Melhor nota de risco não é motivo para complacência
O Globo
Agência Moody’s colocou Brasil a um passo do
grau de investimento, mas incerteza fiscal persiste
Não surpreende a comemoração do governo com a
decisão da agência de classificação de risco Moody’s de elevar a nota do risco
soberano do Brasil para o nível imediatamente abaixo ao de bom pagador, ou grau
de investimento. Há apenas cinco meses, a agência alterara a perspectiva
brasileira para positiva, mas não era esperado novo anúncio tão cedo. Há motivo
para celebração, mas também para cautela, devido à incerteza fiscal.
Na explicação para a decisão, a Moody’s destaca o desempenho acima das expectativas. Pelos seus cálculos, o PIB crescerá 2,5% neste ano. Alicerçado nas reformas dos últimos anos, o patamar deverá continuar alto, diz a agência. É fato que as mudanças nas leis trabalhistas no governo Michel Temer melhoraram o ambiente de negócios. A independência do Banco Central na gestão Jair Bolsonaro pavimentou o caminho para uma política monetária confiável. E a nova arquitetura tributária, proposta no atual mandato de Luiz Inácio Lula da Silva e em via de ser regulamentada no Congresso, deverá elevar o potencial de crescimento da economia. Mas não foi só isso.
Na decisão, pesou a favor do Brasil a
comparação internacional. “Há muitos países no mundo que enfrentam desafios
fiscais, não só o Brasil”, disse ao GLOBO Samar Maziad, vice-presidente da
Moody’s para risco soberano. A agência reconheceu que a credibilidade do novo
arcabouço fiscal é moderada, “conforme refletido em um custo relativamente alto
da dívida”. Para o Brasil chegar ao grau de investimento, precisa pôr em marcha
um programa consistente de redução nos gastos obrigatórios, que contenha a
trajetória ascendente da dívida pública. É algo, no mínimo, improvável no atual
governo.
A análise benevolente da Moody’s contrasta
com a da maioria dos economistas brasileiros. A fotografia da economia no
presente pode parecer boa, mas o filme que se descortina no futuro não é
promissor. E não promete final feliz. O crescimento acima da expectativa
resulta em boa parte da incúria fiscal, uma receita insustentável.
O Congresso aprovou no ano passado novas
regras fiscais. Pela meta oficial, o objetivo é zerar o déficit em 2024. Já no
primeiro ano, o Executivo decidiu usar a possibilidade prevista de ficar no
vermelho, sem apresentar justificativa plausível. A dívida como proporção do
PIB cresceu em 2023 e deverá aumentar em todos os anos do terceiro mandato de
Lula. A reversão da trajetória de alta é sempre empurrada para a frente.
Para corroer ainda mais a credibilidade do
arcabouço, o governo tem retirado despesas do cálculo da meta. O dinheiro sai
dos cofres públicos, mas não entra na conta oficial. Tais gastos, conhecidos
como “parafiscais”, vêm crescendo de bilhão em bilhão e, para avaliar o rombo,
os analistas são obrigados a olhar as estatísticas oficiais e estimar o que foi
excluído delas artificialmente.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem
defendido a contenção de despesas em todos os níveis. Ele tem razão. O maior
erro do governo seria achar que a nota da Moody’s representa um salvo-conduto
para gastar mais. As agências de risco já se enganaram com governos do PT.
Entre 2008 e 2009, as três maiores concederam grau de investimento ao Brasil.
Anos depois, a política expansionista de Dilma
Rousseff fez as notas retroceder. É fato que agora o Brasil
está a um passo do grau de investimento. Mas, sem controlar gastos, será um
passo maior que as pernas do atual governo.
Persistência dos lixões passa ao largo da
campanha municipal
O Globo
Por lei, eles já deveriam ter sido extintos,
mas ainda há 3 mil. Prefeitos e vereadores são os responsáveis
Em seu segundo mandato, em 2010, o presidente
Luiz Inácio Lula da
Silva sancionou a Política Nacional de Resíduos Sólidos, concedendo prazo até
2014 para a eliminação dos lixões no país e sua substituição por aterros
sanitários. O prazo foi prorrogado por uma década, até agosto deste ano.
