• Em evento a plateia do mercado financeiro, ex-presidente avalia que presidente da Câmara 'vai ser 'impeachado'' e que não basta substituir Dilma com 'o Congresso desse jeito'
Ana Fernandes - O Estado de S. Paulo
Em sua primeira aparição pública em 2016, nesta terça-feira, 19, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se mostrou pouco confiante de que o processo de impeachment contra Dilma Rousseff consiga avançar no Congresso Nacional. "Francamente, temos visto que o impeachment encaminhado pelas mãos do presidente do Congresso (sic) (presidente da Câmara) ficou um pouco difícil, ele próprio vai ser 'impeachado'. Prejudicou um pouco esse caminho", disse o tucano em evento do banco Credit Suisse, com centenas de pessoas ligadas ao mercado financeiro, referindo-se à possibilidade de o Supremo Tribunal Federal afastar Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a pedido da Procuradoria-Geral da República.
O ex-presidente comentou também sobre os sinais de reaproximação entre Dilma e seu vice, Michel Temer (PMDB). "Acho que o vice-presidente, no cenário que está aí exposto, assumiu compromissos com uma linha mais consequente com o Brasil", completou. Temer, que chegou a mandar uma carta em tom de desabafo à presidente Dilma Rousseff, hoje está focado em se manter como presidente nacional do PMDB e aponta ver poucas chances de o impeachment evoluir no atual contexto.
FHC comentou a fala recente de Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, de que a cassação da chapa de Dilma e Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) seria um caminho preferível ao impeachment, mas ponderou que o desfecho do processo cabe ao tribunal e não aos atores políticos. Ele se mostrou ainda pouco confiante de que o processo para impedir Dilma e até mesmo a ação no TSE - apresentada pelo partido do ex-presidente, o PSDB - seja o melhor caminho para o País.
"Você anula as eleições e a regra é a mesma? Os partidos são os mesmos? Não faz uma mudança mais profunda na legislação eleitoral? Do ponto de vista nacional, era melhor aprofundar mais a crise política, porque é preciso mudar mais profundamente as regras, fazer mudanças mais profundas no Brasil. Não é pessimismo, mas isso leva anos."
O ex-presidente afirmou que não estava ali para defender Dilma, mas que tirá-la do governo não representaria necessariamente uma boa solução. "Sem querer absolvê-la, mas não basta tirá-la e colocar outro, porque a condição está aí, o Congresso desse jeito."
Recado velado. Fernando Henrique disse também que processos para afastar a presidente da República podem gerar espaço para o surgimento de "demagogos" na política nacional e deu um recado velado a tucanos que estudam deixar o partido para se alçar à candidatura presidencial em 2018 ou antes, no caso de cassação da chapa atual.
"Sempre há o risco de um demagogo. Não quero personalizar, mas tem pessoas aí que estão mudando de partido com a pretensão de ser presidente. E são capazes de falar. O problema num País como o nosso é que a capacidade de expressão conta mais que o resto, a capacidade de empenho, de ser ator. Na política contemporânea, político tem que ser um pouco ator. Tem muitos atores que usam o script necessário e depois vão fazer bobagem."
Nos bastidores de Brasília, cogita-se que o senador José Serra (SP) pode deixar o PSDB rumo ao PMDB para ser candidato à Presidência da República. Já disputam a candidatura em 2018 outros dois dirigentes tucanos: o senador Aécio Neves (MG) e o governador Geraldo Alckmin (SP). Há também o caso do senador Álvaro Dias (PR), que trocou o PSDB pelo PV com aspiração de se candidatar ao Palácio do Planalto.
Habilidade política. Apesar de fazer observações favoráveis quanto à continuidade do mandato de Dilma, Fernando Henrique não poupou críticas às falhas da petista na condução política. Ele voltou a dizer que se instalou em Brasília um "presidencialismo de cooptação" no lugar do "presidencialismo de coalizão".
Segundo o tucano, a situação já vinha desde o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, com a expansão no número de partidos no Congresso Nacional, mas piorou no governo Dilma, dada a falta de habilidade de comunicação da presidente, tanto com os parlamentares como com seu próprio partido e com a Nação.
"O Lula tinha capacidade de falar com o País, não tinha necessidade do Congresso. A presidente Dilma tem necessidade do Congresso, não tem capacidade de falar com o País e não tem maioria. É uma situação muito difícil politicamente", disse FHC. "Isso tudo foi consequência desse processo de distribuir benesses dos anos 2004 a 2010, da bonança. Chegou ao momento de escassez e não tem instrumentos políticos para envolver as questões. Como acabamos de ver, mesmo quando o governo toma a decisão de colocar um ministro como o (Joaquim) Levy, ele não fica lá, o governo não tem força, ou não tem dentro dele mesmo consenso."
Fernando Henrique repetiu também sua crítica ao que considera a falta de habilidade de Dilma de reunir lideranças de diferentes partidos e setores para tirar o País da crise. "Chegamos a um impasse que não é brincadeira. Questão econômica que está pressionando a questão política, temos uma ameaça não concretizada na questão social e temos uma crise moral, de petrolão, corrupção. E ainda temos um quinto problema complicado, que é, como tudo na vida, que precisa de liderança.
Não estamos num momento fácil de emergência de lideranças com capacidade de levar adiante as questões."
Reforma política. Como única solução para o que chamou de "presidencialismo de cooptação", Fernando Henrique sugeriu um caminho inusual para a reforma política e disse que já falou dessa possibilidade com potenciais candidatos a suceder Dilma Rousseff. FHC apontou que a Constituição tem um mecanismo chamado "delegação da lei". "Acho que é o único jeito dentro da Constituição pra você fazer alguma coisa correta", afirmou.
Segundo FHC, pelo mecanismo, o presidente eleito pede ao Congresso a delegação da lei eleitoral e, então, o Executivo prepara um texto de reforma política. "O Congresso então só pode dizer sim ou não, não pode alterar (o texto)." Para o tucano, esse seria o caminho para contornar o corporativismo conservador do Congresso.
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