domingo, 15 de outubro de 2023

Dorrit Harazim - O ardil

O Globo

O terror não precisa sequer vencer o inimigo, basta humilhá-lo por meio do horror, impotência e desespero

Em tempos de precipício, alguma clareza ajuda: não pode haver espaço para relativizar a barbárie do terrorismo islâmico. Ela é absoluta e implacável. Nosso compasso humano não precisa saber se os bebês judeus foram degolados, carbonizados ou fuzilados pelos atacantes para nos situar como humanos.

De início, a matança espetaculosa desencadeada pelo Hamas contra Israel na manhã do último dia 7 não conseguiu desencadear uma guerra com mais atores. Foi, essencialmente, um atentado terrorista de crueldade máxima contra o maior número possível de judeus. Planejado e executado com ferocidade calculada pelo Hamas (acrônimo, em árabe, de Movimento de Resistência Islâmica, a entidade controladora dos 2,3 milhões de palestinos de Gaza), o ataque conseguiu o que pretendia: aterrorizar os civis, humilhar os militares e atrair as Forças Armadas do governo de Benjamin Netanyahu para o ardil de uma invasão ao enclave palestino.

Os 36 artigos da fundação do Hamas, criado em 1987, a que foram acrescidos outros 42 elaborados em 2017, deixam tudo às claras, por escrito — a necessidade de obliteração total de Israel, o estabelecimento de um Estado palestino teocrático do Mar Mediterrâneo até o Rio Jordão, a proibição de qualquer negociação, iniciativa internacional ou proposta de acordo, a purificação de crianças pela sharia, a conformidade obrigatória à lei islâmica da idealizada nação. O futuro e solução para o povo palestino seria um só, a qualquer preço: a jihad, guerra santa.

O poder do terror reside em fazer crer que é capaz do impossível. É a propaganda por meio do ato, a pedagogia por meio do assassinato — a propaganda e o produto. Não precisa sequer vencer o inimigo, basta humilhá-lo por meio do horror, impotência e desespero que gera. É comum grupos terroristas não terem pátria nem precisarem de conquistas territoriais para se sentir vitoriosos. Em 2001, os 19 jihadistas da Al-Qaeda que sequestraram quatro aviões comerciais, derrubaram as Torres Gêmeas, deixaram Nova York e Washington de joelhos e causaram a morte de mais de 3 mil civis aleatórios em pouco mais de uma hora não conquistaram 1 centímetro de terra. Não era seu propósito. Tampouco imaginaram conseguir afundar o governo de George W. Bush e a sociedade americana em duas décadas de guerras de retaliação — ambas equivocadas, invencíveis e ruinosas, ambas com gritantes violações do Direito internacional. E ambas com crimes de guerra comparáveis aos atos do terror.

Sim, também guerras têm um manual de regras. Ele vem sendo aperfeiçoado e frequentemente violado depois de cada conflito mundial. O recurso a armas químicas, o sequestro de civis, o genocídio, a execução de prisioneiros civis ou militares, ataques a populações não combatentes constituem alguns dos crimes de guerra ou contra a humanidade acordados pelas nações. Que não se aplicam a grupos terroristas, justamente por estarem fora de qualquer lei. Mas o Hamas parece ter calculado com assustadora precisão como arrastar as Forças de Defesa de Israel, as temidas e invencíveis FDI, para o pântano de uma guerra suja em vielas espremidas de Gaza. Fez mais de uma centena de reféns entre jovens, crianças, famílias inteiras, idosos civis e militares, e os entocou no enclave para usá-los como escudo humano e abominável trunfo. Ainda é difícil saber o objetivo final do Hamas para além da matança-surpresa.