Passados 14 anos, ainda há cerca de 3 mil lixões, distribuídos por 1.593
cidades brasileiras, ou 28% do total de municípios, segundo o Sistema Nacional
de Informações de Saneamento (Snis). A política fracassou. Embora seja
responsabilidade de prefeitos e vereadores dar o devido destino ao lixo
produzido pela sociedade, o assunto tem passado ao largo da agenda eleitoral.
Pode ser que candidatos não deem importância
ao acúmulo desordenado de dejetos na periferia das cidades, por ele ocorrer
longe dos olhos da maioria dos eleitores. Cometem um erro. O biogás emitido do
pelos lixões contém metano, gás que pode ter efeito 86 vezes maior que o
carbônico (CO₂) no aquecimento da atmosfera. Além disso, deles escorre o
chorume, líquido vertido pelas montanhas de lixo que contamina o solo e os
lençóis freáticos.
Devido ao descaso, 40% de todos os resíduos
que a população brasileira produz têm destinação irregular, como revelou
reportagem do GLOBO. Quase 25% dos lares não contam com serviço de coleta, um
incentivo à queima ou ao descarte irresponsável. O índice médio de reciclagem
deveria ser de 14% no Brasil, mas não ultrapassa 3,5%. Uma longa cadeia de
falhas e omissões explica por que as cidades brasileiras ainda enfrentam
problemas resolvidos há mais de século em países desenvolvidos.
Não basta descartar o lixo, é preciso
descartá-lo em aterros sanitários construídos e administrados tecnicamente. Um
incêndio que, em agosto e setembro, atingiu seis municípios na região do Parque
Nacional da Chapada dos
Veadeiros (GO), destino turístico declarado Patrimônio Mundial
Natural pela Unesco, começou num lixão na zona de proteção ambiental de Pouso
Alto, em Alto Paraíso de Goiás. O caso mostra como o turismo também é afetado
pelo descumprimento dos prazos e normas da Política Nacional de Resíduos
Sólidos. A situação se repete no Pantanal Mato-Grossense, nos Lençóis
Maranhenses e em praias da Bahia. Além da saúde pública, a omissão das
prefeituras prejudica negócios que geram renda e empregos.
Os lixões do país injetaram na atmosfera em
2022 o equivalente a 15,6 milhões de toneladas de CO₂, de acordo com o Sistema
de Estimativa de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa, do Observatório
do Clima. Em 2007, quando essas emissões chegaram ao pico, eram 19,2 milhões de
toneladas. Nos últimos anos, apesar de ter crescido a adoção de aterros
sanitários, a redução nos gases emitidos pelos lixões ficou muito aquém do
necessário. Esse será um dos principais problemas urbanos diante dos prefeitos
e vereadores eleitos neste mês. A lei precisa ser respeitada: os lixões têm de
acabar — e logo.
Melhora do risco é estímulo para governo
controlar gastos
Valor Econômico
O prêmio, inclusive eleitoral, de
reconquistar o grau de investimento pode reforçar posições de austeridade da
Fazenda no governo
A empresa de avaliação de riscos Moody's
surpreendeu ao elevar a nota de crédito do Brasil a um nível imediatamente
abaixo do grau de investimento, estágio em que o risco de calote da dívida é
muito baixo. A Moody’s partiu de premissas que não são aceitas por boa parte
dos analistas domésticos. O binômio crescimento-reformas deslocou a balança a
favor do Brasil para a agência, apesar de fragilidades fiscais apontadas por
ela. Há ênfase no denominador da relação dívida-PIB, com a expansão econômica
acima da esperada por três anos consecutivos, inédita desde 2014. As reformas
tiveram papel relevante no crescimento. A Moody’s foi condescendente com o
aumento do endividamento, mas deixou claro que sem domá-lo será difícil para o
Brasil reconquistar o grau de investimento, perdido em 2015.
A Moody’s, em consequência de sua visão de
que as reformas elevaram a capacidade de crescimento do país, vislumbra uma
expansão igual ou maior nos próximos anos, perspectiva bem distante da de “voo
da galinha” que os investidores domésticos temem. Com a expansão se espalhando
pela indústria e pelos serviços, apoiada pelo aumento de investimentos, o PIB
pode ter um desempenho acima do esperado nos próximos anos. Essa performance,
para a empresa, reflete “em parte fatores cíclicos e o impacto das reformas estruturais”
e deve se prolongar nos próximos anos.
