Com bom trânsito entre colegas do STF, ministros protagonizam discussões sobre rumos da Lava Jato
Breno Pires, O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - A discussão acalorada entre os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso no julgamento que tratou da homologação da delação da JBS no Supremo Tribunal Federal (STF) expôs um confronto que nas últimas semanas já vinha se desenhando. Com posições antagônicas, os dois ministros têm protagonizado debates que podem influenciar os rumos da Operação Lava Jato.
Enquanto Gilmar lidera os questionamentos, com ressonância na política, ao modo de atuação do Ministério Público Federal, que estaria promovendo “abusos”, Barroso surge como contraponto em defesa dos investigadores e dos meios de obtenção de provas, como os acordos de delação premiada.
No julgamento da semana passada, transmitido ao vivo pela TV Justiça, a oposição entre os dois ficou mais clara. Enquanto Barroso sustentava que a eventual invalidação de alguma prova obtida por meio de delação não pode levar à anulação de um acordo como um todo, Gilmar mostrou entendimento contrário. A partir daí, houve troca de farpas. Barroso insinuou que o colega, no futuro, tentará anular a delação da JBS e não estaria aceitando a derrota no julgamento. Gilmar afirmou que o ministro não deixava os outros votarem e deveria respeitar os posicionamentos.
Antes dessa discussão, Barroso já havia chamado de “corajoso, imparcial e bem-feito” o trabalho do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no início da sessão de julgamento. Era o primeiro sinal de oposição a Gilmar naquela tarde.
Dos questionamentos às “alongadas prisões preventivas” e ao que considera “abusos” de autoridades da Lava Jato, Gilmar, nas últimas semanas, chegou a afirmar que há “motivos espúrios” na abertura de inquéritos e disse que “expandiu-se demais a investigação, além dos limites”. Passado o impeachment, o ministro tem defendido a estabilidade institucional, como apregoou no julgamento da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Barroso, por outro lado, aponta como essencial a firmeza no combate à impunidade e defende a depuração do Estado brasileiro. Diz que o Brasil é um “País de compadrio e de conciliações por cima”, bem como de “ricos delinquentes”. Uma das respostas nas entrelinhas que ele vem dando a Gilmar é a rejeição à ideia promovida pelo colega de que a Lava Jato está tornando o Brasil um “Estado policial”.
“Nem eu nem ninguém no Supremo deseja um Estado policial. Nós queremos um Estado democrático de Direito. Nós estamos tentando refundar o Estado brasileiro sobre este Estado feio e desonesto no qual estamos vivendo ainda hoje”, disse Barroso, em discurso em homenagem ao ex-ministro Joaquim Barbosa, a quem enalteceu pela condução da Ação Penal 470 (mensalão), que apontou como inspiração da Lava Jato.
Divergência. Gilmar e Barroso divergem sobre a atual jurisprudência do Supremo que permite a decretação da prisão após a condenação em segunda instância. Enquanto o primeiro já se manifestou a favor de revisar essa medida, Barroso afirmou que não é momento para rever o entendimento fixado pelo STF.
Conhecidos como os dois principais constitucionalistas da Corte, eles têm em comum bom trânsito entre os ministros e habilidade na costura de apoio aos seus entendimentos.
Foi proposta por Barroso a limitação à aplicação do foro privilegiado aos crimes cometidos por autoridades no cargo e em razão da função exercida. A resistência inicial de ministros como Marco Aurélio Mello foi superada no julgamento dessa questão de ordem, em que ele próprio, após conversar com Barroso, convenceu-se e foi um dos quatro ministros que votaram pela proposta de Barroso em 31 de maio.
O julgamento foi suspenso após pedido de vista de Alexandre de Moraes. A Corte caminha para aprovar o entendimento, do qual Gilmar discorda. / Colaborou Isadora Peron
O DEBATE
Gilmar Mendes, ministro do STF
"Se discute se não se tratou de uma ação controlada por parte do Ministério Público e não por parte do relator. Essa é uma questão que está posta no debate (...) Vamos dizer que se prove esse fato a posteriori...”
Luís Roberto Barroso, ministro do STF
"Eu acho que nós tiraremos a segurança jurídica do instituto da colaboração premiada se não definirmos isso e não dizermos qual é o papel do relator. Eu acho que é muito importante essa discussão.”
Gilmar Mendes, ministro do STF
“Essa é a opinião de Vossa Excelência, deixa os outros votarem. (...) E respeite os votos dos outros.”
Luís Roberto Barroso, ministro do STF
“Todo mundo sabe o caminho que isso vai tomar. Já estou me posicionando, sou contra.”
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