quinta-feira, 3 de outubro de 2024

O que a mídia pensa / Editoriais / Opiniões

Melhor nota de risco não é motivo para complacência

O Globo

Agência Moody’s colocou Brasil a um passo do grau de investimento, mas incerteza fiscal persiste

Não surpreende a comemoração do governo com a decisão da agência de classificação de risco Moody’s de elevar a nota do risco soberano do Brasil para o nível imediatamente abaixo ao de bom pagador, ou grau de investimento. Há apenas cinco meses, a agência alterara a perspectiva brasileira para positiva, mas não era esperado novo anúncio tão cedo. Há motivo para celebração, mas também para cautela, devido à incerteza fiscal.

Na explicação para a decisão, a Moody’s destaca o desempenho acima das expectativas. Pelos seus cálculos, o PIB crescerá 2,5% neste ano. Alicerçado nas reformas dos últimos anos, o patamar deverá continuar alto, diz a agência. É fato que as mudanças nas leis trabalhistas no governo Michel Temer melhoraram o ambiente de negócios. A independência do Banco Central na gestão Jair Bolsonaro pavimentou o caminho para uma política monetária confiável. E a nova arquitetura tributária, proposta no atual mandato de Luiz Inácio Lula da Silva e em via de ser regulamentada no Congresso, deverá elevar o potencial de crescimento da economia. Mas não foi só isso.

Na decisão, pesou a favor do Brasil a comparação internacional. “Há muitos países no mundo que enfrentam desafios fiscais, não só o Brasil”, disse ao GLOBO Samar Maziad, vice-presidente da Moody’s para risco soberano. A agência reconheceu que a credibilidade do novo arcabouço fiscal é moderada, “conforme refletido em um custo relativamente alto da dívida”. Para o Brasil chegar ao grau de investimento, precisa pôr em marcha um programa consistente de redução nos gastos obrigatórios, que contenha a trajetória ascendente da dívida pública. É algo, no mínimo, improvável no atual governo.

A análise benevolente da Moody’s contrasta com a da maioria dos economistas brasileiros. A fotografia da economia no presente pode parecer boa, mas o filme que se descortina no futuro não é promissor. E não promete final feliz. O crescimento acima da expectativa resulta em boa parte da incúria fiscal, uma receita insustentável.

O Congresso aprovou no ano passado novas regras fiscais. Pela meta oficial, o objetivo é zerar o déficit em 2024. Já no primeiro ano, o Executivo decidiu usar a possibilidade prevista de ficar no vermelho, sem apresentar justificativa plausível. A dívida como proporção do PIB cresceu em 2023 e deverá aumentar em todos os anos do terceiro mandato de Lula. A reversão da trajetória de alta é sempre empurrada para a frente.

Para corroer ainda mais a credibilidade do arcabouço, o governo tem retirado despesas do cálculo da meta. O dinheiro sai dos cofres públicos, mas não entra na conta oficial. Tais gastos, conhecidos como “parafiscais”, vêm crescendo de bilhão em bilhão e, para avaliar o rombo, os analistas são obrigados a olhar as estatísticas oficiais e estimar o que foi excluído delas artificialmente.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem defendido a contenção de despesas em todos os níveis. Ele tem razão. O maior erro do governo seria achar que a nota da Moody’s representa um salvo-conduto para gastar mais. As agências de risco já se enganaram com governos do PT. Entre 2008 e 2009, as três maiores concederam grau de investimento ao Brasil. Anos depois, a política expansionista de Dilma Rousseff fez as notas retroceder. É fato que agora o Brasil está a um passo do grau de investimento. Mas, sem controlar gastos, será um passo maior que as pernas do atual governo.

Persistência dos lixões passa ao largo da campanha municipal

O Globo

Por lei, eles já deveriam ter sido extintos, mas ainda há 3 mil. Prefeitos e vereadores são os responsáveis

Em seu segundo mandato, em 2010, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Política Nacional de Resíduos Sólidos, concedendo prazo até 2014 para a eliminação dos lixões no país e sua substituição por aterros sanitários. O prazo foi prorrogado por uma década, até agosto deste ano. Passados 14 anos, ainda há cerca de 3 mil lixões, distribuídos por 1.593 cidades brasileiras, ou 28% do total de municípios, segundo o Sistema Nacional de Informações de Saneamento (Snis). A política fracassou. Embora seja responsabilidade de prefeitos e vereadores dar o devido destino ao lixo produzido pela sociedade, o assunto tem passado ao largo da agenda eleitoral.