Entre os fatores da performance brasileira, a
Moody’s, estranhamente, não atribui qualquer papel à política fiscal
expansionista do governo Lula, que sequer é mencionada na avaliação. Há reparos
ao aumento de gastos e seus efeitos sobre a elevação do endividamento, que se
estabilizará em nível mais alto, 82% do PIB, mas a Moody’s não estabelece
qualquer ligação entre o avanço das despesas e as surpresas do PIB, que são
evidentes e fazem parte dos discursos do presidente Lula.
A política fiscal e o orçamento para 2025
“continuam consistentes com as metas fiscais”, diz o relatório da agência. A
Moody’s não considerou relevante que o governo tenha mudado as metas antes de
seu primeiro ano de vigência, adiando o primeiro superávit primário para 2026,
último ano do atual mandato de Lula, e mirando em 2024 o piso de -0,25% do PIB
(R$ 28,8 bilhões) e não a zeragem do déficit.
A mecânica dos gastos, mesmo vista
isoladamente dos efeitos amplos que eles têm na economia, apresenta problemas.
As medidas para cortar despesas são “incipientes”, segundo a agência. Os riscos
de não atingir as metas são “persistentes” dadas a rigidez estrutural das
despesas e a elevação dos dispêndios obrigatórios (previdência social,
programas assistenciais, saúde e educação). Essas “limitações” tiram
credibilidade da política fiscal, dificultam a consecução das metas e
contribuem para o alto prêmio de risco que o governo paga pelos títulos que
emite para rolar sua dívida.
Apesar disso, a Moody’s acredita que em um
ambiente de forte crescimento, no qual o governo busca ampliar suas receitas,
os resultados fiscais primários “melhorarão gradualmente, em linha com as metas
do governo nos próximos 2-3 anos”. O aumento contínuo dos gastos obrigatórios,
porém, impedirá consolidação fiscal mais rápida, e o déficit total (inclui
gastos financeiros) continuará elevado em função das altas taxas de juros. Os
pagamentos de juros consumirão 15% das receitas, e, ainda assim, segundo a Moody’s,
“a probabilidade de que as métricas do endividamento se estabilizem melhorou”.
A avaliação da Moody’s se parece com a dos
investidores nacionais quando o novo regime fiscal foi anunciado, ou seja,
quando existia a esperança de que, ainda que o sistema não fosse o ideal,
evitaria a explosão do déficit e reduziria a velocidade de crescimento da
dívida. O governo Bolsonaro legou a Lula dívida bruta de 73,5% do PIB, que em
agosto passado avançou a 78,5% do PIB, um salto de 5 pontos percentuais do PIB
em menos de dois anos. A relação deve chegar a 81,6% (projeção oficial), no fim
do mandato, ou mais 8 pontos do PIB, muito alto sob qualquer perspectiva.
A chance de atingir o grau de investimento,
segundo a Moody’s, dependerá da habilidade de o governo atenuar a rigidez dos
gastos e lançar mão de medidas fiscais estruturais que contenham as despesas
obrigatórias em “bases sustentáveis”. A perspectiva deixará de ser “positiva”
para retroceder a “estável” se o compromisso de consolidação fiscal
enfraquecer, levando a uma “provável deterioração ou falta de progresso no
balanço fiscal”. Ou seja, será preciso que o governo coloque rédea firme nos
gastos.
Com o governo sob pesadas críticas pela
flacidez fiscal, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, viu que a distância
palpável do grau de investimento pode ser um estímulo mais eficiente que as
críticas para que se leve a sério o regime fiscal. Em um recado claro, Haddad
disse que se “o governo como um todo” - o que inclui Lula e sua ala de
ministros gastadores - não “baixar a guarda” em relação às contas públicas, até
o fim do mandato pode reconquistar a nota almejada. O prêmio, inclusive
eleitoral, de reconquistar o grau de investimento pode reforçar posições de
austeridade da Fazenda no governo. Sem controlar os gastos, o governo só
colherá mais inflação e juros altos.
Guerra regional já é realidade no Oriente
Médio
Folha de S. Paulo
Ataque do Irã a Israel, que enfrenta o
Hezbollah, abre caixa de Pandora; escalada de embates será paga por todo o
mundo
Desde que o grupo palestino Hamas lançou
seu ataque terrorista contra Israel há
362 dias, a serem completados nesta quinta (3), o mundo se perguntava quando a
caixa de Pandora aberta na região iria espalhar seus sortilégios para o
restante do Oriente Médio.
