Juliana Elias e Arícia Martins – Valor Econômico
SÃO PAULO - O abalo na confiança dos empresários e consumidores que vem atingindo a economia brasileira levou ontem os analistas de mercado consultados pelo Boletim Focus, do Banco Central, a cortar pela 11ª vez seguida as projeções para o PIB brasileiro neste ano. No fim de maio, a média das estimativas apontava crescimento de 1,63% do PIB em 2014 e no boletim de ontem este percentual já era de apenas 0,81%. Levantamento feito pelo Valor Data mostra que, no período pós-crise de 2008, não houve uma série tão longa de revisões consecutivas para baixo nas estimativas para a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) como a observada agora, sempre considerando o ano corrente.
Em 2009, quando o PIB recuou 0,3%, foram feitas sete revisões para baixo consecutivas nesta mesma previsão. No ano passado e em 2012, foram dez cortes seguidos. No começo deste ano, a mediana das projeções dos analistas para o PIB de 2014 estava em 1,95%, mas a deterioração das expectativas e o desânimo com os indicadores do primeiro semestre, sobretudo da indústria, levaram aos cortes.
O enfraquecimento da atividade econômica, no entanto, deve ajudar o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) a encerrar o ano com elevação abaixo do teto da meta perseguida pelo Banco Central, de 6,5%, avaliam os economistas. Entre a edição passada e a atual do Focus, a mediana de expectativas para a inflação oficial de 2014 caiu pela quarta semana seguida, ao passar de 6,39% para 6,26%, movimento também influenciado pela alta do IPCA menor do que o esperado em julho, de apenas 0,01%.
Após conhecer o resultado do mês passado, o estrategista-chefe do Banco Mizuho Brasil, Luciano Rostagno, mudou de 6,31% para 6,22% sua estimativa para o avanço do IPCA em 2014. Rostagno afirma que a revisão resultou da incorporação do número de julho, que ficou bem abaixo do previsto. Embora o cenário prospectivo para o segundo semestre não tenha mudado, o economista avalia que a moderação do consumo das famílias e o desempenho negativo do lado da oferta da economia diminuem o risco de a inflação estourar o limite superior da meta no ano. "Acho que existe alguma relação com as revisões do mercado para o PIB e as feitas no IPCA", diz.
Recentemente, o Mizuho também reduziu sua projeção para o avanço anual da economia, de 1% para 0,9%. Para o estrategista-chefe do banco, o longo histórico de revisões para baixo dos analistas tem relação direta com a piora da confiança dos empresários, que, de acordo com a medição da Fundação Getulio Vargas (FGV), está no menor patamar desde abril de 2009. Mas é possível que, daqui para frente, a mediana de expectativas para o PIB se estabilize. "O cenário de pessimismo já foi incorporado, e as previsões já estão bastante baixas", disse.
"A gente tinha esperança de que o comércio fosse um pouco melhor, e que a produção industrial não fosse tão ruim quanto se mostrou", disse Leonardo França, analista da Rosenberg Associados. A consultoria começou o ano com a projeção de um PIB crescendo a uma taxa de 2% em 2014. Atualmente, no entanto, esperam alta de apenas 1,1%.
Para o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, a série prolongada e intensa de revisões nas projeções do PIB no Boletim Focus guarda relação com o fato de se ter iniciado o ano com as expectativas mais altas do que a realidade viria a apontar depois. "Demorou um pouco para que a percepção sobre a atividade se consolidasse. Havia ainda uma parte importante dos analistas que acreditava que a economia neste ano andaria forte", disse ele. "No início do ano, se esperava uma recuperação da economia americana mais forte e a mudança da trajetória da política monetária por lá, o que se mostrou mais fraco do que esperado. Aqui dentro, começaram a sair os primeiros dados, e só saíram dados ruins".
Produção industrial em retração, cadeia automobilística em queda livre e comércio em desaceleração foram alguns dos resultados que desapontaram as perspectivas no primeiro semestre. A expectativa do Fator para o PIB de 2014 hoje é de 0,8% - no começo do ano o banco projetava 1,9%.
"Desde 2013 vemos vários sinais de que a economia vai desacelerar em algum momento. Então vamos tateando e aguardando os dados concretos para ajustar aos poucos as projeções ao longo do tempo", explica o economista do Itaú Unibanco Caio Megale. "Havia a pressão da inflação mais alta, o que afeta a renda disponível, o movimento de aumento de juros do BC, o que afeta o crédito, o sinal da política fiscal de não dar mais desonerações e também o endividamento mais alto do consumidor."
Megale destaca também o papel da confiança, tanto de empresários quanto de consumidores, cujos principais indicadores despencaram ao longo do ano. "É um fator que pesa nos fundamentos da economia, e foi uma queda muito intensa", diz. "Isso é permanente? É temporário? Como caiu tão rápido, não pode também ter um pouco de exagero? É preciso acompanhar tudo com cautela."
Nenhum comentário:
Postar um comentário