Pode ser que candidatos não deem importância ao acúmulo desordenado de dejetos na periferia das cidades, por ele ocorrer longe dos olhos da maioria dos eleitores. Cometem um erro. O biogás emitido do pelos lixões contém metano, gás que pode ter efeito 86 vezes maior que o carbônico (CO₂) no aquecimento da atmosfera. Além disso, deles escorre o chorume, líquido vertido pelas montanhas de lixo que contamina o solo e os lençóis freáticos.

Devido ao descaso, 40% de todos os resíduos que a população brasileira produz têm destinação irregular, como revelou reportagem do GLOBO. Quase 25% dos lares não contam com serviço de coleta, um incentivo à queima ou ao descarte irresponsável. O índice médio de reciclagem deveria ser de 14% no Brasil, mas não ultrapassa 3,5%. Uma longa cadeia de falhas e omissões explica por que as cidades brasileiras ainda enfrentam problemas resolvidos há mais de século em países desenvolvidos.

Não basta descartar o lixo, é preciso descartá-lo em aterros sanitários construídos e administrados tecnicamente. Um incêndio que, em agosto e setembro, atingiu seis municípios na região do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO), destino turístico declarado Patrimônio Mundial Natural pela Unesco, começou num lixão na zona de proteção ambiental de Pouso Alto, em Alto Paraíso de Goiás. O caso mostra como o turismo também é afetado pelo descumprimento dos prazos e normas da Política Nacional de Resíduos Sólidos. A situação se repete no Pantanal Mato-Grossense, nos Lençóis Maranhenses e em praias da Bahia. Além da saúde pública, a omissão das prefeituras prejudica negócios que geram renda e empregos.

Os lixões do país injetaram na atmosfera em 2022 o equivalente a 15,6 milhões de toneladas de CO₂, de acordo com o Sistema de Estimativa de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa, do Observatório do Clima. Em 2007, quando essas emissões chegaram ao pico, eram 19,2 milhões de toneladas. Nos últimos anos, apesar de ter crescido a adoção de aterros sanitários, a redução nos gases emitidos pelos lixões ficou muito aquém do necessário. Esse será um dos principais problemas urbanos diante dos prefeitos e vereadores eleitos neste mês. A lei precisa ser respeitada: os lixões têm de acabar — e logo.

Melhora do risco é estímulo para governo controlar gastos

Valor Econômico

O prêmio, inclusive eleitoral, de reconquistar o grau de investimento pode reforçar posições de austeridade da Fazenda no governo

A empresa de avaliação de riscos Moody's surpreendeu ao elevar a nota de crédito do Brasil a um nível imediatamente abaixo do grau de investimento, estágio em que o risco de calote da dívida é muito baixo. A Moody’s partiu de premissas que não são aceitas por boa parte dos analistas domésticos. O binômio crescimento-reformas deslocou a balança a favor do Brasil para a agência, apesar de fragilidades fiscais apontadas por ela. Há ênfase no denominador da relação dívida-PIB, com a expansão econômica acima da esperada por três anos consecutivos, inédita desde 2014. As reformas tiveram papel relevante no crescimento. A Moody’s foi condescendente com o aumento do endividamento, mas deixou claro que sem domá-lo será difícil para o Brasil reconquistar o grau de investimento, perdido em 2015.

A Moody’s, em consequência de sua visão de que as reformas elevaram a capacidade de crescimento do país, vislumbra uma expansão igual ou maior nos próximos anos, perspectiva bem distante da de “voo da galinha” que os investidores domésticos temem. Com a expansão se espalhando pela indústria e pelos serviços, apoiada pelo aumento de investimentos, o PIB pode ter um desempenho acima do esperado nos próximos anos. Essa performance, para a empresa, reflete “em parte fatores cíclicos e o impacto das reformas estruturais” e deve se prolongar nos próximos anos.