Os elementos de uma conflagração regional já
estavam dados: o Hamas integrava o eixo de atores locais bancados pelo Irã, teocracia
cujo esteio é o antiamericanismo e a pregação da extinção do Estado judeu.
Os sinais ficaram mais claros ao longo dos
meses, enquanto a violenta operação militar de Israel na Faixa de Gaza roubava
milhares de vidas palestinas e fazia evaporar o apoio a Tel Aviv.
Já no dia seguinte ao assalto da horda
bárbara, o libanês Hezbollah passou
a incrementar o atrito transfronteiriço com Israel. Nada de novo sob o céu da
Galileia: eles se enfrentam há anos, e a última guerra aberta havia sido em
2006.
Mais adiante, surgiram os houthis do Iêmen,
uma facção tribal que vivia o respiro de um cessar-fogo na guerra civil em que
lutam apoiados por Teerã.
Com um arsenal diverso de mísseis e drones,
passaram a alvejar Israel e, mais importante, fizeram disparar os fretes
marítimos devido à sua campanha contra a navegação no mar Vermelho. A eles se
somaram grupos xiitas do Iraque e
da Síria.
Políticos israelenses alegam, não sem razão,
que a guerra regional já estava contratada. O que faltava era o embate direto
com o Irã, algo ensaiado no ataque inédito de abril com mísseis e drones contra
Tel Aviv.
Ainda assim, todos recuaram naquele momento,
que ficou para trás. Há duas semanas, porém, o governo de Binyamin
Netanyahu parece ter assumido a missão temerária de fazer um
acerto de contas com seus adversários.
Começou a
castigar duramente o Hezbollah, matando boa parte de sua cadeia de
comando, a começar pelo líder, Hassan Nasrallah. Na segunda (30), iniciou as
primeiras ações terrestres no sul do Líbano em
18 anos.
Isso colocou o Irã contra a parede. Já sem
reagir à vexaminosa execução do líder do Hamas enquanto convidado do novo
presidente do país, em julho, agora os aiatolás viam seu principal preposto
sofrer quase sozinho.
Esse cálculo orientou o
ataque da terça-feira (1º) contra Israel, que contou 181 mísseis
balísticos caindo sobre objetivos militares. Foi menor numericamente do que a
ação de abril, porém mais potente, por usar modelos de complexa interceptação.
Esta foi bem-sucedida, com ajuda dos
americanos no mar Vermelho e dos jordanianos. É um sinal de alianças que podem
estar à frente, pois a ideia de uma guerra limitada já é ociosa.
Caberá à reação israelense dar a medida dos
capítulos a seguir. Isso diz respeito a todos, aí incluído o mercado global de
petróleo. Se o Golfo Pérsico for incendiado por conflitos, a escalada lenta e
certa mostrará uma conta para todo o mundo pagar.
Liberdade para cuidar da própria saúde
Folha de S. Paulo
STF acerta ao permitir recusa a tratamento
por motivo religioso; princípio deveria pautar leis sobre drogas e eutanásia
A correta decisão do Supremo Tribunal Federal
que autoriza
pacientes a recusarem tratamento médico por motivos religiosos —como
se dá com fiéis da religião Testemunhas de Jeová que se opõem à transfusão de
sangue— constitui um raro avanço recente em direitos individuais no Brasil.
Conforme o entendimento unânime dos
magistrados, o tratamento pode ser rejeitado somente em caso de adultos
cognitivamente capazes e informados sobre os riscos envolvidos. A medida é
oriunda do julgamento de dois recursos extraordinários com repercussão geral.
Num deles, a Santa Casa de Maceió negou
uma cirurgia porque a paciente não quis assinar o termo de consentimento para
transfusão de sangue, caso houvesse necessidade. No outro, a União recorreu de
decisão que a obrigou a custear cirurgia fora do estado de domicílio do
paciente porque, no de origem, não era ofertado procedimento sem transfusão.
O Supremo definiu que o Estado deve arcar com
tratamentos alternativos disponíveis no sistema público de saúde,
desde que respaldados pela ciência e com anuência da equipe médica, mesmo que
seja preciso transferir o paciente para outro local.
