terça-feira, 20 de julho de 2010

Lula julga encerrado ciclo de alta dos juros:: Raymundo Costa

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Independentemente da taxa que for determinada na reunião de amanhã do Conselho de Política Monetária (Copom), o mais importante será o Banco Central (BC) sinalizar para um ciclo de alta menor que o de 2008, que se estendeu de abril até outubro. O atual ciclo também começou num mês de abril - o de 2010 - mas certamente será interrompido nesta quarta-feira ou no máximo na reunião de agosto. Já há algum tempo tornou-se ociosa a discussão sobre se o governo manda alguma coisa na política monetária. Manda, e manda muito. O resto é cena.

O ministro Guido Mantega (Fazenda), por exemplo, esteve semana passada com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e se mostrou preocupado com uma elevação de 0,75% na taxa de juros, conforme previsão do mercado. Guido entende que esse percentual poderá comprometer o crescimento do país, no próximo ano. Nada de novo. Na realidade deve-se esclarecer que já há algum tempo funciona no governo Lula uma espécie de "Copom do B", uma denominação heterodoxa para o que na prática dos bastidores do governo é chamado de "Comitê de Política Econômica". O BC é oficiosamente independente, mas suas decisões são efetivamente discutidas no Palácio do Planalto de acordo com os interesses e metas das políticas de governo.

Ingênuo é supor o contrário, ou ainda que não sejam avaliadas e cruzadas as curvas da taxa de juros com as linhas no gráfico do desempenho de Dilma Rousseff na sucessão presidencial. A constituição do "Copom do B" é óbvia: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os ministros Guido Mantega e Henrique Meirelles, presidente do Banco Central. Um jogo administrado. Mantega e Meirelles estão sempre em vias contrárias, o que não quer dizer trânsito desorganizado ou que os dois estejam em rota de colisão.

Meirelles trafega na via "fiscalista", isso não é segredo para ninguém, assim como o lado da rua de Mantega pode ser sinalizado de "desenvolvimentista" ou "neodesenvolvimentista", como já se referem petistas ao grupo mais afinado com o que pensa a candidata do partido a presidente, Dilma Rousseff. Importante é que parece haver algum consenso nas duas mãos sobre a questão dos juros "mais altos do mundo".

Em termos históricos, o entendimento é que a taxa de juros deixou de ser um problema estrutural no Brasil. Hoje seria mais uma questão de sintonia final, e é neste território que têm se dado os últimos embates entre Fazenda e Banco Central.

Nos dois últimos meses, o Ministério da Fazenda se posicionou de forma contrária ao aumento de 0,75% propostos por Meirelles. Alegou que havia uma inflação de alimentos, sazonal, e que em alguns segmentos ocorrera até deflação. O BC esgrimiu a inflação no setor de serviços, entre outros vários argumentos.

Às vésperas da eleição presidencial, a atual discussão sobre a taxa de juros é didática em relação ao que pode vir a ser um novo governo do PT, nas mãos da ex-ministra Dilma Rousseff. Uma das lições é que há sim espaço importante para o deputado Antonio Palocci (PT-SP) numa gestão Dilma, apesar do dissenso entre ambos no governo Lula.

O Palácio do Planalto e o comitê Dilma presidente são seres intrínsecos. Tanto num como no outro hoje avalia-se que é melhor manter certas tensões dentro do governo, do que deixar que elas escapem da garrafa. Mais ou menos o que ocorreu no governo Fernando Henrique Cardoso quando o "fiscalista" Pedro Malan reinou na Fazenda como um símbolo de governo e os desenvolvimentistas foram para rua atirar pedras no telhado. O que se quer dizer é que uma "certa tensão" pode ser positiva para o governo, se em vez de paralisia produzir uma resultante. Um denominador.

Neste eventual governo, o que não há é lugar para ministro forte. Valem as reflexões do presidente Lula, após seus dois mandatos no Palácio do Planalto, segundo as quais não existe ministro forte. Forte é o presidente. "O que se espera é que eles sejam bons". Ministro forte é alvo fixo para a oposição e para integrantes do próprio governo. Didático é o caso do ex-ministro José Dirceu. A própria Dilma balançou na crise dos cartões corporativos - a oposição só se deu por vencida quando percebeu que a ministra, já preferida por Lula para a sucessão, não cairia (caiu a ministra Matilde Ribeiro, da Igualdade Racial, sem nenhuma relevância na disputa sucessória, já então em curso adiantado).

Palocci será um ministro importante na equipe de um eventual governo de Dilma Rousseff, pode ser até chefe da Casa Civil (não volta para a o Ministério da Fazenda), mas não será um ministro forte como ele mesmo já foi no primeiro mandato de Lula, a menos que muita coisa mude entre o que pensa a candidata em campanha e o que pensará a presidente Dilma. É claro, se ela for a eleita em outubro.

Palocci está há mais de quatro anos fora do governo, e hoje considera-se que Dilma está muito mais preparada sobre os assuntos de Estado que o ex-todo-poderoso ministro da Fazenda. Como diz um frequentador do carteado de Lula nos finais de semana: "Ela tem na mão a visão de governo".

Quando o mercado financeiro manifesta expectativas em relação a Palocci, isso mais prejudica que ajuda o deputado federal por São Paulo. As relações entre os dois podem ser classificadas de ótimas, mas não mudou o modo de cada um ver o país. Nenhum presidente da República eleito pelo voto de dezenas de milhões nunca vai aceitar que esteja sob tutela.

Para quem ainda hoje duvida da capacidade de formulação de Dilma Rousseff, seus principais aliados gostam de lembrar de um episódio ocorrido em 2005. A demanda na Junta Orçamentária entre Palocci, à época um ministro forte, e Dilma. A ministra bancou a discussão sobre a questão dos gastos públicos e ganhou. Para todos os efeitos, ela mostrou que os números dos ministério da Fazenda e do Planejamento estavam errados. E Dilma ainda foi decisiva na escolha de Guido Mantega para sucessor de Antonio Palocci no ministério da Fazenda.


Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

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