Entre os fatores da performance brasileira, a Moody’s, estranhamente, não atribui qualquer papel à política fiscal expansionista do governo Lula, que sequer é mencionada na avaliação. Há reparos ao aumento de gastos e seus efeitos sobre a elevação do endividamento, que se estabilizará em nível mais alto, 82% do PIB, mas a Moody’s não estabelece qualquer ligação entre o avanço das despesas e as surpresas do PIB, que são evidentes e fazem parte dos discursos do presidente Lula.

A política fiscal e o orçamento para 2025 “continuam consistentes com as metas fiscais”, diz o relatório da agência. A Moody’s não considerou relevante que o governo tenha mudado as metas antes de seu primeiro ano de vigência, adiando o primeiro superávit primário para 2026, último ano do atual mandato de Lula, e mirando em 2024 o piso de -0,25% do PIB (R$ 28,8 bilhões) e não a zeragem do déficit.

A mecânica dos gastos, mesmo vista isoladamente dos efeitos amplos que eles têm na economia, apresenta problemas. As medidas para cortar despesas são “incipientes”, segundo a agência. Os riscos de não atingir as metas são “persistentes” dadas a rigidez estrutural das despesas e a elevação dos dispêndios obrigatórios (previdência social, programas assistenciais, saúde e educação). Essas “limitações” tiram credibilidade da política fiscal, dificultam a consecução das metas e contribuem para o alto prêmio de risco que o governo paga pelos títulos que emite para rolar sua dívida.

Apesar disso, a Moody’s acredita que em um ambiente de forte crescimento, no qual o governo busca ampliar suas receitas, os resultados fiscais primários “melhorarão gradualmente, em linha com as metas do governo nos próximos 2-3 anos”. O aumento contínuo dos gastos obrigatórios, porém, impedirá consolidação fiscal mais rápida, e o déficit total (inclui gastos financeiros) continuará elevado em função das altas taxas de juros. Os pagamentos de juros consumirão 15% das receitas, e, ainda assim, segundo a Moody’s, “a probabilidade de que as métricas do endividamento se estabilizem melhorou”.

A avaliação da Moody’s se parece com a dos investidores nacionais quando o novo regime fiscal foi anunciado, ou seja, quando existia a esperança de que, ainda que o sistema não fosse o ideal, evitaria a explosão do déficit e reduziria a velocidade de crescimento da dívida. O governo Bolsonaro legou a Lula dívida bruta de 73,5% do PIB, que em agosto passado avançou a 78,5% do PIB, um salto de 5 pontos percentuais do PIB em menos de dois anos. A relação deve chegar a 81,6% (projeção oficial), no fim do mandato, ou mais 8 pontos do PIB, muito alto sob qualquer perspectiva.

A chance de atingir o grau de investimento, segundo a Moody’s, dependerá da habilidade de o governo atenuar a rigidez dos gastos e lançar mão de medidas fiscais estruturais que contenham as despesas obrigatórias em “bases sustentáveis”. A perspectiva deixará de ser “positiva” para retroceder a “estável” se o compromisso de consolidação fiscal enfraquecer, levando a uma “provável deterioração ou falta de progresso no balanço fiscal”. Ou seja, será preciso que o governo coloque rédea firme nos gastos.

Com o governo sob pesadas críticas pela flacidez fiscal, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, viu que a distância palpável do grau de investimento pode ser um estímulo mais eficiente que as críticas para que se leve a sério o regime fiscal. Em um recado claro, Haddad disse que se “o governo como um todo” - o que inclui Lula e sua ala de ministros gastadores - não “baixar a guarda” em relação às contas públicas, até o fim do mandato pode reconquistar a nota almejada. O prêmio, inclusive eleitoral, de reconquistar o grau de investimento pode reforçar posições de austeridade da Fazenda no governo. Sem controlar os gastos, o governo só colherá mais inflação e juros altos.