Outro aspecto fundamental é a proteção dos
menores de idade, que não são alcançados pela liberalidade do Supremo.
Num exemplo, a Justiça da Bahia autorizou em
maio a transfusão de sangue em um bebê recém-nascido. O promotor
argumentou, de modo sensato, que o direito à vida se sobrepõe à liberdade
religiosa quando se trata de crianças —e que nem mesmo é possível saber se o
filho seguirá a religião quando for adulto.
Apesar de a medida do Supremo estar correta
em seu mérito, ainda existem questões práticas a serem contempladas, como casos
de pessoas inconscientes em situações de emergência.
Países diversos permitem a objeção, por
motivos religiosos ou de consciência, a tratamentos de saúde, com a ressalva
para os mais jovens. Outra exceção importante diz respeito a situações em que a
decisão acarreta riscos a terceiros e à coletividade, como em doenças
contagiosas e em campanhas de vacinação.
O mesmo princípio liberal de defesa da
autonomia do indivíduo sobre seu corpo, observado na decisão do Supremo
Tribunal Federal, deveria pautar leis sobre drogas leves
e eutanásia, como
defende esta Folha —sempre, é claro, com regulação
rigorosa e ampla informação.
O Estado extrapola seu papel quando se arvora a tutelar ações da esfera estritamente individual.
A perigosa escalada no Oriente Médio
O Estado de S. Paulo
Irã e Israel vinham administrando
hostilidades para impedir que chegassem a um ponto de não retorno, mas isso
parece ter mudado. E nada garante que uma eventual guerra seja limitada
Depois que os grupos terroristas que o Irã
financia para fustigar Israel sofreram severos reveses nos últimos dias, em
ações muitas vezes espetaculares protagonizadas pelas forças militares e de
inteligência israelenses, o regime dos aiatolás decidiu que precisava retaliar,
lançando mais de 200 mísseis balísticos contra Israel. Ainda que os danos
tenham sido limitados, trata-se de uma escalada perigosíssima para a região, na
qual muitas vezes os cálculos se provam dolorosamente equivocados.
Ao liquidar em questão de dias praticamente
todo o alto comando da milícia xiita libanesa Hezbollah, incluindo seu líder
máximo, Hassan Nasrallah, Israel pretendia demonstrar, ao Irã e a quem mais
interessar possa, que restabeleceu sua capacidade dissuasória, profundamente
abalada depois do brutal ataque terrorista do Hamas de 7 de outubro do ano
passado.
Essa demonstração já vinha sendo dada numa
potente escalada israelense há alguns meses, começando com o bombardeio a um
anexo da Embaixada do Irã em Damasco, em abril, matando vários integrantes da
Guarda Revolucionária Iraniana, seguindo com o assassinato, em julho, de um dos
principais líderes terroristas do Hamas, que estava em Teerã como convidado de
honra para a posse do novo governo, e culminando agora com a eliminação de
Nasrallah – espalhando a tal ponto o pânico entre os aiatolás que seu líder supremo,
Ali Khamenei, teve que se proteger num bunker, pois temia pela sua vida.
Foram seguidos golpes humilhantes para Teerã,
que até agora aparentemente vinha hesitando sobre como reagir, decerto
calculando que uma resposta descalibrada poderia resultar não só num devastador
contra-ataque israelense, como também no envolvimento direto dos Estados
Unidos, o que arruinaria a já cambaleante economia iraniana e minaria ainda
mais um regime já bastante impopular.
Mas tudo indica que a linha dura dos aiatolás
esteja prevalecendo, diante da necessidade de defender seus associados
Hezbollah, Hamas e a milícia houthi no Iêmen, também retaliada por Israel. Se
não reagisse com força, o Irã daria ao mundo e, sobretudo, a seus parceiros um
perigoso sinal de fragilidade. O problema é que, ao fazê-lo, deixa de travar
uma confortável guerra por procuração e passa a se envolver num conflito direto
com Israel. A partir deste ponto, tudo fica absolutamente imprevisível.
