Benefício de Natal poderia ir para pelo menos três réus do mensalão, avaliam
procuradores
Vinicius Sassine
UM JULGAMENTO PARA A HISTÓRIA
BRASÍLIA - Integrantes do Ministério Público que tentam limitar o alcance do
indulto - o perdão da pena a partir de uma decisão do presidente da República -
temem que os próximos decretos presidenciais beneficiem réus do mensalão
condenados à prisão. Um grupo de promotores de Justiça e procuradores da
República propôs ao Ministério da Justiça a proibição para conceder indulto a
condenados por corrupção, lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema
financeiro nacional, principais acusações debatidas na ação penal do mensalão
em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Réus presos por esses crimes
podem ser indultados em casos de penas inferiores a 12 anos de reclusão. Os
decretos preveem ainda reduções gradativas das penas, as chamadas comutações.
Diante das enormes chances de prisão a partir das condenações no STF,
promotores e procuradores que integraram um grupo de trabalho constituído no
Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) apontam chances reais de réus do
mensalão serem beneficiados com o perdão presidencial.
O indulto é uma atribuição do Executivo. A cada fim de ano, o presidente
publica um decreto em que garante o perdão ou a redução da pena, com base em
critérios definidos pelo próprio governo. Primeiro, o Conselho Nacional de
Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) - vinculado ao Ministério da Justiça
- recebe sugestões em audiências públicas e elabora uma minuta do decreto. O
documento, então, é encaminhado ao ministro da Justiça, que o remete à Casa
Civil da Presidência. Ao fim do debate, o presidente publica o decreto em
dezembro, em alusão ao Natal.
O decreto atual - o primeiro assinado pela presidente Dilma Rousseff e pelo
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo - permite que presos condenados a até
oito anos de detenção sejam indultados, desde que tenham cumprido um terço da
pena. Pessoas sentenciadas a penas entre oito e 12 anos também podem receber o
benefício, caso o crime tenha sido praticado "sem grave ameaça ou
violência". Há ainda possibilidades de perdão seguindo critério de idade
ou a necessidade de tratamento médico.
Medida vem sendo flexibilizada
Os decretos presidenciais passaram a abarcar cada vez mais possibilidades de
perdão de pena ao longo dos anos. Em 2002, o último ato do presidente Fernando Henrique
Cardoso permitiu indulto a condenados a menos de seis anos de prisão e vetou o
benefício a sentenciados por crimes contra o sistema financeiro. Já o primeiro
decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, permitiu o indulto no
caso de crimes contra o sistema financeiro. O então ministro da Justiça, Márcio
Thomaz Bastos, assinou o decreto junto com Lula. Hoje, Bastos é advogado do
ex-diretor do Banco Rural José Roberto Salgado, já condenado pelo STF por
gestão fraudulenta - um crime contra o sistema financeiro. Em 2010, o benefício
foi estendido aos presos que cumpriram um terço de penas de até 12 anos.
Três casos analisados pelos procuradores, com base no decreto vigente e nos
indicativos de pena já apontados no julgamento do mensalão, mostram como os
réus podem se beneficiar.
Presidente nacional do PTB e delator do esquema de compra de votos no
Congresso, Roberto Jefferson seria indultado automaticamente, em caso de
condenação a pena privativa de liberdade. O atual decreto prevê perdão a presos
que "exijam cuidados contínuos que não possam ser prestados no
estabelecimento penal". O ex-deputado enfrenta um câncer no pâncreas. A
pena do deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP), condenado por corrupção
passiva, peculato e lavagem de dinheiro, pode ser inferior a 12 anos, o que o
habilitaria ao indulto.
É também o caso do ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique
Pizzolato, condenado pelos mesmos crimes. A dosimetria aplicada pelo ministro
Cezar Peluso, que se aposentou em meio ao julgamento, indica uma pena de 12
anos e um mês de reclusão em regime fechado. Se o plenário reduzir minimamente
essa pena, Pizzolato poderá ter perdão de dois terços do tempo.
O procurador da República no Rio Luiz Fernando Voss, que integrou um grupo
de trabalho no CNMP responsável por fazer sugestões para o decreto
presidencial, cita o caso do ex-banqueiro Salvatore Cacciola. Ele recebeu o
indulto da Vara de Execuções Penais do Rio neste ano por ter mais de 60 anos e
por ter cumprido um terço da pena de reclusão. Cacciola, protagonista do
escândalo do Banco Marka, foi condenado a 13 anos de prisão por crimes contra o
sistema financeiro nacional. A sentença está extinta.
- Os decretos sempre mudam para facilitar a concessão do indulto, para
favorecer os apenados - diz Luiz Fernando.
O procurador regional da República Douglas Fischer, com atuação no Rio
Grande do Sul, afirma haver "muitos casos de indultados condenados por
corrupção". O Ministério da Justiça não tem dados estatísticos de indultos
por tipo de crime.
- É possível que réus do mensalão sejam beneficiados por indulto. As chances
são muito grandes, inclusive de progressão da pena - afirma Fischer, que
auxiliou o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, com um estudo sobre a
responsabilização de réus em casos de provas indiretas de participação no
crime.
O procurador da República Daniel de Resende Salgado, com atuação no estado
de Goiás, concorda com a "grande possibilidade" de os réus do
mensalão cumprirem apenas uma parte da pena.
- A presidente da República assina compromissos internacionais de combate à
corrupção e a crimes contra o sistema financeiro, mas passa um sinal contrário
à sociedade quando indulta esses crimes - critica o procurador Daniel Salgado.
FONTE: O GLOBO
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