Guerra regional já é realidade no Oriente Médio

Folha de S. Paulo

Ataque do Irã a Israel, que enfrenta o Hezbollah, abre caixa de Pandora; escalada de embates será paga por todo o mundo

Desde que o grupo palestino Hamas lançou seu ataque terrorista contra Israel há 362 dias, a serem completados nesta quinta (3), o mundo se perguntava quando a caixa de Pandora aberta na região iria espalhar seus sortilégios para o restante do Oriente Médio.

Os elementos de uma conflagração regional já estavam dados: o Hamas integrava o eixo de atores locais bancados pelo Irã, teocracia cujo esteio é o antiamericanismo e a pregação da extinção do Estado judeu.

Os sinais ficaram mais claros ao longo dos meses, enquanto a violenta operação militar de Israel na Faixa de Gaza roubava milhares de vidas palestinas e fazia evaporar o apoio a Tel Aviv.

Já no dia seguinte ao assalto da horda bárbara, o libanês Hezbollah passou a incrementar o atrito transfronteiriço com Israel. Nada de novo sob o céu da Galileia: eles se enfrentam há anos, e a última guerra aberta havia sido em 2006.

Mais adiante, surgiram os houthis do Iêmen, uma facção tribal que vivia o respiro de um cessar-fogo na guerra civil em que lutam apoiados por Teerã.

Com um arsenal diverso de mísseis e drones, passaram a alvejar Israel e, mais importante, fizeram disparar os fretes marítimos devido à sua campanha contra a navegação no mar Vermelho. A eles se somaram grupos xiitas do Iraque e da Síria.

Políticos israelenses alegam, não sem razão, que a guerra regional já estava contratada. O que faltava era o embate direto com o Irã, algo ensaiado no ataque inédito de abril com mísseis e drones contra Tel Aviv.

Ainda assim, todos recuaram naquele momento, que ficou para trás. Há duas semanas, porém, o governo de Binyamin Netanyahu parece ter assumido a missão temerária de fazer um acerto de contas com seus adversários.

Começou a castigar duramente o Hezbollah, matando boa parte de sua cadeia de comando, a começar pelo líder, Hassan Nasrallah. Na segunda (30), iniciou as primeiras ações terrestres no sul do Líbano em 18 anos.

Isso colocou o Irã contra a parede. Já sem reagir à vexaminosa execução do líder do Hamas enquanto convidado do novo presidente do país, em julho, agora os aiatolás viam seu principal preposto sofrer quase sozinho.

Esse cálculo orientou o ataque da terça-feira (1º) contra Israel, que contou 181 mísseis balísticos caindo sobre objetivos militares. Foi menor numericamente do que a ação de abril, porém mais potente, por usar modelos de complexa interceptação.

Esta foi bem-sucedida, com ajuda dos americanos no mar Vermelho e dos jordanianos. É um sinal de alianças que podem estar à frente, pois a ideia de uma guerra limitada já é ociosa.

Caberá à reação israelense dar a medida dos capítulos a seguir. Isso diz respeito a todos, aí incluído o mercado global de petróleo. Se o Golfo Pérsico for incendiado por conflitos, a escalada lenta e certa mostrará uma conta para todo o mundo pagar.

Liberdade para cuidar da própria saúde

Folha de S. Paulo

STF acerta ao permitir recusa a tratamento por motivo religioso; princípio deveria pautar leis sobre drogas e eutanásia

A correta decisão do Supremo Tribunal Federal que autoriza pacientes a recusarem tratamento médico por motivos religiosos —como se dá com fiéis da religião Testemunhas de Jeová que se opõem à transfusão de sangue— constitui um raro avanço recente em direitos individuais no Brasil.

Conforme o entendimento unânime dos magistrados, o tratamento pode ser rejeitado somente em caso de adultos cognitivamente capazes e informados sobre os riscos envolvidos. A medida é oriunda do julgamento de dois recursos extraordinários com repercussão geral.

Num deles, a Santa Casa de Maceió negou uma cirurgia porque a paciente não quis assinar o termo de consentimento para transfusão de sangue, caso houvesse necessidade. No outro, a União recorreu de decisão que a obrigou a custear cirurgia fora do estado de domicílio do paciente porque, no de origem, não era ofertado procedimento sem transfusão.

