O Estado de S. Paulo
PEC do ‘estado de emergência’ descumpre
mandamentos de uma adequada política fiscal e de regras eleitorais sem
privilégio.
Tendo como pretexto o forte aumento do
preço dos combustíveis, o desgoverno Bolsonaro se excedeu imaginando um “estado
de emergência” com sua Proposta de Emenda Constitucional (PEC) recém-aprovada
no Senado, com apenas um voto em contrário, do senador José Serra, que honrou o
seu mandato.
Entre outros gastos, ela contempla ampliação do Auxílio Brasil, aumento do vale-gás e bolsa-caminhoneiro e para motoristas de taxi. Quando eu escrevia este texto, essa PEC estava na Câmara dos Deputados e a previsão é de que ali será também aprovada por larga margem, pois a dita oposição não quer ir contra um pacote de benesses na proximidade de eleições, ainda que muito defeituoso, populista, oportunista e favorável ao seu adversário. Segundo o jornal O Globo de 1/7/2022, “parlamentares fizeram duras críticas, mas não tiveram coragem de figurar em lista contra a proposta que aumenta verbas públicas para programas sociais, mesmo dando vantagem eleitoral ao presidente”.
Esta “emergência” da referida PEC só
existe, mesmo, é nas hostes governistas, pois seu candidato presidencial à
reeleição corre alto risco de perdê-la, conforme as pesquisas de intenção de
voto. E, assim, ele partiu para a violência fiscal e eleitoral. Só não digo que
partiu para a ignorância porque sabe muito bem o que está fazendo.
As instituições fiscais e eleitorais são
como mandamentos que regem um Estado Democrático de Direito, e a PEC atua
contra um desses mandamentos ao promover a gastança num momento em que o
governo não dispõe de recursos, o que aumenta a desconfiança de agentes
econômicos na gestão fiscal do governo. Isso traz consequências que não foram
ponderadas pelos senadores, como o fato de que as incertezas desses agentes
pressionam a taxa de câmbio, um dos ingredientes da alta dos preços dos combustíveis.
Manchete deste jornal ontem mostrou,
também, outro efeito: Risco fiscal eleva juro pago pela União. A inflação,
que já é alta, será pressionada para cima por essa expansão de gastos, o que
vai contra a política anti-inflacionária do Banco Central, que será pressionada
por juros altos, prejudiciais aos gastos dos consumidores e aos investimentos
em geral.
No plano eleitoral, um mandamento moral e
ético é o de que as leis não podem favorecer este ou aquele candidato, e a PEC
em questão viola esse mandamento ao beneficiar claramente o presidente e
candidato Jair Bolsonaro num período eleitoral. É como uma compra de votos.
Espero que os eleitores brasileiros não caiam nessa.
Diante do quadro social, alguém poderia
perguntar: mas você não está se mostrando insensível ao sofrimento dos mais
pobres? Ora, sempre defendi uma política social em favor deles e desde que
nasceu o Bolsa Família sempre o elogiei, mas o desgoverno atual andou mexendo
no programa. Entre outras coisas, passou a oferecer um valor mínimo por
família, o que estimula a separação delas para receber benefícios em dobro.
Soube que o número de famílias “de um só
integrante” beneficiárias do Auxílio Brasil saltou de 2,2 milhões para 3,7
milhões entre novembro de 2021 e abril de 2022. Segundo o economista Marcelo
Neri, reconhecido especialista em políticas sociais, o “valor de R$ 600 é bom
de divulgação, mas não de desenho” (Folha de S.Paulo, 3/7/2022). É esse valor
que virá com a citada PEC.
Sigo vários especialistas em políticas
sociais que apontam que o conjunto de políticas sociais do governo,
alegadamente em benefício dos mais pobres, precisa de uma revisão quanto ao
cumprimento de seus objetivos e ao desenho de seus cadastros. Também sou
favorável a uma expansão seletiva dessas políticas, financiada a partir de
impostos diretos mais altos e mais progressivos. Mas isso não se faz às pressas
e caberia fixar um prazo suficiente para que um projeto a respeito fosse
subsidiado por estudos de especialistas quanto ao seu desenho e impacto
distributivo de renda.
Acrescento que esta PEC também pode
prejudicar o crescimento econômico. Embora aumente os gastos no período de sua
duração, isso, como já dito, poderá ter impactos desfavoráveis nas finanças
públicas, ampliando incertezas quanto à obediência do mandamento de uma gestão
fiscal equilibrada, com efeito desfavorável nas taxas de câmbio e de juros.
Outro problema é que os R$ 200 a mais do
Auxílio Brasil cessariam em dezembro deste ano, ou seja, é um “estado de
emergência” com duração definida. Haverá pressão para a manutenção deste e de
outros benefícios em 2023, ano para o qual as previsões de crescimento são
desanimadoras, em particular porque o governo vindouro se verá diante de um
cenário econômico altamente complicado para a sua gestão.
Cabe destacar o voto isolado do senador
José Serra. Entre outras justificativas, ele disse que “esta PEC viola a Lei de
Responsabilidade Fiscal e fura o teto de gastos”. Estes são, também,
mandamentos da boa gestão fiscal, que eticamente deveria ser em prol do bem
comum. Mas a maioria dos congressistas não se revela preocupada com isso nem
com o crescimento econômico do País.
*Economista (UFMG, USP E HARVARD), é consultor econômico e de ensino superior
Um comentário:
Os congressistas querem se eleger a qualquer custo,simples assim.
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