leite, óleos e açúcar não era tão alto faz pelo
menos 32 anos, segundo as contas da FAO, a Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura. Altos em termos reais, descontadas outras
inflações da economia mundial.
A inflação americana, da gasolina em
particular, ajuda a derrubar a popularidade do presidente Joe
Biden. Os preços para o consumidor americano aumentaram
8,5% em março (na comparação com março do ano passado), ritmo mais
veloz em mais de 40 anos. A comida em casa ("groceries") aumentou
10%.
Na França, os preços subiram menos, 4,5%. Mas foram o tema das semanas finais da campanha eleitoral, o que ajudou a colocar Marine Le Pen nos calcanhares do presidente Emmanuel Macron. A candidata da extrema direita promete cortar impostos sobre consumo de bens do dia a dia. Na Europa do euro, a inflação anual está em 7,5%. No Brasil, em 11,3%.
Haverá refresco, para preços da comida ou
da inflação em geral? O chute depende do que vai acontecer com a guerra na
Ucrânia, com os problemas de produção da indústria mundial ou com a
epidemia, em particular na China. Surtos de Covid fazem os chineses fecharem
fábricas, portos ou regiões inteiras, tumultuando ainda mais o abastecimento da
globalização cada vez mais avacalhada.
Na observação mais banal, os números das
bolsas e das cotações internacionais, vê-se que o barril
do petróleo deu uma acalmada em degrau muito alto, desde março (alta
de cerca de 35% no ano). Em abril, os grãos continuaram a encarecer. No ano, é
terrível ainda a carestia de trigo (43%), milho (31%) e soja (26%). Carnes e
açúcar deram uma acalmada.
Nesses patamares, porém, preços tão
essenciais como os de energia e comida já comeram o poder de compra de pobres e
remediados do mundo, "classe média" europeia e americana inclusive.
Não haverá baixa de preços ou alta de salários tão cedo. Há risco de tumulto
social e político —sim, temos peste, guerra e inflação.
Em um ano, o
índice de preços da FAO aumentou 33,6%. Na virada de 2010 para 2011, subia
a cerca de 30% ao ano. Foi quando começaram as revoltas sociais e políticas
chamadas de "Primavera Árabe". Dizer que foram causadas pela carestia
da comida é exagero, mas não muito (alta ainda maior de preços, em 2008, não
chegou a causar revoluções).
A inflação mundial da comida vinha em alta
forte desde outubro de 2021, com a retomada gradual das economias, mas
estacionara em níveis recordes em torno da virada do ano. A guerra provocou um
salto mortal. Porém, há problemas que precedem a invasão russa da Ucrânia e não
vinham tendo refresco.
Mesmo que um milagre dê fim à guerra, os
efeitos do conflito vão persistir por algum tempo, em particular no que diz
respeito a fertilizantes, grãos, trigo e óleos. A alta mundial das taxas de
juros vai derrubar o crescimento das economias, ainda não se sabe quanto, o que
pode conter a carestia. Mas, como parece óbvio, só vai ser bom (menos inflação)
se for ruim (menos crescimento).
No Brasil, poderia haver um alívio por
causa da desvalorização do dólar em relação ao real (mais de 17% desde
dezembro) e da redução do preço da eletricidade. No entanto, a inflação está
disseminada e talvez já provoque algum efeito bola de neve (inércia). A redução
da carestia dependeria de um dólar mais baixo por uns meses. Mas é preciso
relembrar que o dólar mais barato não é páreo para um barril ainda em alta de
35% no ano. Além disso, a campanha eleitoral vem aí, com seus disparates e
geradores de incerteza, que costumam jogar o real no chão.
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