O Supremo definiu que o Estado deve arcar com tratamentos alternativos disponíveis no sistema público de saúde, desde que respaldados pela ciência e com anuência da equipe médica, mesmo que seja preciso transferir o paciente para outro local.

Outro aspecto fundamental é a proteção dos menores de idade, que não são alcançados pela liberalidade do Supremo.

Num exemplo, a Justiça da Bahia autorizou em maio a transfusão de sangue em um bebê recém-nascido. O promotor argumentou, de modo sensato, que o direito à vida se sobrepõe à liberdade religiosa quando se trata de crianças —e que nem mesmo é possível saber se o filho seguirá a religião quando for adulto.

Apesar de a medida do Supremo estar correta em seu mérito, ainda existem questões práticas a serem contempladas, como casos de pessoas inconscientes em situações de emergência.

Países diversos permitem a objeção, por motivos religiosos ou de consciência, a tratamentos de saúde, com a ressalva para os mais jovens. Outra exceção importante diz respeito a situações em que a decisão acarreta riscos a terceiros e à coletividade, como em doenças contagiosas e em campanhas de vacinação.

O mesmo princípio liberal de defesa da autonomia do indivíduo sobre seu corpo, observado na decisão do Supremo Tribunal Federal, deveria pautar leis sobre drogas leves e eutanásia, como defende esta Folha —sempre, é claro, com regulação rigorosa e ampla informação.

O Estado extrapola seu papel quando se arvora a tutelar ações da esfera estritamente individual.

A perigosa escalada no Oriente Médio

O Estado de S. Paulo

Irã e Israel vinham administrando hostilidades para impedir que chegassem a um ponto de não retorno, mas isso parece ter mudado. E nada garante que uma eventual guerra seja limitada

Depois que os grupos terroristas que o Irã financia para fustigar Israel sofreram severos reveses nos últimos dias, em ações muitas vezes espetaculares protagonizadas pelas forças militares e de inteligência israelenses, o regime dos aiatolás decidiu que precisava retaliar, lançando mais de 200 mísseis balísticos contra Israel. Ainda que os danos tenham sido limitados, trata-se de uma escalada perigosíssima para a região, na qual muitas vezes os cálculos se provam dolorosamente equivocados.

Ao liquidar em questão de dias praticamente todo o alto comando da milícia xiita libanesa Hezbollah, incluindo seu líder máximo, Hassan Nasrallah, Israel pretendia demonstrar, ao Irã e a quem mais interessar possa, que restabeleceu sua capacidade dissuasória, profundamente abalada depois do brutal ataque terrorista do Hamas de 7 de outubro do ano passado.

Essa demonstração já vinha sendo dada numa potente escalada israelense há alguns meses, começando com o bombardeio a um anexo da Embaixada do Irã em Damasco, em abril, matando vários integrantes da Guarda Revolucionária Iraniana, seguindo com o assassinato, em julho, de um dos principais líderes terroristas do Hamas, que estava em Teerã como convidado de honra para a posse do novo governo, e culminando agora com a eliminação de Nasrallah – espalhando a tal ponto o pânico entre os aiatolás que seu líder supremo, Ali Khamenei, teve que se proteger num bunker, pois temia pela sua vida.

Foram seguidos golpes humilhantes para Teerã, que até agora aparentemente vinha hesitando sobre como reagir, decerto calculando que uma resposta descalibrada poderia resultar não só num devastador contra-ataque israelense, como também no envolvimento direto dos Estados Unidos, o que arruinaria a já cambaleante economia iraniana e minaria ainda mais um regime já bastante impopular.

Mas tudo indica que a linha dura dos aiatolás esteja prevalecendo, diante da necessidade de defender seus associados Hezbollah, Hamas e a milícia houthi no Iêmen, também retaliada por Israel. Se não reagisse com força, o Irã daria ao mundo e, sobretudo, a seus parceiros um perigoso sinal de fragilidade. O problema é que, ao fazê-lo, deixa de travar uma confortável guerra por procuração e passa a se envolver num conflito direto com Israel. A partir deste ponto, tudo fica absolutamente imprevisível.

