quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Bruno Boghossian - As eleições do crime, do caixa dois e da porrada

Folha de S. Paulo

Ameaça da inteligência artificial não é nada perto da barbárie medieval das disputas municipais

Aconteceu em Alagoas. Uma semana antes do primeiro turno, um juiz eleitoral mandou suspender a campanha no município de Taquarana. Ele relatou "agressividade exagerada", "denúncias de perseguições" e "uso de arma de fogo" na disputa. Proibiu carreatas, passeatas e comícios. Pediu o reforço de tropas federais e determinou: ninguém poderá comemorar o resultado da votação em locais públicos.

Nos gabinetes da Justiça Eleitoral, muita gente acreditou que a inteligência artificial seria o maior desafio desta campanha. Mas uma boa parte da política do país está mais próxima de tempos medievais do que de qualquer revolução tecnológica.

As disputas deste ano provaram a presença escancarada do crime organizado na política dos municípios. A corrupção e o dinheiro vivo viraram parte da paisagem. O jogo baixo e a porradaria se tornaram armas comuns na campanha. Em Taquarana, aliados de um candidato desfilaram com a foto do rival pregada num caixão, de acordo com o UOL. Do outro lado, um militante avisou aos adversários que era hora de "apanhar e ficar calado".

O tráfico, as milícias e o garimpo ilegal abraçam a atividade política como parte dos negócios. Lançam candidatos próprios e patrocinam outros nomes para controlar contratos, aprovar leis de seu interesse e acumular poder. As ferramentas das quadrilhas são conhecidas: assassinatos, ameaças, bloqueio de territórios e coação de eleitores.

Bolos de dinheiro viajam em porta-malas para abastecer o caixa dois das campanhas ou simplesmente para comprar votos. Às vezes, a grana voa pelos ares. Em Coari (AM) um candidato foi detido depois de fazer uma chuva de dinheiro em praça pública. A lei e as restrições ao financiamento de campanhas não assustam tanta gente. Prisões são tratadas como efeitos colaterais.

A corrida pelo comando da maior cidade do país ficou marcada por uma cadeirada e um soco na cara. Seriam só asteriscos pitorescos se o eleitor pudesse ter a certeza de que o próximo prefeito terá um programa para resolver o transporte público cruel, o ar irrespirável, a degradação apavorante de bairros inteiros e outras tragédias urbanas.

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