Do lado israelense, a equação obviamente
inclui a sobrevida política do premiê Benjamin Netanyahu, mas há muito mais em
jogo. Não se pode descartar que o establishment israelense (que inclui a
oposição) tenha concluído que a oportunidade de minar a capacidade do regime
iraniano de obter armas atômicas está à mão. Também é possível imaginar que o
governo israelense esteja tentado a impor derrotas definitivas a seus inimigos
nas fronteiras, em vez de simplesmente administrar as ameaças, como vinha
fazendo até o 7 de Outubro.
O problema é definir o que vem a ser
“vitória” nesse cenário. Se a “vitória” significar a reocupação de Gaza e do
sul do Líbano, além da anexação da Cisjordânia, como sonha a linha dura
israelense, então o que Israel terá não é paz, mas guerra permanente.
O problema é que o 7 de Outubro parece de
fato ter alterado o cálculo, não só de Israel mas de outras forças na região,
segundo o qual é melhor evitar do que deflagrar uma guerra. Irã e Israel vinham
até aqui gerenciando as hostilidades para impedir que chegassem a um ponto de
não retorno, mas isso aparentemente mudou. E nada garante que uma eventual
guerra entre Israel e Irã seja limitada, pois não se pode menosprezar o ódio
acumulado por décadas – e também não se pode descartar o envolvimento de terceiros,
como Estados Unidos e Rússia.
A Israel sobram razões para reagir às
provocações do Irã e de seus associados, sobretudo depois do horror do 7 de
Outubro e dos subsequentes ataques do Hezbollah no norte do país, que forçaram
a retirada de dezenas de milhares de israelenses da região. A questão é que
guerras sem objetivos realistas de longo prazo, como parece ser o caso desta,
costumam resultar em derrota. Se Israel imagina que terá segurança apenas por
meio da força, inviabilizando de vez um Estado palestino e recusando-se a
trocar terras por paz, está enganado.
Os camelôs do Orçamento
O Estado de S. Paulo
Orçamento secreto segue firme e forte.
Emendas viraram artigo de compra e venda. Ao STF não cabe conciliar nada entre
Poderes. Sem transparência, não há emendas. É simples assim
A Polícia Federal (PF) tem se desdobrado em
inquéritos que apuram a malversação de recursos públicos por meio de emendas
parlamentares obscuras. Soube-se agora que até um agiota estaria associado a um
deputado federal, João Maranhãozinho (PL-MA), no comércio, pasme o leitor, de
indicações de emendas ao Orçamento da União.
Em que pese a faina do Supremo Tribunal
Federal (STF) para fazer valer a Constituição e acabar com essa indecência, o
orçamento secreto, hoje, segue tão vivo como sempre esteve desde que foi
engendrado por um punhado de lideranças do Congresso e o então presidente Jair
Bolsonaro. E, desde que este jornal revelou esse espantoso esquema, em maio de
2021, sabia-se que a desvirtuação das emendas parlamentares se prestava a três
finalidades, basicamente.
A primeira é o enriquecimento ilícito, puro e
simples, de parlamentares, prefeitos e cupinchas Brasil afora por meio da
apropriação criminosa de recursos do Orçamento da União que, em tese, deveriam
ser destinados aos municípios para financiar políticas públicas aptas a
melhorar a vida das populações locais.
A segunda finalidade é transformar emendas
parlamentares em uma espécie de fundo eleitoral paralelo, como forma de manter
no poder indivíduos ou grupos políticos abastecidos com mais recursos públicos
para obras e ações marqueteiras do que seus adversários diretos. Ou seja, um
ataque à democracia representativa.
Por último, o orçamento secreto tem servido
nesses últimos anos para “empoderar” o Congresso, como se diz, em negociações,
não necessariamente republicanas, com a Presidência da República – seja quem
for o chefe de Estado e de governo. Como verdadeiros achacadores, congressistas
indignos do mandato usam sua prerrogativa de emendar o Orçamento da União
– a priori, legítima em um regime presidencialista multipartidário como o
nosso – para impor seus interesses particulares na formulação da agenda
nacional, no melhor cenário, e ocupar cargos da administração federal com
propósitos inconfessáveis, no pior. E tudo isso em troca da formação de uma
suposta base de apoio ao governo federal no Congresso.
A novidade, por assim dizer, é o comércio de
indicações de emendas. Mas nada mudou na essência. O que tem mudado são os
mecanismos técnicos por meio dos quais o Congresso tem mantido o seu poder de
determinar o destino de um quinhão cada vez mais robusto do Orçamento da União
sem transparência alguma e sem nenhuma coordenação entre políticas públicas
federais, estaduais e municipais genuinamente transformadoras.