Do lado israelense, a equação obviamente inclui a sobrevida política do premiê Benjamin Netanyahu, mas há muito mais em jogo. Não se pode descartar que o establishment israelense (que inclui a oposição) tenha concluído que a oportunidade de minar a capacidade do regime iraniano de obter armas atômicas está à mão. Também é possível imaginar que o governo israelense esteja tentado a impor derrotas definitivas a seus inimigos nas fronteiras, em vez de simplesmente administrar as ameaças, como vinha fazendo até o 7 de Outubro.

O problema é definir o que vem a ser “vitória” nesse cenário. Se a “vitória” significar a reocupação de Gaza e do sul do Líbano, além da anexação da Cisjordânia, como sonha a linha dura israelense, então o que Israel terá não é paz, mas guerra permanente.

O problema é que o 7 de Outubro parece de fato ter alterado o cálculo, não só de Israel mas de outras forças na região, segundo o qual é melhor evitar do que deflagrar uma guerra. Irã e Israel vinham até aqui gerenciando as hostilidades para impedir que chegassem a um ponto de não retorno, mas isso aparentemente mudou. E nada garante que uma eventual guerra entre Israel e Irã seja limitada, pois não se pode menosprezar o ódio acumulado por décadas – e também não se pode descartar o envolvimento de terceiros, como Estados Unidos e Rússia.

A Israel sobram razões para reagir às provocações do Irã e de seus associados, sobretudo depois do horror do 7 de Outubro e dos subsequentes ataques do Hezbollah no norte do país, que forçaram a retirada de dezenas de milhares de israelenses da região. A questão é que guerras sem objetivos realistas de longo prazo, como parece ser o caso desta, costumam resultar em derrota. Se Israel imagina que terá segurança apenas por meio da força, inviabilizando de vez um Estado palestino e recusando-se a trocar terras por paz, está enganado.

Os camelôs do Orçamento

O Estado de S. Paulo

Orçamento secreto segue firme e forte. Emendas viraram artigo de compra e venda. Ao STF não cabe conciliar nada entre Poderes. Sem transparência, não há emendas. É simples assim

A Polícia Federal (PF) tem se desdobrado em inquéritos que apuram a malversação de recursos públicos por meio de emendas parlamentares obscuras. Soube-se agora que até um agiota estaria associado a um deputado federal, João Maranhãozinho (PL-MA), no comércio, pasme o leitor, de indicações de emendas ao Orçamento da União.

Em que pese a faina do Supremo Tribunal Federal (STF) para fazer valer a Constituição e acabar com essa indecência, o orçamento secreto, hoje, segue tão vivo como sempre esteve desde que foi engendrado por um punhado de lideranças do Congresso e o então presidente Jair Bolsonaro. E, desde que este jornal revelou esse espantoso esquema, em maio de 2021, sabia-se que a desvirtuação das emendas parlamentares se prestava a três finalidades, basicamente.

A primeira é o enriquecimento ilícito, puro e simples, de parlamentares, prefeitos e cupinchas Brasil afora por meio da apropriação criminosa de recursos do Orçamento da União que, em tese, deveriam ser destinados aos municípios para financiar políticas públicas aptas a melhorar a vida das populações locais.

A segunda finalidade é transformar emendas parlamentares em uma espécie de fundo eleitoral paralelo, como forma de manter no poder indivíduos ou grupos políticos abastecidos com mais recursos públicos para obras e ações marqueteiras do que seus adversários diretos. Ou seja, um ataque à democracia representativa.

Por último, o orçamento secreto tem servido nesses últimos anos para “empoderar” o Congresso, como se diz, em negociações, não necessariamente republicanas, com a Presidência da República – seja quem for o chefe de Estado e de governo. Como verdadeiros achacadores, congressistas indignos do mandato usam sua prerrogativa de emendar o Orçamento da União – a priori, legítima em um regime presidencialista multipartidário como o nosso – para impor seus interesses particulares na formulação da agenda nacional, no melhor cenário, e ocupar cargos da administração federal com propósitos inconfessáveis, no pior. E tudo isso em troca da formação de uma suposta base de apoio ao governo federal no Congresso.

