quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Merval Pereira: Renan perde força

- O Globo

Denúncias tiram de Renan as condições políticas para derrotar Temer e comandar o PMDB. A tentativa aparentemente frustrada do presidente do Senado, Renan Calheiros, de se tornar presidente nacional do PMDB, ou de indicar o substituto de Michel Temer, retira-lhe o trunfo político com que pretendia defender seu mandato, acossado por vários processos.

Tudo indica que o PMDB está se acertando por dentro para manter uma unidade pelo menos formal, que lhe permita negociar com o PT em condições de igualdade. Dono das maiores bancadas da Câmara e do Senado, o PMDB dividiu-se nos últimos meses diante da hipótese de impeachment da presidente Dilma, mas agora volta a se unir em torno de Temer para não perder a força política.

Hoje, o vice se encontrará a sós com a presidente, num ambiente menos hostil de parte a parte, cada um com sua prioridade: Dilma precisa de apoio na Câmara para que o processo de impeachment não tenha prosseguimento, e Temer precisa da unidade para se manter na presidência do partido.

Renan, em mais um movimento para reforçar seu apoio a Dilma, começou uma negociação interna para derrotar Temer na convenção de março. Mas, além dos seis processos a que responde, Renan passou a ser citado em várias delações premiadas como receptador de propinas da Petrobras, da subsidiária BR Distribuidora e da Transpetro, onde um apaniguado seu, o ex-senador Sérgio Machado, reinou por 12 anos.

As condições políticas para comandar o partido esvaíram-se diante da constatação de que novas denúncias devem ser apresentadas contra ele proximamente. No momento, ao que tudo indica, o presidente do Senado está mais empenhado em se defender das acusações do que em tentar aumentar seu poder dentro do partido, que, aliás, já foi maior. Mesmo porque a maioria do PMDB prefere se afastar do PT, e não se reaproximar mais dele, como pretende Renan Calheiros.

O presidente do Senado, aliás, faz isso não por afinidades ideológicas com o petismo, mas por interesse próprio. Está convencido de que a proximidade com o governo lhe traz benefícios nos processos a que responde. Caso se convença de que não tirará vantagens concretas dessa aproximação, pode aderir ao impeachment, se o ambiente político se alterar a partir do primeiro trimestre, quando o desemprego ameaça ser desastroso.

No processo mais perigoso para Renan, ele luta para se beneficiar da prescrição da pena. O procurador-geral da República de então, Roberto Gurgel, denunciou Renan pela prática dos crimes de peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso, com base no inquérito nº 2.593 do DF, sobre o rumoroso caso de uma amante do senador que recebia pensão de uma empreiteira.

O inquérito é de 2007, quando Renan teve de renunciar à presidência do Senado para não ser cassado, mas a denúncia só foi apresentada em 2013. Gurgel alegou que a demora se deu por estar assoberbado pelo mensalão, o que não parece razoável. A demora poderá redundar na extinção da punibilidade dos crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso, devido à ocorrência da chamada “prescrição retroativa”.

À época vigiam os parágrafos primeiro e segundo do artigo 110 do Código Penal, que rezavam, respectivamente: “§ 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada”. § 2º “A prescrição, de que trata o parágrafo anterior, pode ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa”. Mesmo a lei tendo sido alterada para definir que não pode, em nenhuma hipótese, “ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou da queixa”, vale o que ela dizia à época.

As penas previstas para falsidade ideológica — tratando-se de documento público — e uso de documento falso, de natureza particular, são de 1 a 5 anos de reclusão, e, se a pena de cada um daqueles crimes não for superior a 4 anos, será o bastante para a prescrição retroativa operar. Já a pena do crime de peculato é bem mais severa: 2 a 12 anos de reclusão. Se a pena aplicada for no máximo de 4 anos, o raciocínio é o mesmo. Resta saber qual será a atitude do Supremo, cujo plenário deverá julgá-lo por ser presidente do Senado.

Na coluna de ontem, por um erro de digitação, saiu errada a expressão em inglês “too big to jail”.

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