O Globo
Fizemos importantes lições de casa na área
externa, mas o desafio ainda é grande
Desde 2007, o Brasil é credor líquido em
dólar, o que significa ter reservas internacionais (atualmente em US$ 355
bilhões) superiores à dívida externa (US$ 344 bilhões). De um lado, um país que
conquistou o posto de grande exportador de commodities, setor que também
atrai muitos investimentos. De outro, o trabalho do Banco Central (BC) de
adquirir as divisas geradas e, assim, construir um colchão de segurança para o
país.
Apesar de a aquisição das reservas ter sido feita com recursos da emissão de dívida pública interna, e não com recursos orçamentários da União, ela permitiu o país superar a chamada “vulnerabilidade externa” do país, que se referia à elevada sensibilidade a choques externos. Sacudidas no mundo, com elevações de juros internacionais ou crises de liquidez, produziam alta forte do dólar, por conta dos elevados compromissos externos, em um contexto de dificuldade para se contrair mais dívidas.
Superar essa vulnerabilidade – algo não
conquistado pela Argentina – é um dos fatores que ajudam a reduzir a
volatilidade da economia brasileira, ainda que não seja antídoto para erros de
política econômica ou blindagem plena para choques, como a pandemia.
Novos passos precisam ser dados para criar
mais oportunidades de investimento, para o capital estrangeiro e o nacional
também. O baixo investimento, inclusive na comparação com países vizinhos,
penaliza o crescimento de longo prazo.
Aqui a agenda é mais complexa, pois passa por
criar um ambiente econômico mais amigável ao investimento de longo prazo,
principalmente do ponto de vista dos marcos jurídicos, cujas incerteza e
complexidade espantam investidores.
Isso dito, vale avaliar se os ruídos
produzidos pelo atual governo assustaram os investidores.
A resposta mais geral é que o quadro pouco
mudou. A entrada de recursos de estrangeiros de US$ 61 bilhões em 2023 foi
apenas moderadamente inferior aos US$68 bilhões em 2022, com rolagem total da
dívida externa e até alguma entrada de recursos na bolsa. O tombo maior foi no
investimento direto estrangeiro (IDE), de característica de longo prazo. No
entanto, o recuo de 17% ou US$13 bilhões não chega a destoar do quadro global.
No contexto de juros elevados e muitas
incertezas no mundo, houve declínio generalizado de anúncios de investimento,
incluindo grandes projetos de investimento, fusões e aquisições, e novos
investimentos (“greenfield”). Segundo a Unctad, houve recuo de 18% no fluxo de
IDE global, feitas as devidas correções para excluir operações em chamados
países europeus “conduítes”, onde ocorrem operações “anormais” de investimento,
associadas ao diferencial de juros entre os países e benefícios tributários.
Assim, não teria ocorrido perda de espaço do Brasil no IDE global.
Difícil separar o quanto do recuo aqui
decorreu do ambiente externo hostil ou de ruídos internos, mas os dados do BC
podem dar dicas. Na principal modalidade de IDE, a participação no capital, a
queda nos ingressos se concentrou em poucos setores (os destaques são a
indústria automobilística e de alimentos) e poucos países, principalmente
Luxemburgo e Países Baixos (países conduítes, cujo fluxo pode ter sido
contaminado pelo menor diferencial de juros, com o nosso BC iniciando o corte
da Selic e os BCs de países avançados fazendo o caminho oposto). Isso é um bom
sinal.
No segmento de empréstimos intercompanhia, os
ingressos cresceram, ainda que menos do que o aumento de amortizações.
Destacou-se negativamente, porém, o tombo no setor de extração de petróleo e
gás natural (-US$13,9 bilhões), o que pode ser reflexo da ingerência (ou a
tentativas) do governo sobre a Petrobras e a Vale, afetando todo o setor.
O governo deveria ser mais cuidadoso,
inclusive para conter a saída de recursos dos brasileiros (-US$17,4 bilhões em
2023), fora atrair o elevado volume de recursos de exportações mantidos no
exterior. Os chamados residentes têm adotado uma postura mais defensiva que os
estrangeiros.
Em meios à urgência de parcerias com
investidores de nações desenvolvidas, pelos recursos e pela expertise,
inclusive na agenda ambiental, e com tantos desafios para melhorar o ambiente
de negócios, é necessária uma ação mais efetiva e cuidadosa do governo. O país
perde muitas oportunidades.
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