A novidade, por assim dizer, é o comércio de indicações de emendas. Mas nada mudou na essência. O que tem mudado são os mecanismos técnicos por meio dos quais o Congresso tem mantido o seu poder de determinar o destino de um quinhão cada vez mais robusto do Orçamento da União sem transparência alguma e sem nenhuma coordenação entre políticas públicas federais, estaduais e municipais genuinamente transformadoras.

Para estarrecimento de praticamente ninguém, como outrora o esquema dos “Anões do Orçamento” fez o Brasil parar, o orçamento secreto permanece como o óleo que mantém as engrenagens do Congresso funcionando, a ponto de haver parlamentares que tratam abertamente o esquema como se fosse um “direito adquirido”. E, agora, do Maranhão vem essa notícia de que a indicação de emendas se tornou objeto de compra e venda.

O governo federal, por meio da Secretaria de Relações Institucionais, diz desconhecer qualquer ilegalidade na disposição das emendas. Um tom muito diferente do adotado por Lula da Silva durante a campanha eleitoral de 2022, quando o petista prometeu acabar com “a fonte do maior esquema de corrupção da história deste país”.

No STF, por sua vez, o ministro Flávio Dino, que assumiu a relatoria das ações que tratam do orçamento secreto após a aposentadoria da ministra Rosa Weber, marcou mais uma audiência de “conciliação” entre o governo e o Congresso para o próximo dia 10. Dino está certíssimo quando diz que é “absolutamente incompatível” com a Constituição o fato de a decisão da Corte de 2022, que julgou inconstitucional o orçamento secreto, como era óbvio, ainda não ter sido “adequadamente executada”, vale dizer, no sentido de dar transparência às emendas. Mas o ministro erra ao esperar que um dia assim será enquanto persistir nessa busca por “conciliação”.

Ora, não há o que conciliar. As emendas devem ser transparentes. E até que a sociedade tenha essa garantia, devem seguir suspensas.

Inusitada boa vontade

O Estado de S. Paulo

Decisão da Moody’s de elevar rating do Brasil é generosa ante cenário fiscal difícil

Em um movimento que surpreendeu o mercado, a agência de classificação de risco Moody’s elevou o rating do Brasil de Ba2 para Ba1, e manteve perspectiva positiva para a nota. Pela escala da Moody’s, o Brasil está a um passo do grau de investimento, classificação que permite que mais investidores comprem ativos do País – nas rivais Fitch e S&P, a nota está dois níveis abaixo do grau de investimento e tem perspectiva estável. Trata-se certamente de uma boa notícia, que, contudo, fala mais do que o País deve fazer do que do que vem fazendo.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, parece saber disso. Ao comentar a decisão da Moody’s, Haddad disse esperar que o governo “como um todo” compreenda que “vale a pena esse esforço”, referindo-se à reorganização das contas públicas, “sem baixar a guarda em relação às despesas, em relação às receitas”. Assim, disse o ministro, “temos a chance de completar o mandato do presidente Lula obtendo novamente o grau de investimento”.

O wishful thinking sobre a conquista do grau de investimento ainda neste mandato de Lula da Silva é até aceitável como discurso político do ministro da Fazenda, mas o interessante aqui é notar que, a despeito da boa notícia, o próprio Haddad parece mais empenhado em dizer a seus parceiros de governo – e ao próprio Lula – que a melhora na nota de crédito do Brasil não virá se a gastança continuar.

A Moody’s, sob qualquer ponto de vista, foi generosa com o Brasil. Não se sabe se a recente visita de Lula a representantes das agências de classificação de risco em Nova York teve o condão de tocar o coração do pessoal da Moody’s, mas é fato que houve inusitada boa vontade.

Para a agência, houve “melhoras materiais no perfil de crédito do Brasil” – uma conclusão temerária diante da escalada da dívida e da persistência do déficit. Além disso, a Moody’s destacou as “reformas econômicas e fiscais”, embora a principal reforma, a tributária, nem esteja regulamentada ainda, e o principal instrumento de controle das contas, o arcabouço fiscal, é desmoralizado frequentemente por Lula da Silva. Mais adiante, a agência diz que o crescimento do PIB será robusto porque está “suportado por maiores investimentos”, o que não encontra respaldo na realidade, já que o que impulsionou a alta foi o gasto das famílias e do governo.

