quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Malu Gaspar - Procurando Lula

O Globo

Nesta reta final das eleições municipais, com disputas indefinidas e emboladas em capitais cruciais como São PauloBelo Horizonte e Fortaleza, não foram poucos os candidatos de partidos de esquerda que batalharam por um vídeo, fala de apoio ou pela presença de Lula num evento de campanha. O presidente da República, porém, frustrou quase todo mundo.

Nas últimas duas semanas, emendou uma viagem internacional atrás da outra e passou mais tempo entre Estados Unidos e México do que no Brasil. Também não deu nenhuma declaração sobre as eleições e foi obrigado a cancelar a live que faria com Guilherme Boulos (PSOL) na noite de ontem por causa da emergência com o avião que o trazia do México.

O resultado é que a única participação de Lula neste sprint final da campanha antes do primeiro turno será um ato com Boulos na Avenida Paulista, no sábado.

Enquanto isso, Jair Bolsonaro tem viajado pelo país num roteiro frenético que chega a contemplar três cidades num único dia, subindo em palanques, gravando vídeos e fazendo lives. Claro que a rotina de Lula tem muito menos espaço que a do antecessor para esse tipo de evento, uma vez que o primeiro tem de governar e o outro não tem outra missão no momento além de pedir voto.

Mas foi o próprio presidente da República quem alimentou a expectativa de que essa fosse uma eleição plebiscitária, ao colocá-la sob a perspectiva de uma batalha ideológica entre os “negacionistas” e o campo democrático comprometido com “melhorar a vida do povo”.

Em nome desse objetivo, Lula forçou o PT a abrir mão de sua conhecida predileção por candidaturas próprias em locais onde aliados de outros partidos tinham mais chances de ganhar as eleições, como São Paulo, Rio de JaneiroRecife e Salvador.

Em junho e julho, atendeu aos pedidos de sua base e visitou oito capitais, além de várias cidades estratégicas, fazendo inaugurações, dando entrevistas a rádios locais e animando atos de governo para os quais convocou os candidatos que apoiava. Em agosto, ainda fez sessões de fotos para santinhos e gravou vídeos de apoio.

Quando a disputa começou a esquentar, porém, Lula deixou a campanha de lado e se concentrou no governo. Oficialmente, ninguém dirá que foi essa a razão do recuo, mas ele coincidiu com o momento em que a força da direita nas principais capitais foi ficando mais evidente.

Segundo um levantamento da Folha de S.Paulo, os candidatos de Bolsonaro estão na liderança das pesquisas em 23 das 103 cidades brasileiras com mais de 200 mil eleitores, enquanto os de Lula estão na frente em 16.

Bolsonaristas estão na frente em capitais que elegeram Lula em 2022, como Porto AlegreAracaju, Salvador ou Fortaleza. Em São Paulo, as pesquisas mostram que Boulos só conseguiu até agora atrair metade dos eleitores do presidente, que ganhou naquele mesmo ano na cidade com 53,5% dos votos. E isso mesmo fazendo uma campanha rica, para a qual o PT contribuiu com R$ 30 milhões.

A esta altura, já está mais ou menos evidente que a direita sairá forte das urnas — e que, apesar das brigas internas e da ameaça representada por Pablo Marçal, o bolsonarismo segue potente. Não se pode dizer o mesmo sobre o lulismo. Isso deveria funcionar como um sinal de alerta para o PT e para o presidente da República.

A História mostra que os resultados das eleições municipais nem sempre revelam o que acontecerá nas presidenciais dois anos depois. Em 2020, o PT perdeu quase cem prefeituras e não conquistou o comando de nenhuma capital pela primeira vez desde a redemocratização, mas ganhou a Presidência em 2022.

Ainda assim, é sintomático dos desafios de Lula que seus aliados com mais chance de vencer neste ano não sejam petistas e que muitos sejam mais de centro do que propriamente de esquerda.

Ainda que aos trancos e barrancos e a reboque da inelegibilidade de Bolsonaro, a direita tem experimentado o surgimento de novas lideranças, como Tarcísio de Freitas (Republicanos), Michelle Bolsonaro (PL) e até Pablo Marçal.

Em contraste, a esquerda patina, em parte acomodada pela expectativa de uma candidatura de Lula à reeleição em 2026. Num ambiente político tão polarizado como o de hoje, o afastamento do presidente da campanha eleitoral pode fazer a diferença em cidades importantes. E não será suficiente para poupá-lo do ônus de uma eventual derrota da esquerda.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom! A situação não está boa pro Lula, e mesmo que ele participasse mais das campanhas municipais (ao menos nos grandes municípios), acho que não faria muita diferença.