Para estarrecimento de praticamente ninguém,
como outrora o esquema dos “Anões do Orçamento” fez o Brasil parar, o orçamento
secreto permanece como o óleo que mantém as engrenagens do Congresso
funcionando, a ponto de haver parlamentares que tratam abertamente o esquema
como se fosse um “direito adquirido”. E, agora, do Maranhão vem essa notícia de
que a indicação de emendas se tornou objeto de compra e venda.
O governo federal, por meio da Secretaria de
Relações Institucionais, diz desconhecer qualquer ilegalidade na disposição das
emendas. Um tom muito diferente do adotado por Lula da Silva durante a campanha
eleitoral de 2022, quando o petista prometeu acabar com “a fonte do maior
esquema de corrupção da história deste país”.
No STF, por sua vez, o ministro Flávio Dino,
que assumiu a relatoria das ações que tratam do orçamento secreto após a
aposentadoria da ministra Rosa Weber, marcou mais uma audiência de
“conciliação” entre o governo e o Congresso para o próximo dia 10. Dino está
certíssimo quando diz que é “absolutamente incompatível” com a Constituição o
fato de a decisão da Corte de 2022, que julgou inconstitucional o orçamento
secreto, como era óbvio, ainda não ter sido “adequadamente executada”, vale
dizer, no sentido de dar transparência às emendas. Mas o ministro erra ao
esperar que um dia assim será enquanto persistir nessa busca por “conciliação”.
Ora, não há o que conciliar. As emendas devem
ser transparentes. E até que a sociedade tenha essa garantia, devem seguir
suspensas.
Inusitada boa vontade
O Estado de S. Paulo
Decisão da Moody’s de elevar rating do Brasil
é generosa ante cenário fiscal difícil
Em um movimento que surpreendeu o mercado, a
agência de classificação de risco Moody’s elevou o rating do Brasil de Ba2 para
Ba1, e manteve perspectiva positiva para a nota. Pela escala da Moody’s, o
Brasil está a um passo do grau de investimento, classificação que permite que
mais investidores comprem ativos do País – nas rivais Fitch e S&P, a nota
está dois níveis abaixo do grau de investimento e tem perspectiva estável.
Trata-se certamente de uma boa notícia, que, contudo, fala mais do que o País
deve fazer do que do que vem fazendo.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
parece saber disso. Ao comentar a decisão da Moody’s, Haddad disse esperar que
o governo “como um todo” compreenda que “vale a pena esse esforço”,
referindo-se à reorganização das contas públicas, “sem baixar a guarda em
relação às despesas, em relação às receitas”. Assim, disse o ministro, “temos a
chance de completar o mandato do presidente Lula obtendo novamente o grau de
investimento”.
O wishful thinking sobre a
conquista do grau de investimento ainda neste mandato de Lula da Silva é até
aceitável como discurso político do ministro da Fazenda, mas o interessante
aqui é notar que, a despeito da boa notícia, o próprio Haddad parece mais
empenhado em dizer a seus parceiros de governo – e ao próprio Lula – que a
melhora na nota de crédito do Brasil não virá se a gastança continuar.
A Moody’s, sob qualquer ponto de vista, foi
generosa com o Brasil. Não se sabe se a recente visita de Lula a representantes
das agências de classificação de risco em Nova York teve o condão de tocar o
coração do pessoal da Moody’s, mas é fato que houve inusitada boa vontade.
Para a agência, houve “melhoras materiais no
perfil de crédito do Brasil” – uma conclusão temerária diante da escalada da
dívida e da persistência do déficit. Além disso, a Moody’s destacou as
“reformas econômicas e fiscais”, embora a principal reforma, a tributária, nem
esteja regulamentada ainda, e o principal instrumento de controle das contas, o
arcabouço fiscal, é desmoralizado frequentemente por Lula da Silva. Mais
adiante, a agência diz que o crescimento do PIB será robusto porque está
“suportado por maiores investimentos”, o que não encontra respaldo na
realidade, já que o que impulsionou a alta foi o gasto das famílias e do
governo.