A agência festeja as “reformas difíceis”, como “a independência do Banco Central, a governança das estatais e a reforma trabalhista”, mas convenientemente não comenta os sucessivos ataques de Lula ao Banco Central e sua evidente expectativa de que a autoridade monetária se dobre a seus caprichos quando estiver sob nova administração, além da sabotagem lulopetista à governança das estatais e à reforma trabalhista.

Com tudo isso, pode-se presumir que a Moody’s tenha resolvido premiar o esforço que parte da equipe econômica do governo tem feito para conferir alguma racionalidade fiscal em meio à demagogia de Lula. Mas também se pode especular que a Moody’s tenha se deixado levar pelo falatório do petista, razão pela qual o tal upgrade talvez diga mais sobre a credibilidade da agência do que do Brasil.

Mais rigor contra os golpes digitais

Correio Braziliense

O volume de vítimas dos golpes digitais financeiros e dos jogos de azar on-line mostra a necessidade de fiscalização e regulamentação sérias e rigorosas, capazes de garantir a segurança dos usuários

Os recursos da internet mudaram o perfil do mundo em todas as áreas do conhecimento e no dia a dia dos cidadãos. O universo do crime também se beneficia das facilidades do ambiente virtual para ganhar dinheiro fácil. A 21ª pesquisa Panorama Político, realizada pelo Instituto de Pesquisa DataSenado Federal em parceria com a Nexus Pesquisa e Inteligência de Dados, revela que a média nacional de brasileiros vítimas de crimes financeiros digitais — clonagem de cartão e invasão de contas bancárias, entre outros delitos — chegou a 24%.

Entre os mineiros, a média é parecida com a nacional: 25% — ou seja, um em cada quatro cidadãos de Minas Gerais foi vítima de um golpe pela internet. De acordo com o Anuário de Segurança Pública, o número de mineiros vítimas do estelionato por meio eletrônico teve um aumento de 17% em 2023, na comparação com o ano anterior — 40.906 golpes em 2023, contra 35.878, em 2022. Os casos aumentaram bem menos no Distrito Federal, com média 2%, passando de 15.749 (2022) para 16.060 (2023). As pessoas com baixa escolaridade e pouca renda são as presas mais fáceis dos estelionatários, indica o estudo. 

Essa mesma camada da sociedade, na expectativa de que a sorte lhes permita dar uma guinada de 180 graus na condição socioeconômica, compõe o maior número de apostadores dos  jogos de azar on-line — fenômeno que tem mobilizado o governo federal nas últimas semanas. O valor investido nas chamadas bets variou entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões nos primeiros nove meses deste ano, segundo estimativa divulgada  recentemente pelo Banco Central. Boa parte dos apostadores é beneficiária do Bolsa Família. Em agosto último, 5 milhões dos inscritos no programa gastaram R$ 3 milhões em apostas por meio de Pix, com valor médio de R$ 100.

Diante desse cenário, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), provocada pelo Ministério da Fazenda, deverá identificar e tirar do ar, até a próxima semana, as plataformas de jogos on-line que atuam no Brasil sem a devida licença. Esse intervalo de tempo, segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é para que os apostadores que investiram com antecipação possam resgatar o dinheiro. Espera-se medida semelhante em relação aos golpes digitais. É preciso que a agência reguladora tenha uma atuação que coíba, de fato, as ligações indesejadas, os links falsos enviados por mensagens de texto e  outras armadilhas ao bolso dos brasileiros espalhadas pelo mundo virtual.  

O volume de vítimas dos golpes digitais financeiros e dos jogos de azar on-line mostra a necessidade de fiscalização e regulamentação sérias e rigorosas, capazes de garantir a segurança dos usuários. Embora o Congresso tenha aprovado o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), vem postergando a aprovação da regulação das redes sociais. Livres para veicular o que bem entenderem, inclusive conteúdos falsos, esses mecanismos viraram ambientes em que os menos esclarecidos são induzidos a cair em golpes montados pelos grupos criminosos. Em um país com um considerável número de endividados, o cenário se torna ainda mais preocupante, e a demanda por respostas, mais urgente. 

 

 

 

 

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