segunda-feira, 22 de agosto de 2016

BC sozinho não será capaz de garantir câmbio competitivo – Editorial / Valor Econômico

A recente valorização da taxa de câmbio coloca em risco o bom desempenho do setor externo, um raro destaque positivo na economia que atravessa uma das piores recessões da sua história. O governo não deveria repetir o erro do passado de aceitar a apreciação cambial como um fenômeno natural, nem o de utilizá-la como atalho para baixar a inflação. Dito isso, seria igualmente equivocado exigir demais do Banco Central, dados os altos custos fiscais da política cambial e os riscos de promover uma desvalorização artificial da moeda.

O real registrou uma valorização de cerca de 22% desde janeiro, quando chegou à cotação de R$ 4,15. Exportadores e empresas expostas à concorrência externa começaram a se queixar. Para muitos, seria apenas a choradeira de quem perdeu um pedaço das ainda gordas margens de lucro. Os dados oficiais, porém, corroboram a versão de que o real já está no terreno da valorização.

Desde junho, a taxa efetiva de câmbio encontra-se mais valorizada do que na adoção do Plano Real, ponto de partida para os desequilíbrios que levaram à crise cambial de 1999. A situação vem se agravando, com o dólar recuando para o patamar de R$ 3,20.


O real excessivamente forte é uma questão que extrapola interesses de determinados grupos, como agricultura e indústria. A economia como um todo sai perdendo com a tendência de valorização cambial. Em seu Relatório de Inflação de junho, o Banco Central destacou o setor externo como o único componente da demanda agregada com desempenho positivo em 2016.

Pelos cálculos dos economistas do BC, o consumo das famílias vai encolher 4%, os investimentos terão queda de 12% e o consumo do governo recuará 0,8%. As exportações crescerão 7,5%, e as importações terão queda de 14%. A demanda doméstica resulta na queda de 6,3 pontos percentuais no Produto Interno Bruto (PIB) de 2016, que é amortecida pela alta da absorção externa, com impacto positivo de 3 pontos. Ou seja, sem o setor externo, a recessão será ainda mais profunda e a recuperação, mais incerta.

Quando assumiu o cargo, em junho, o presidente do BC, Ilan Goldfajn, parecia depositar confiança excessiva no regime de livre flutuação cambial, abstendo-se de fazer intervenções. O real, assim como moedas como o iene e o franco suíço, se tornou uma das principais vítimas do excesso de liquidez global provocado por políticas monetárias acomodatícias, sobretudo na Europa. A partir de julho, o Banco Central voltou a comprar dólares no mercado futuro.

Desde então, a autoridade monetária tem dosado com lucidez as intervenções de acordo com as condições do mercado. Há dez dias, por exemplo, intensificou as compras de dólares no mercado futuro, levando o dólar a cinco sessões seguidas de alta. Obtido o resultado, reduziu o ritmo de intervenção. Ilan também indicou, corretamente, que não descarta usar nenhum instrumento de intervenção depois que acabar o atual estoque de swaps cambiais, de US$ 45,6 bilhões.

Sua ameaça, porém, é tomada com ceticismo por participantes do mercado. Acumular mais reservas internacionais, seja no mercado à vista ou nos futuros, tem um alto custo para o Tesouro Nacional, que enfrenta uma grave crise fiscal. Dada a evidente escassez de munição, seria útil que o presidente do BC declarasse que não tem nenhuma restrição ideológica a eventualmente adotar medidas de controle de capitais, como a taxação de fluxos com o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O Fundo Monetário Internacional (FMI) já reconheceu esse instrumento como legítimo para os países emergentes lidarem com fluxos excepcionais de capitais.

Seria o caminho para o desastre, porém, o governo depositar todas as fichas apenas na atuação do Banco Central. No fim das contas, a taxa de câmbio é determinada pelos fundamentos econômicos, não pelo voluntarismo da política cambial.

De forma oportuna, Ilan destacou em entrevista à "Folha de S. Paulo", em 14 de agosto, que o governo tem um papel para garantir a competitividade externa. A política fiscal, hoje cronicamente expansionista, leva à apreciação cambial. A aprovação de reformas e os investimentos em infraestrutura são essenciais para aumentar a produtividade da economia e deixar os produtos nacionais mais baratos que seus concorrentes estrangeiros, mesmo com um câmbio nominal mais apreciado.

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