A agência festeja as “reformas difíceis”,
como “a independência do Banco Central, a governança das estatais e a reforma
trabalhista”, mas convenientemente não comenta os sucessivos ataques de Lula ao
Banco Central e sua evidente expectativa de que a autoridade monetária se dobre
a seus caprichos quando estiver sob nova administração, além da sabotagem
lulopetista à governança das estatais e à reforma trabalhista.
Com tudo isso, pode-se presumir que a Moody’s
tenha resolvido premiar o esforço que parte da equipe econômica do governo tem
feito para conferir alguma racionalidade fiscal em meio à demagogia de Lula.
Mas também se pode especular que a Moody’s tenha se deixado levar pelo
falatório do petista, razão pela qual o tal upgrade talvez diga mais sobre a
credibilidade da agência do que do Brasil.
Mais rigor contra os golpes digitais
Correio Braziliense
O volume de vítimas dos golpes digitais
financeiros e dos jogos de azar on-line mostra a necessidade de fiscalização e
regulamentação sérias e rigorosas, capazes de garantir a segurança dos usuários
Os recursos da internet mudaram o perfil do
mundo em todas as áreas do conhecimento e no dia a dia dos cidadãos. O universo
do crime também se beneficia das facilidades do ambiente virtual para ganhar
dinheiro fácil. A 21ª pesquisa Panorama Político, realizada pelo Instituto de
Pesquisa DataSenado Federal em parceria com a Nexus Pesquisa e Inteligência de
Dados, revela que a média nacional de brasileiros vítimas de crimes financeiros
digitais — clonagem de cartão e invasão de contas bancárias, entre outros delitos
— chegou a 24%.
Entre os mineiros, a média é parecida com a
nacional: 25% — ou seja, um em cada quatro cidadãos de Minas Gerais foi vítima
de um golpe pela internet. De acordo com o Anuário de Segurança Pública, o
número de mineiros vítimas do estelionato por meio eletrônico teve um aumento
de 17% em 2023, na comparação com o ano anterior — 40.906 golpes em 2023,
contra 35.878, em 2022. Os casos aumentaram bem menos no Distrito Federal, com
média 2%, passando de 15.749 (2022) para 16.060 (2023). As pessoas com baixa escolaridade
e pouca renda são as presas mais fáceis dos estelionatários, indica o
estudo.
Essa mesma camada da sociedade, na
expectativa de que a sorte lhes permita dar uma guinada de 180 graus na
condição socioeconômica, compõe o maior número de apostadores dos jogos
de azar on-line — fenômeno que tem mobilizado o governo federal nas últimas
semanas. O valor investido nas chamadas bets variou entre R$ 18 bilhões e R$ 21
bilhões nos primeiros nove meses deste ano, segundo estimativa divulgada
recentemente pelo Banco Central. Boa parte dos apostadores é beneficiária do
Bolsa Família. Em agosto último, 5 milhões dos inscritos no programa gastaram
R$ 3 milhões em apostas por meio de Pix, com valor médio de R$ 100.
Diante desse cenário, a Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel), provocada pelo Ministério da Fazenda, deverá
identificar e tirar do ar, até a próxima semana, as plataformas de jogos
on-line que atuam no Brasil sem a devida licença. Esse intervalo de tempo,
segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é para que os apostadores que
investiram com antecipação possam resgatar o dinheiro. Espera-se medida
semelhante em relação aos golpes digitais. É preciso que a agência reguladora
tenha uma atuação que coíba, de fato, as ligações indesejadas, os links falsos
enviados por mensagens de texto e outras armadilhas ao bolso dos
brasileiros espalhadas pelo mundo virtual.
O volume de vítimas dos golpes digitais
financeiros e dos jogos de azar on-line mostra a necessidade de fiscalização e
regulamentação sérias e rigorosas, capazes de garantir a segurança dos
usuários. Embora o Congresso tenha aprovado o Marco Civil da Internet (Lei nº
12.965/2014), vem postergando a aprovação da regulação das redes sociais.
Livres para veicular o que bem entenderem, inclusive conteúdos falsos, esses
mecanismos viraram ambientes em que os menos esclarecidos são induzidos a cair
em golpes montados pelos grupos criminosos. Em um país com um considerável
número de endividados, o cenário se torna ainda mais preocupante, e a demanda
por respostas, mais urgente.
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