segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Ganhos enganosos – Editorial / O Globo

• É falso o argumento de que a liberação seria antídoto contra a crise econômica do país

Não faltam à agenda do Congresso temas cruciais para o Brasil. Mas a tramitação de pautas que de fato interessam à sociedade, de modo a superar anacronismos da legislação, reparar falhas estruturais no âmbito da economia ou aprovar institutos que acabem com discrepâncias político-institucionais, tem sido em geral lenta, fora do ritmo adequado às demandas do país em cada uma dessas áreas. Caso, por exemplo, da repactuação das normas trabalhistas, da revisão do autofágico sistema previdenciário e de uma reforma política na qual sobressai a necessidade de estabelecer critérios para a criação de partidos.

Reconheça-se que são temas que, por complexos, demandam muita discussão. O que, no entanto, não pode ser licença para postergações ditadas por interesses a eles estranhos — que é o que parece estar acontecendo, com prejuízos para o equilíbrio mais imediato do país. Enquanto isso, outros pontos saem com estranha presteza da mera anotação na agenda para a ponta do funil que leva ao plenário. Caso, por exemplo, da liberação da jogatina, cujos passos finais para ir à votação na Câmara dos Deputados poderão ser dados nesta semana.


Um mau passo, tanto pela suspeita dinâmica parlamentar como pelo que uma decisão como essa tem de deletéria para o país. A começar, neste segundo aspecto, pelas questões sociais (aumento da violência e da criminalidade, incentivo ao ruinoso vício do jogo, conhecidas práticas de lavagem de dinheiro sujo que estão por trás do funcionamento de roletas, caça-níqueis, bicho etc.) que transcendem o mero funcionamento de casas de apostas.

Sequer é aceitável o argumento de que a abertura de cassinos seria uma fonte de receita para o Estado, com a flexibilização dos já tíbios mecanismos legais que mal mascaram a leniência com a existência de centros ilegais de jogatina e o funcionamento de máquinas caça-níqueis, bem como a complacência com as bancas de apostas no jogo do bicho. Ainda que dinheiro proveniente de uma atividade que fere princípios éticos e sociais, incompatível com as tradições do país, seja admitido como reforço orçamentário, a tese é enganosa.

Controlada na clandestinidade por grupos criminosos, inclusive ligados a quadrilhas mafiosas internacionais, a jogatina legalizada cairia no colo do crime organizado como fenomenal máquina para impulsionar seus “negócios”. Os dutos que já abastecem contas não declaradas seriam os mesmos, aperfeiçoados, que drenariam do controle fiscal a parte do leão do faturamento dos cassinos. A ideia de que o jogo funcione como antídoto contra a crise econômica soa como música a ouvidos de prefeitos e governadores. É, entre outros, nesse ilusório argumento que o lobby da jogatina tem se batido mais fortemente, no Congresso, para legalizar os cassinos. É argumento inconsistente, que se contrapõe, por exemplo, à imperiosa necessidade de cortar gastos públicos. A velocidade que a bancada do jogo imprime à tramitação do projeto é acintosa. Dobrando-se a essas manobras, o comando da Casa torna-se cúmplice de uma ação contra os interesses nacionais.

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