- O Estado de S.Paulo
De um lado, homenagens a Stroessner e Pinochet; de outro, ataques a Paulo Freire
Enquanto o presidente Jair Bolsonaro choca o mundo ao saudar os sanguinários Alfredo Stroessner e Augusto Pinochet, a tropa bolsonarista ataca a memória, o legado e a simbologia de um dos brasileiros mais prestigiados no mundo: o educador Paulo Freire.
Ditador do Chile por 16 anos, Pinochet foi responsável por muitos milhares de mortos, desaparecidos e torturados. Já Stroessner subjugou o Paraguai por 35 anos e, além de torturas e assassinatos de adversários políticos, entrou para a história como corrupto e até pedófilo.
E quem foi Paulo Freire? Um católico e humanista que dedicou toda a vida à educação como instrumento de inclusão social, igualdade e emancipação dos povos. Sua meta, ou seu sonho, era alfabetizar e tornar cidadãos milhões de adultos brasileiros que nunca tiveram acesso a escola, a saúde e a futuro.
Seu método, reconhecido no mundo todo, respeitava as peculiaridades e o hábitat dos alunos. Ele ensinava pedreiros a ler com a palavra “tijolo”. Dezenas de países lhe renderam homenagens e ainda hoje rendem, mais de vinte anos após sua morte. Para o mundo, um educador revolucionário. Para o regime militar no seu próprio país, um comunista perigoso.
Por que comunista? Porque defendia e se dedicava a métodos inovadores de alfabetização de miseráveis e desvalidos? Porque acreditava que as pessoas têm o mesmo direito de aprender, entender, pensar, manifestar, concordar, discordar, participar? Será que comunismo é isso? Será que uma pessoa que defendia um direito universal era “de esquerda”? E será que só a esquerda defende que as pessoas aprendam a ler e se tornem cidadãos e cidadãs plenos? Duvido. Muita gente que se autoclassifica de direita também defende e se esforça para isso. Assim como muita gente que se diz de esquerda não está nem aí para “pobres” perdidos nas grandes periferias e esquecidos nos rincões do País.
Quem acusa Paulo Freire por todas as mazelas da educação brasileira não conhece sua obra, nem quer conhecê-la. É o oposto! Se o Brasil tivesse enraizado e massificado o método de Paulo Freire, a educação estaria melhor e a situação da população automaticamente estaria muito melhor.
Em vez disso, este nosso país continental e tão desigual optou por oferecer educação de ótima qualidade para quem pode pagar (e pagar caro!), jogando uma geração atrás da outra de pobres e miseráveis à sua própria sorte, em escolas precárias, com professores mal pagos, métodos ineficientes. E, se os pais são analfabetos ou semianalfabetos, o futuro dos filhos já está virtualmente predefinido desde o berço.
Eleito com 57 milhões de votos, exalando inquestionável legitimidade, o presidente Jair Bolsonaro deveria fazer o contrário do que vem fazendo: rechaçar ditadores sanguinários e abjetos e reverenciar um educador que dedicou sua vida inteira ao bem, aos desvalidos. Nunca perseguiu, matou, torturou. Seu “crime”, pelo qual passou mais de uma década exilado, foi acreditar que as pessoas têm direitos iguais e potencial para evoluir e fazer a Nação evoluir.
Conselhos. O governo determinou a revisão dos cerca de 700 conselhos da administração pública federal, como passo para a extinção da maioria deles. A decisão tem um lado bom e outro preocupante.
Realmente, há décadas muitos conselhos só servem para complementar salários de altos funcionários. Ou seja, como “boquinhas”.
Mas há conselhos ambientais, indigenistas e penitenciários, entre outros, que são fundamentais para o debate, o confronto de ideias, a formação de consensos. Para desburocratizar e economizar, tudo bem. Para corte ideológico, como foi com Ilona Szabó, é uma péssima ideia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário