Apesar de o Brasil ser grande exportador de milho, parte de rebanho do Nordeste está morrendo de fome. Com a safra de soja à plena carga e estradas em péssimas condições, caminhoneiros se recusam a levar o milho para o Nordeste. Tem sido mais fácil atravessar 17 mil km de oceano até a China que transpor 3,5 mil km entre Sorriso (MT) e Recife (PE).
É mais fácil levar milho para a China do que para Recife
Com o apagão logístico, faltam caminhões para levar o produto da região Centro-Oeste para o Nordeste para alimentar os rebanhos
Renée Pereira
Enquanto o Nordeste vê parte de seu rebanho ser aniquilada por falta de comida, numa das piores secas da região, o Brasil se transforma no maior exportador de milho do mundo. A situação, que à primeira vista pode parecer um contrassenso, é mais um efeito devastador do caos logístico que assola o País. Produto há. O que não tem é transporte para levar o milho do Centro-Oeste para o Nordeste.
Hoje, apesar dos enormes congestionamentos nos portos, tem sido mais fácil atravessar 17 mil km de oceano até a China do que transpor 3,5 mil km entre Sorriso (MT) e Recife (PE), por exemplo. Com a safra de soja à plena carga e estradas em péssimas condições, os caminhoneiros se recusam a levar o milho até as cidades nordestinas. Quando raramente aceitam, o preço do frete dobra o valor do produto.
Uma das justificativas, além das deficiências da malha rodoviária, é que no transporte até os portos, o caminhão vai com soja e volta com fertilizantes, por exemplo. Para o Nordeste, além de gastar entre 8 e 10 dias (dependendo da cidade) de viagem, a carreta sobe cheia, com milho, e volta vazia. "Junta-se a isso a nova lei dos caminhoneiros, que reduziu a carga horária dos profissionais e, consequentemente, diminuiu a frota de veículos disponível para o transporte no Brasil", afirma o presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Cesário Ramalho.
Para tentar resolver o problema no Nordeste, a Conab, do Ministério da Agricultura, decidiu fazer três leilões para aquisição do produto, com cláusulas que obrigam o vendedor a entregar o produto na região. No primeiro, realizado no fim de março, o governo comprou 50 mil toneladas de milho por R$ 43 a saca - em Campinas, uma das referências nacionais, o preço é de R$ 25.
Na quarta-feira, a Conab promove outro certame para 103 mil toneladas de milho, que deverão ser entregues nos portos do Nordeste. A expectativa é usar a cabotagem parà fazer o transporte. "Neste caso, vamos fazer uma doação aos Estados que poderão vender o produto a R$ 18,12 a saca", afirma o diretor de Operações e Abastecimento da Conab, Marcelo de Araújo Melo. Ele completa que ainda haverá outro leilão para compra de mais 70 mil toneladas nos moldes da primeira disputa. "O governo está sendo ágil. Agora precisamos rezar para chover."
Mais caminhões. Na opinião dos produtores locais, será preciso muito mais para resolver os problemas. "Só entre os pequenos produtores a demanda é de 300 mil toneladas de milho", afirma o presidente da Associação Cearense de Avicultura, João Jorge Reis. Para ele, a situação tende a piorar daqui para frente, se não chover na região. Com a produção de soja sendo escoada para os portos e o início da safra de açúcar, a demanda por caminhões vai aumentar. "Seremos duplamente sacrificados, ou pelo aumento do preço do frete ou pela falta do produto."
Ele explica que durante muitos anos o Nordeste foi abastecido pela importação de milho da Argentina, de 15 em 15 dias. A partir de 1995, a compra foi suspensa e os produtores passaram a adquirir milho do Centro-Oeste. Em 2007, essa parceria terminou. "O governo parou de comprar milho e fazer estoque. Agora estamos nessa situação." A solução apresentada por Reis e por Ramalho, da SRB, é voltar a importar milho do país vizinho, apesar de os produtores de grãos terem o produto estocado.
"Não temos condições de transportar o produto dentro do Brasil por caminhões nem levar pelos portos. Na Argentina, os terminais não estão sob tanta pressão. Será mais fácil e barato (trazer o milho)", diz Ramalho. Mas a decisão não é bem aceita pelo governo, já que representaria um desgaste político muito grande explicar por que importar um produto que o Brasil tem em estoque.
O presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), Alysson Paolinelli, defende a adoção de políticas públicas que permitam o aumento da produção do grão no Nordeste para reduzir a dependência da região de outros Estados. "Já apresentamos sugestão completa para o Ministério da Agricultura. Hoje o Mato Grosso produz cerca de metade da safra nacional."
O desabastecimento do Nordeste é reflexo da falta de rotas alternativas para escoar a safra agrícola brasileira. Sem ferrovias e hidrovias suficientes e baixa oferta de cabotagem (transporte interno de navio pela costa brasileira), a única alternativa é transportar os grãos por caminhão, em rodovias precárias, afirma o coordenador do Movimento Pró-Logística de Mato Grosso, Edeon Vaz Ferreira.
"No momento em que tivermos mais hidrovias, a BR-163 concluída ou uma nova regulamentação para a cabotagem, o caminho para o Nordeste ficará menos restrito", avalia o especialista. Ele acredita que o plano do governo de levar o milho do segundo leilão (103 mil toneladas) por navio para o Nordeste pode ser comprometido pela falta de oferta e elevado custo.
Falta de rotas alternativas agrava desabastecimento
Pela regra atual, diz Ferreira, o custo de uma carga do Rio Grande do Sul até o Nordeste feito por cabotagem é o mesmo de uma viagem de Santos à China.
A solução apresentada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) ao Ministério da Agricultura é a construção de dois grandes armazéns na região, com capacidade para 100 mil toneladas cada.
O presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), Alysson Paolinelli, aposta nas hidrovias para reduzir os estragos que a infraestrutura provoca no agronegócio. "Com a construção de duas eclusas, a hi-drovia Araguaia-Tocantins ajudaria bastante."
Fonte: O Estado de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário