segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Sobre relatividade da política e das nuvens:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Este Lula, já que não existe outro para lhe mover concorrência, parece que, daqui por diante, vai mesmo se recolher à discrição inerente a ex-presidentes, mas sem abdicar de oferecer-se a qualquer momento, dependendo menos do calendário esportivo para 2014 que das circunstâncias políticas que se juntam e se separam como as nuvens, sem dar satisfações. Agora parecem alguma coisa, daqui a pouco estarão muito diferente. Desde Aristófanes, portanto antes dos políticos mineiros, os gregos já sabiam lidar com a relatividade da política por intermédio das nuvens.

Na sua última semana como presidente atônito, Lula manteve a vazão de palpites que, por onde passa, despeja em estado bruto, sem qualquer tratamento, a pretexto de prestação de contas, sem conferir sentido adequado ao que será entregue em seu nome, se e quando ficar pronto. A taxa de repercussão semanal do que ele promete caiu na razão direta do tempo presidencial disponível e na razão inversa da objetividade à qual virou as costas. Do que disse por aí, nada vai além de reciclagem para 2014.

O presidente que acaba de sair para outra, reabastecido pelas pesquisas que já captam 87% de beatificação política em seu louvor, dispõe de um capital de risco a ser investido no mandato de Dilma Rousseff. Evidentemente, com as cautelas recomendáveis num país onde a única volta ao poder, por via eleitoral, foi a do presidente Getúlio Vargas em 1950, mas ao preço de sua vida.

Quem se saiu bem no governo (bem demais, por sinal) foi o presidente JK. Ao contrário do começo, no fim do seu governo tudo se ajustou. Mesmo assim, o sucessor veio pela oposição, que tem (ou teve) poder sedutor sobre o eleitorado. Kubitschek saiu com data marcada para voltar, como se dizia à época, “nos braços do povo quem tem o povo no coração”. Era um caso de sucesso pessoal. Não havia pesquisa, mas sobrava opinião pública. Kubitschek passou a ser o alvo oculto de uma crise operada em três dimensões: como referência oculta do moralismo oposicionista, na campanha presidencial de Jânio Quadros e, por último, na ruidosa erosão constitucional que se consumou em definitivo em 1964. Havia um elo entre a asfixia política da volta de Vargas e o inconformismo intolerante pela vitória de JK, que tirou o pão (Maria Antonieta diria o brioche) da boca oposição. Em 1965 a sucessão não teria candidatos, pois não haveria eleição direta, nem candidatos. Seria ocioso repetir, não por algum fato específico, mas pelo conjunto de maus costumes políticos, num país que não vacila em sacrificar princípios éticos a pretexto de tirar o atraso.

O saldo político capaz de garantir respeito pela História deixou de ser motivo de orgulho republicano. A confiança na política e, principalmente, nos políticos, vem descendo em direção ao ponto mais baixo da normalidade.Voltando ao começo, que é o fim que Lula se propôs – desde que elegeu Dilma Rousseff – o ex-presidente se considera apto a governá-la, por um controle nem tão remoto que criasse margem de risco desnecessária, nem tão perto a ponto de dar o mesmo trabalho que um terceiro mandato. Com ou sem reeleição, o ex-presidente Lula se diz interessado em se desencantar do poder e se deslocar em todas as direções que possam servir aos fins sem necessidade de defini-los com clareza.

Como o próprio Lula expôs, no café da manhã com os jornalistas credenciados junto ao Planalto, se ele sair do governo mas continuar na política, vai ficar com a presidência zumbindo na cabeça. A condição de ex presidente não elimina velhos demônios que costumam visitá-lo. E não resiste à tentação de marcar presença no espaço político. É, portanto uma questão de tempo, que também não brinca em serviço.

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