quinta-feira, 23 de abril de 2009

A crise e os primos dos americanos

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Crise "paralisa" os supermóveis EUA; migração é a menor em décadas; taxa de propriedade de casas cai ao nível de 2001

OS AMERICANOS não têm primos, vez e outra escrevia o economista e ex-ministro João Sayad em suas colunas na Folha. Não se tratava de uma anomalia biológica ou etnológica descoberta por Sayad, tal como uma aberração no sistema de parentesco americano. O economista observava que o convívio de famílias extensas era mais raro nos EUA, em contraste com o Brasil cordial e familiar, de parentadas e parentelas.

Os americanos costumam estudar em universidades distantes da cidade natal (trata-se aqui, nos EUA e no Brasil, de classes médias). Mudam-se bastante, espalham-se, vivem longe do núcleo familiar, pois há, ou havia, oportunidades em quase todas as partes do país. No Brasil, até outro dia ainda fazíamos jus à metáfora quatrocentona de sermos caranguejos, arranhando poucas cidades do litoral, como dizia frei Vicente do Salvador.

As famílias americanas viajam muito para se encontrarem no Dia de Ação de Graças, o "Natal" deles e época de faturamento gordo nas companhias aéreas. É o feriado no qual avós conhecem ou estranham os netos e, pelo menos nos filmes, parentes revelam segredos constrangedores e afloram antigos dramas e mágoas da casa.

Pois bem, os americanos jamais se mudaram tão pouco desde 1962, dizem dados do Censo americano de 2008 revelados ontem: 12% dos americanos se mudaram em 2008, contra 20% em meados dos anos 1980. O número de mudanças interestaduais é o menor desde o final da década de 1940. O número de imigrantes em 2008 também foi o menor em mais de uma década. É a crise: imobiliária, de empregos (em baixa ou exportados para a Ásia).

A migração americana agora ficou mais "brasileira": desempregados, pobres e negros se mudam mais. Antes dos sulistas que foram procurar terras no Centro-Oeste e no Norte, a grande migração brasileira moderna foi a dos pobres rurais sem terra e sem direito social algum, o que produziu as nossas monstruosas cidades. Apenas depois da descentralização econômica "pós-abertura dos portos", nos anos 1990, brasileiros mais bem postos das capitais começaram a ver mais chances no interior.

Os americanos ficam "paralisados", mudam-se menos, num período em que o preço médio das casas baixou entre 20% e 30% (desde 2006); em que a taxa de juros de financiamento imobiliário desce a 4,5%. Os juros imobiliários agora são os mais baixos desde a Segunda Guerra: então 44% dos americanos eram proprietários do seu teto, chegando a 62,1% em 1960.

A taxa de propriedade subiu só a 67,8% em 2008, mesmo com a farra da finança imobiliária "estruturada" -antes, os americanos pegavam empréstimos em "caixas econômicas" locais. Note-se, aliás, que depois do pico de 2005, a proporção de americanos morando em casa própria voltou ao nível de 2001, antes da bolha imobiliária.

Talvez por isso Paul Volcker, lendário ex-presidente do Fed, ora assessor de Barack Obama, diga, meio em tom de troça, que a inovação financeira não está correlacionada ao progresso econômico; que, para a maioria, o grande invento financeiro foi o caixa automático.

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