É muito triste para o analista acompanhar o debate atual sobre a política monetária do Banco Central (BC). Este sentimento nasce principalmente em função da volta da inflação para o centro das discussões, depois de mais de dez anos de esquecimento por parte da sociedade. Esta nossa sensação de "déjà vu" fica reforçada pelo aparecimento de velhos protagonistas de corte heterodoxo - com suas mesmas ideias e soluções do passado - ao lado de novos economistas liberais, com os mesmos erros e utopias de seus colegas mais velhos. Ou seja, em mais de 30 anos, os membros destes dois grupos não esqueceram nada, mas também não aprenderam nada de novo.
Como escrevi acima, considero um retrocesso voltar à questão da inflação nos termos que vêm sendo colocados pela mídia, aqui e no exterior. Em um extraordinário trabalho a quatro mãos, os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula conseguiram convencer a sociedade brasileira que a estabilidade de preços é uma condição absolutamente necessária para que o crescimento econômico seja perene. Mais do que isto, que para atingir este objetivo é preciso ter um Banco Central comprometido com uma meta clara para a inflação e com um mínimo de independência para persegui-la ao longo do tempo.
Não serão só medidas clássicas como a alta da Selic que vão tirar os preços da perigosa trajetória atual
Aliás, é bom lembrar que foi por conta deste compromisso que a economia brasileira cresceu continuadamente entre 1994 e 2008, apesar das crises que enfrentamos. Nestes 14 anos, a renda real do brasileiro cresceu mais de 3,5% ao ano e a parcela da sociedade que vive na economia de mercado passou de 34% para mais de 60%. Um resultado incrível e que ganhou reconhecimento internacional. Pensava eu que, por isto, estivessem sepultadas de vez as teorias alternativas que sempre fizeram parte do programa de ação do Partido dos Trabalhadores e de parte da esquerda brasileira.
Também por isso me surpreendeu quando a presidenta Dilma começou a deixar de lado este compromisso com o aparecimento de alguns entraves ao crescimento da economia. Ela não percebeu que o problema tinha sua origem em questões estruturais não enfrentadas adequadamente nos anos Lula e no início de seu mandato. No começo, estas mudanças foram sutis, mais relacionadas a intervenções pontuais do governo. Mas, a partir da frustração com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado, as ações passaram a ser mais abrangentes, enfraquecendo o arcabouço macroeconômico que havia prevalecido até então.
Nos anos Lula o governo considerava os mercados como um instrumento de ação do governo na busca da geração de renda para, a partir daí, alterar a natureza da distribuição dos frutos do crescimento. De certa forma, o governo Lula utilizou-se da mesma estratégia que os chineses desenvolveram nos últimos anos para construir uma nova economia.
Já a presidenta Dilma colocou a ação do governo como peça central da política econômica, sujeitando a ação privada a um papel apenas complementar e secundário. Ao fazer isto recolocou o ideário do PT tradicional - e também do PDT brizolista - novamente no comando de suas ações. Daí o teor de suas declarações recentes de que não concorda com a utilização dos juros como instrumento de redução do consumo privado no combate à aceleração da inflação. E foi mais longe ainda, ao resgatar a antiga e desgastada imagem do remédio matando o paciente.
Mas vamos também olhar de forma crítica para o outro lado do espectro ideológico e que procura vender a imagem de que estamos próximos a um total descontrole da inflação. O gráfico abaixo mostra, de forma clara, dois momentos distintos dos números do IPCA nos últimos anos. No primeiro, que corresponde à passagem do ponto A para o B, temos um período de desinflação em função da valorização do real e da existência de espaços produtivos ociosos no tecido econômico, como o índice de desemprego de dois dígitos. Por isto a inflação chega a ficar momentaneamente abaixo do centro da meta do BC entre 2006 e 2007.
Já entre B e C temos um período em que pressões inflacionárias por conta da ocorrência de vários choques externos - câmbio e commodities - em um ambiente de redução rápida dos espaços ociosos na economia, levam a inflação a mais de 6% ao ano.
Em resumo, nos últimos anos, mesmo durante o período de um Banco Central ortodoxo e com liberdade de ação, a inflação no Brasil nunca ficou abaixo dos 5% ao ano por um período mais longo. Um sinal claro de que não conseguimos sair da armadilha de um sistema de preços indexados à inflação passada e, portanto, ultrassensível a choques externos de oferta. Por isto, quando voltamos agora a uma situação limite e perigosa, temos que buscar uma política de combate a inflação menos rudimentar do que a proposta pelos dois lados do espectro ideológico que domina o debate econômico nestes dias.
Não serão apenas medidas clássicas como a elevação da taxa Selic que vão tirar a dinâmica de aumento de preços da perigosa trajetória atual. Temos que voltar os olhos ao Plano Real e buscar na sua agenda um conjunto abrangente de medidas de política econômica.
Luiz Carlos Mendonça de Barros - engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações
Fonte: Valor Econômico
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