- O Estado de S. Paulo
Deixo provisoriamente de lado o assunto corrupção para recapitular um pouco dos últimos anos e suscitar algumas questões que suponho sejam do interesse de todos os leitores.
Em 2009-2010, em dobradinha com Luiz Inácio Lula da Silva, o dr. Henrique Meirelles manteve a economia brasileira superaquecida; o objetivo, mais que evidente, era garantir a eleição da sra. Dilma Rousseff e proporcionar-lhe uma boa bancada de apoio no Congresso Nacional.
Iniciado o governo da sra. Dilma em janeiro de 2011, a retração econômica viriapar la force des choses, como se costuma dizer. Mas a sra. Dilma Rousseff e seu bravo escudeiro no Ministério da Fazenda, o dr. Guido Mantega, não receberam com alegria a ideia de serem atropelados pela força das coisas. No entender deles, a saída estava ao alcance da mão: bastava turbinar o consumo, dando rédea solta ao crédito, achatando os juros e despejando uns tantos bilhões em alguns setores-chave, a começar pelo automobilístico. Essa fórmula tão simples – que Dilma Rousseff até tentou explicar à primeira-ministra alemã, Angela Merkel... – reporia o Brasil na trajetória do crescimento e impediria o aumento do desemprego, preocupação socialmente bondosa e eleitoralmente mais que louvável.
Cortar gastos de custeio ou investimentos que ela mesma, a presidente da República, considera urgentes e de alta qualidade equivaleria a passar recibo de herege, logo ela, que, em tais assuntos, parece sentir-se diretamente inspirada por uma luz divina. De sua boca não sairiam as seis heréticas letras da palavra “ajuste”; que as pronunciasse o cavalheiro que ousou enfrentá-la na disputa presidencial de 2014. A “força das coisas” deu finalmente o ar de sua graça: milhões de brasileiros antes estimulados a ascender ao paraíso da “classe média” de lá retornaram com muitos carnês para pagar e o rabo entre as pernas.
E eis senão quando, nesse cenário concebido para não ter defeitos, de repente irrompeu um pequeno problema: certos “malfeitos”, como o Lula costuma dizer, escapuliram do local onde haviam sido ocultados, nos porões da Petrobrás. A força das coisas não é de aparecer a qualquer momento, mas consegue ser bem cruel quando aparece. Não foi preciso fuçar muito para se determinar que os “malfeitos” na Petrobrás foram meticulosamente urdidos durante o governo Lula e executados, em sua maior parte, quando a sra. Dilma Rousseff, uma competência administrativa cantada em prosa e verso, presidia o Conselho de Administração da grande estatal brasileira.
Do restante da história todos se lembram, não cometerei o despropósito de o relembrar. Passo, pois, às indagações a que me referi no início – e de antemão peço desculpas pelo aborrecimento que elas possam causar a meus eventuais leitores.
A primeira eu tomo emprestada de Francelino Pereira, um piauiense que governou Minas Gerais: “Que país é este?”. Ou, para ser mais preciso, que raio de país é este onde a sociedade inteira assiste passivamente ao sr. Lula e à sra. Dilma, movidos por sua gana de poder e pela busca da vitória eleitoral a qualquer preço, fazendo e desfazendo o que bem entendem?
Escrevi “a sociedade inteira”, mas apresso-me a fazer uma correção. A obrigação de dar um basta a disparates, ao desprezo pelos alertas que os economistas não se cansaram de fazer e a não poucas ilegalidades – essa obrigação cabe, em primeiro lugar, ao Congresso Nacional, aos partidos políticos e às elites. Sobre a inépcia do Congresso Nacional e dos partidos no período a que me estou referindo, creio que nada mais há a dizer. Digamos só que foi (tem sido) patética.
E as elites do País?
Os petistas que me perdoem: não posso desperdiçar o espaço de que disponho discutindo o sexo dos anjos, como eles gostam de fazer a propósito desse conceito. Qualquer pessoa alfabetizada e disposta a argumentar honestamente sabe que não há no Brasil uma elite aristocrática, inacessível, muito menos uma elite fechada, oculta, permanentemente ocupada em conspirar contra sabe-se lá o quê.
Elite, no Brasil, é o ápice para o qual convergem os indivíduos que mais se destacam na sociedade, uns poucos em razão de sua renda ou seu patrimônio, a vasta maioria por exercer funções hierárquicas elevadas em diferentes instituições ou organizações: empresários e líderes sindicais, desde logo, mas também a alta administração civil e militar, os principais jornalistas e editores, os professores universitários, os intelectuais mais produtivos, os clérigos mais altos das diferentes denominações e outros mais.
O que pergunto é, pois: que raio de país é este em que os integrantes de tais grupos não percebem ou aceitam passivamente o aviltamento da democracia, a dilapidação de recursos públicos numa escala astronômica e uma operação cuidadosamente planejada para subtrair recursos de uma empresa respeitada, por pouco não a levando à bancarrota?
A passividade dos grupos mencionados, o fato de levarem a vida como se habitassem um arquipélago, cada um em seu pequeno paraíso tropical; o desinteresse pela destinação dos impostos que pagam – tudo isso causa espanto.
Salta aos olhos que a imensa maioria fala de menos. E uns poucos, convenhamos, falam demais.
Onde é que já se viu, numa democracia, um integrante da Suprema Corte – falo do ministro Ricardo Lewandowski – se dirigir aos cidadãos como conselheiro político: “Devagar com o andor, minha gente, esse negócio de impeachment pode levar a um golpe!”.
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Bolívar Lamounier é sócio-diretor da Augurium Consultoria, é autor de ‘Tribunos, profetas e sacerdotes’ (Companhia das Letras, 2014)
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