domingo, 8 de março de 2009

O PMDB não é o grande mal. A culpa é do sistema

Fernando Abrucio
DEU NA ÉPOCA


A origem do problema está nos incentivos à corrupção e ao fisiologismo nas regras da política brasileira

Num espaço de duas semanas, o PMDB foi dos píncaros à sarjeta. Primeiro, conquistou a presidência das duas Casas congressuais, reforçando seu papel de fiel da balança do sistema político, o que aumenta seu dote para a campanha presidencial. Contrariando o dito popular, depois da bonança veio a tempestade. Um dos mais importantes líderes pemedebistas desde a luta contra a ditadura, o senador Jarbas Vasconcelos fez ferrenhas críticas ao partido, que seria, segundo ele, uma legenda baseada no fisiologismo e com tendência à corrupção.

Essa reviravolta manchou as vitórias recentes do partido e pode arranhar ainda mais a sua já desgastada imagem nos grandes centros do país. Mas, se a denúncia ficar apenas no terreno do moralismo udenista, em pouco tempo o PMDB recuperará suas forças. Ele continuará sendo decisivo na dinâmica congressual e terá ainda um papel decisivo nas eleições de 2010. Prova disso é que os principais candidatos à sucessão presidencial – Serra, Dilma e Aécio – sonham em contar com o apoio do partido para chegar ao Palácio do Planalto.

Obviamente que não são inúteis as críticas que Jarbas fez ao PMDB. O retorno ao topo do sistema de figuras como a de Renan Calheiros é assustador, do mesmo modo que o leilão de cargos públicos, realizado por uma parte dos deputados pemedebistas, mostra que o lema “é dando que se recebe” fazia parte de uma época quase ingênua do fisiologismo congressual. Não compactuar com esse jogo, denunciando-o, é um papel que deve ser exercido pelos melhores políticos do país.

O problema é que na política, como já escreveram Maquiavel e Weber, o que importa são as consequências. Afinal, o que pretende Jarbas com tais críticas? Mudar de partido? Aparentemente, não. Nos últimos anos, ele nunca cogitou trocar de legenda. E todos em Brasília sabem que o PMDB comporta-se agora como no governo Fernando Henrique.

A origem do problema está nos incentivos à corrupção e ao fisiologismo nas regras da política brasileira

Cabe lembrar que Jarbas já saiu uma vez do PMDB, quando foi preterido na escolha do candidato à Prefeitura do Recife. Depois voltou à legenda e, ao dominar o partido regionalmente, nunca mais pensou em sair dele. Repete assim aquilo que ele bem apontou em sua entrevista: o PMDB funciona como um condomínio de caciques regionais.

Poderia se pensar numa outra hipótese: o senador Jarbas Vasconcelos quer mudar o PMDB por dentro. Com a atual distribuição de poder, trata-se de uma tarefa bastante inglória, porque a maioria partidária prefere o statu quo à mudança. Claro que ele poderia almejar ser o “grilo falante” no jogo interno pemedebista, mas novamente estaria atirando no monstro errado. O alvo certo são as condições do sistema político brasileiro que permitem o sucesso da estratégia pemedebista.

Na verdade, nos últimos anos a democracia brasileira tem conseguido expurgar ou enfraquecer parte daqueles cujo comportamento político feriu princípios republicanos básicos. Com a eclosão de escândalos, alguns membros do PMDB – e de outros partidos, ressalte-se – renunciaram a seus postos e/ou perderam fragorosamente eleições. Mas, a cada derrota de um desses, surgem potenciais substitutos ou renascem lideranças com forte propensão a adotar as práticas denunciadas pelo senador Jarbas Vasconcelos. Isso também ocorre em outras agremiações partidárias; a diferença é que os pemedebistas são mais eficientes na disputa desse jogo.

A origem desses males está nos incentivos institucionais ao comportamento clientelista, fisiológico e, no limite, corrupto que existem no caso brasileiro. Um exemplo nessa linha está no preenchimento dos principais postos de estatais e de seus poderosos fundos de pensão. O patrimonialismo e o uso eleitoral desses cargos são o âmago desse sistema. Sem mudar tal aspecto, como exigir um comportamento correto do PMDB, que poderia levá-lo à perda dos recursos que o tornaram, desde o início da Nova República, o rei da política nos planos regional e congressual?

Para que as críticas contra o PMDB não fiquem no mero lacerdismo de ocasião, típico de quem está na oposição no Brasil, é preciso ver o que o sistema tem a dizer sobre esse e os outros partidos.

Fernando Abrucio é doutor em Ciência Política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e escreve quinzenalmente em ÉPOCA

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