Para obterem o apoio de partidos menores, PT e PSDB leiloam cargos e perpetuam uma prática que está na origem de quase todos os escândalos de corrupção
Otávio Cabral
De tão disseminada, a prática passou a parecer normal. Vejamos. Na semana passada. o governador de Pernambuco e presidente do PSB, Eduardo Campos, reuniu-se com o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, do PSD, e com emissários do candidato do PSDB à sua sucessão, José Serra. No centro da mesa de negociações, estava o apoio do PSB - e seu precioso 1min30seg na propaganda de TV - a Serra. Em troca, o partido levaria duas secretarias municipais e a promessa de mais cargos em caso de vitória do tucano. No dia seguinte, Campos foi procurado por Rui Falcão, presidente do PT e negociador da campanha de Fernando Haddad. Falcão soube das promessas feitas pelos tucanos e pediu que Campos adiasse para junho a decisão sobre os rumos de seu partido. Até lá, o PT pretende combinar com o governo federal uma oferta mais tentadora aos socialistas, incluindo um ministério e o apoio a candidatos do PSB em cidades como Campinas e Belo Horizonte.
Nas várias horas de diálogo entre dirigentes de quatro grandes partidos, só não se discutiu o que mais conta para a população: o que cada sigla pretende propor para melhorar a vida dos paulistanos e, assim, merecer o seu voto. A eleição em São Paulo é um exemplo pontual do que ocorre de forma geral no resto do país. As negociações para construção de alianças - naturais e saudáveis quando envolvem partidos com afinidades ideológicas ou programáticas - tomaram-se um mercado a céu aberto. Nele, os partidos, para se aliarem uns aos outros, não discutem ideias nem projetos, mas o número de cargos que ganharão e a quantidade de verba e tempo de TV que levarão. Parece normal, mas não é.
Esse comércio a céu aberto é reflexo de uma das mais antigas e resistentes distorções da vida política brasileira. "A formação dessas alianças pragmáticas sem afinidades ideológicas está na origem de todos os escândalos passados, presentes e futuros da política brasileira", analisa o cientista político Rubens Figueiredo. Para começar, para que os partidos querem cargos? Há apenas duas respostas para essa pergunta: 1) para aumentar a sua força eleitoral e, assim, desenvolver projetos que beneficiem a população e rendam votos; 2) para praticar a corrupção, enchendo os próprios cofres e os dos doadores de campanha. Precisamente como se fez no mensalão. Para construir a aliança que levou Lula à Presidência, o PT, tendo José Dirceu como intermediário, ofereceu a Vice-Presidência ao PL (hoje PR) em troca de "financiamento" com dinheiro ilegal. No poder, o partido usou o mesmo modelo para aliciar congressistas.
Em política, há barganhas e barganhas - as do tipo condenável e as do tipo obrigatório, já que conversar, negociar, ceder e compor é da natureza da atividade. Embora a presidente Dilma Rousseff já tenha dado sinais de que ambas as modalidades a desagradam, foi à primeira que ele mais tentou resistir. Na "faxina promovida no ano passado no primeiro escalão, por exemplo; Dilma, na maior parte das vezes, priorizou o critério técnico em detrimento da conveniência política ao escolher os sucessores dos demitidos.
Nas últimas semanas a presidente cedeu aos velhos métodos. Ofereceu o Ministério da Pesca ao senador Marcelo Crivella, do PRB, a fim de reforçar a campanha de Haddad. Na cerimônia de posse, chegou às lágrimas, evidenciando seu desconforto. Por que é tão difícil para um governante não se vergar a essas práticas? Responde o cientista político Rogério Schmin: "Porque o nosso sistema político é um incentivo aos maus hábitos e à corrupção". A fartura de cargos a ser preenchidos, sem nenhuma exigência técnica, pelos aliados de ocasião, a dinâmica eleitoral que não envolve discussões nem propostas e um sistema partidário caótico, em que duas siglas brigam para controlar duas dezenas de partidos que só querem se beneficiar do fato de ser governo, são algumas das características desse modelo deletério. "Se os políticos brasileiros e noruegueses trocassem de lugar, sem mudar as regras do jogo, em pouco tempo os noruegueses iriam se contaminar com as práticas ilícitas. E os brasileiros, mesmo os mais corruptos, teriam dificuldades em andar fora da lei", explica Schmin.
Qual a saída, então? Mudanças de fundo que minimizem o campo de ação dos políticos corruptos e seus partidos de aluguel:
Redução do número de partidos. Uma lei aprovada em 1995 determinava que só os partidos que obtivessem 5% dos votos poderiam assumir cadeiras no Legislativo e ter acesso ao tempo de TV e ao Fundo Partidário. É a chamada cláusula de barreira. Mas o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou a medida ilegal e o Congresso nada fez para retomá-la. Hoje, 23 partidos têm representação no Congresso. Dezoito fazem parte da base de apoio de Dilma, dezenove dão sustentação ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, do PSDB; e vinte estão aliados ao prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, do PSD. Analisa o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília: "A maior parte dessas siglas não tem ideologia nem projeto de país. Querem apenas as benesses de ser situação. No nosso sistema, não há vida fora do governo".
Aumento da Fiscalização sobre os políticos eleitos. Para isso, a melhor solução é a adoção do voto distrital, no qual cada município e estado seria dividido em distritos de acordo com o tamanho da população e a quantidade de vagas no Legislativo. Dessa forma, em uma eleição municipal, cada bairro elegeria seu vereador, o que, facilitaria a fiscalização do político eleito e dificultaria a perpetuação de corruptos no poder.
Diminuição do apadrinhamento. O governo federal tem hoje cerca de 23000 cargos de livre nomeação. Nos Estados Unidos, há 8000. Na Inglaterra, quando um governo é eleito, pode nomear apenas 300 pessoas. Isso ajuda a explicar por que, naqueles países. a formulação de maioria no Parlamento se dá principalmente por meio da adesão de grupos a ideias - e não da cooptação. Na última eleição, em 2010, o Partido Conservador de David Cameron, venceu, mas não com votos suficientes para ter maioria e formar o gabinete. Assim, teve de se aliar ao Partido Liberal Democrata, de Nick Clegg, depois de concordarem com um programa de propostas de sete páginas, que incluiu a reforma política e a redução do déficit fiscal.
Fim das coligações. Os partidos seriam proibidos de se aliar nas disputas para deputado e vereador. A permissão hoje favorece o mercado de compra de votos, dado que é usada apenas para burlar a regra segundo a qual só podem ser eleitos partidos que atinjam uma votação mínima .
Aproveitamento da base de apoio no Congresso por parte do Executivo. Os governantes se empenham para obter maioria no Congresso, mas, quando a conseguem, não a utilizam para o que mais importa: aprovar as reformas fundamentais para modernizar o país.
Sobram boas ideias para mudar a política no Brasil. O maior obstáculo, porém, é que também não falta quem daria tudo para manter as coisas como elas são.
FONTE: REVISTA VEJA
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