É fácil, em contrapartida, imaginar a prioridade para Israel: a erradicação, a qualquer custo, da capacidade tentacular do grupo extremista. Primeiro foi cortado o suprimento de água, luz, comida e possibilidade de vida à população de Gaza, sublinhada por dias e noites de bombardeios ferozes. Na sexta-feira, o ultimato para que 1,1 milhão de palestinos do Norte abandonassem tudo e fugissem para o Sul prenunciava o pior. O resgate dos reféns, a possibilidade de um corredor humanitário, o destino de estrangeiros sem porta de escape daquela terra condenada — era tudo incerteza. Cinquenta anos atrás, uma colossal ofensiva militar da Síria e do Egito também pegou Israel de surpresa. Foram 19 dias de combates ferozes que transformaram a cena política do país e da região. Golda Meir, chefe do governo trabalhista que erguera Israel das cinzas do Holocausto, renunciou ao cargo por não ter prevenido o duplo assalto. Deixou aos inimigos uma das frases mais profundas e amargas da História:

— Eu não os odeio por terem matado nossas crianças. Eu os odeio por terem me levado a matar as vossas crianças.

A causa palestina de um Estado independente, laico e de convívio com Israel precisa ser possível, precisa ser viável. Não é mais possível desviar o olhar do que está à nossa frente: um povo em busca de existência.

 

2 comentários:

EdsonLuiz disse...

■O Hamas e o Hezbollah são grupos terroristas!
■Israel é um Estado abusador em relação aos palestinos!

■Os palestinos, desde 1967 e até antes de 1967, são vítimas dos dois:: são vítimas dos grupos terroristas árabes e são vítimas dos abusos do Estado de Israel.

■O Hamas e o Hezbollah são grupos terroristas, são absolutamente desprezíveis e ao Hamas e ao Hezbollah não cabe nenhuma relativização.

■Igualmente o controle do Estado de Israel faz décadas está entregue a forças políticas absolutamente desprezíveis, que quando não estão diretamente à frente do executivo e das forças armadas israelenses controlam o poder daquele país de dentro do parlamento.
=》É assim que, da partilha original do território feita em 1947, que de início já foi favorável aos israelenses e desfavorável aos palestinos, o problema foi agravado por o Estado de Israel ter permanentemente promovido ocupação de territórios do vizinho, impondo aos palestinos perdas e humilhação diária.

●Às atrocidades cometidas pelos grupos terroristas árabes, que chegam a usar civis israelenses e palestinos como escudos e a degolar crianças, se soma a esta tragédia os abusos do Estado de Israel contra os palestinos.

Os palestinos são vítimas dos dois::
▪Vítimas dos Terroristas Árabes ;
▪E vítimas do Estado de Israel.

■Me assusta em todo o mundo, e meu susto não é menor aqui no Brasil, que jornalistas e cientistas políticos geralmente lúcidos assumam um viés pró-Israel e desqualifiquem os que fazem apelo para que sejam denunciados todos os abusos e não só os abusos de um dos lados. Todos os abusos têm que ser denunciados sem relativização, sejam os abusos dos grupos terroristas árabes, sejam os abusos do Estado de Israel.

■Mas, não!

▪Jornalistas e cientistas políticos que em geral têm posições arejadas e lúcidas sobre questões diversas, quando esbarram na questão Israel-Palestina assumem erradamente um viés e relativizam os abusos de Israel, ao mesmo tempo em que condenam corretamente os que relativizam os terroristas árabes.

■Estes lúcidos jornalistas e cientistas políticos, nas questões que envolvem a polarização no Brasil, têm postura correta e denunciam os dois grupos populistas corruptos, suas ligações com ditadores e com terroristas de ultra-esquerda e de ultra-direita, suas políticas fisiológicas, a captura do Estado que os dois populismos fazem, o populismo corrupto de Lula e o populismo corrupto de Bolsonaro. Mas quando o problema que eles tratam é a questão entre Israel e Palestina, a isenção some e eles assumem um viés que em geram é pró-Israel.

ADEMAR AMANCIO disse...

Verdade,ninguém é obrigado a matar crianças,Hamas mata porque é um grupo terrorista e Israel mata porque quer,simples assim.