Como é de sua índole, os ‘desenvolvimentistas’ fizeram uma aposta voluntariosa, arriscada, numa política de expansão do consumo, e o país perdeu, como demonstram diversos índices
Propícia a avaliações do ciclo de 12 meses que se encerra e adequada a estimativas e desenhos de cenários para o que se abre, esta época do ano também é período, em função do calendário religioso, adequado à renovação de esperanças. Um momento, em geral, de otimismo.
Mas espíritos materialistas, hiper-realistas, costumam questionar se uma simples volta completa do planeta em torno do Sol é capaz de inspirar mudanças — para melhor ou pior — nos seres humanos e instituições. Qual a diferença, questionam, para a vida de todos, ser 31 de dezembro ou, por exemplo, 8 de janeiro?
Neste sentido, de fato seria mais pragmático acompanhar como se desdobraram os processos durante 2013 para projetá-los 2014 adentro, considerando eventos previstos para o Ano Novo.
Como o de ser 2014 um ano eleitoral, e que, por isso, patrocinará a fusão, mais do que nunca, da pauta econômica com a agenda política.
Cabe lembrar o antigo princípio de que período de eleição corresponde a um salto no crescimento da economia, devido à injeção de dinheiro público patrocinado pelos governos para atrair votos — apesar das normas reguladoras existentes na legislação eleitoral para coibir esta e outras manobras clientelísticas clássicas.
As projeções de analistas do mercado já preveem este “efeito-clientela”. Mas a conjuntura econômica não é muito favorável a voos mais elevados do PIB, limitados a rasantes 3% ao ano. (Este é um dos aspectos em torno dos quais não faz muito diferença estarmos em dezembro de 2013 ou março de 2014.)
Não que o determinismo histórico seja bom conselheiro. Acontece que 2013 marcou a falência do modelo engendrado pelo grupo “desenvolvimentista” que começou a assumir o núcleo do poder no fim do primeiro governo Lula, com a saída de Antonio Palocci da Fazenda e o enfraquecimento de Henrique Meirelles, no Banco Central. A direção da companhia, lembremo-nos, passou para a Casa Civil de Dilma Rousseff, com a partida do mensaleiro José Dirceu.
Baixo crescimento, inflação elevada — consequência de um mercado de trabalho artificialmente aquecido, via gastos públicos desregrados —, e déficit externo são resultado do “novo marco macroeconômico” implementado sob o comando da economista Dilma. Deu no que era possível dar uma política de expansão via consumo, consequentes magros investimentos, função de uma exígua taxa de poupança e gastos públicos em custeio excessivos — estas duas contingências relacionadas entre si.
Reconheça-se que a presidente e candidata à reeleição admitiu, em alguma medida, a falência da sua receita. Afinal, consumo sem que a oferta interna seja ampliada por investimentos gera, como sempre se soube, inflação e déficit externo. É o que acontece. Bom sinal que a presidente tenha enfrentado a postura antiprivatista do PT e começado a tornar os leilões de concessão mais atrativos. Não importa que jamais reconheça que errou, desde que, como afirmou JK, demonstre “não ter compromisso com o erro”.
Em 2014, analistas e as agências de avaliação de risco de países e empresas continuarão a acompanhar com lupa o comportamento fiscal do governo brasileiro. Mesmo que se saiba que será expansionista, em função das urnas, analistas e agências buscarão sinais sobre se o discurso de alguma seriedade no manejo da política fiscal é mesmo para valer. Até agora não tem sido.
Disso dependerá a formação ou não da “tempestade perfeita”, temida até por economistas simpáticos ao Planalto: a coincidência entre a perda do “grau de investimento”, concedido por agências ao Brasil em 2008, com o consequente aumento da pressão pela desvalorização do real, e o andamento da já iniciada retirada dos bilionários estímulos monetários à economia americana, cujo efeito sobre a moeda brasileira é idêntico. O resultado desta “tempestade” serão mais pressões inflacionárias, pela via da desvalorização cambial, contra as quais o BC terá de continuar a elevar os juros, já de volta aos dois dígitos (10%). A situação preocupa, pois o IPCA só está em “apenas” 6% porque o governo arrocha artificialmente os preços de combustíveis e contém, da mesma forma, tarifas públicas. Não é aconselhável fazer o mesmo em 2014, sob o risco de aumentar ainda mais a já preocupante herança tarifária maldita para quem assumir em 1º de janeiro de 2015. Inclusive a atual presidente.
Como o Brasil de Dilma caiu na surrada armadilha de permitir “um pouco mais de inflação” para obter “um pouco mais de crescimento”, foi apanhado no contrapé de uma inflação muito alta pelo mais que esperado recuo americano nos estímulos monetários internos, de inexoráveis efeitos externos.
Vários outros países (México, Peru, Chile), em que a elevação dos preços é bem mais modesta, podem, agora, executar uma política monetária menos apertada, mesmo com a desvalorização de respectivas moedas. Ou seja, crescer mais. Deu errado para o Brasil, porque fez uma aposta míope, voluntariosa, como é da índole do “desenvolvimentismo”.
No plano político, por sobre este complexo quadro econômico, e que pode ser condicionado por ele, decide-se nas urnas a continuidade de um projeto de poder histórico, que pode vir a ser o mais extenso da República, em anos consecutivos —16, um a mais que Getúlio Vargas (1930-45). Com o primeiro mandato de Dilma, PT e satélites completarão 12 anos no Planalto, dos 29 de democracia desde o fim da ditadura militar, quatro a mais que a Era tucana.
Justiça se faça, ao contrário de Getúlio, caso vença Dilma as eleições, os 16 anos que se completarão em 2018 de PT e ecléticos aliados no Planalto serão todos vividos na democracia, em que pesem atentados desfechados contra ela, como no mensalão, em que a vontade dos eleitores passou a ser contrariada no Congresso em troca de favores pecuniários pagos por dinheiro público desviado. Mas o Poder Judiciário, por meio do Supremo, cumpriu a missão de defender a Carta ao condenar poderosos, até trancafiando alguns, algo de importância para além da história da própria República.
Aliás, o julgamento do mensalão é um daqueles casos que abalam os métodos “científicos” dos deterministas que consideram a História simples encadeamento de equações. Quem esperaria que um Supremo com a maioria dos ministros nomeados por Lula e Dilma carimbaria o currículo do PT com enorme mancha ética?
Porém, mesmo considerando a sempre constante possibilidade do imponderável, 2014 não será um ano qualquer, por misturar na mesma agenda ingredientes-chave políticos, eleitorais e econômicos. Será um período especial de teste para as instituições republicanas.
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