- O Estado de S. Paulo
Com reservas de US$ 370 bilhões, o Brasil tem pelo menos um bom colete de segurança para continuar flutuando, por algum tempo, se uma nova tempestade assolar os mercados internacionais.
Em recessão, com as contas públicas em frangalhos, inflação elevada e crédito reduzido ao grau especulativo pelas principais agências de classificação, o País precisa de uma dose incomum de seriedade, competência e prudência na condução da política econômica. Seria uma irresponsabilidade – e mais uma demonstração de inépcia – meter a mão naqueles dólares para formar um “fundo nacional de desenvolvimento e emprego”, mais uma bobagem concebida e gestada na cúpula do PT.
Até o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, falou contra essa proposta, apesar de sua proximidade com o partido, de seu envolvimento na formulação da desastrosa “nova matriz econômica” e de sua participação em algumas das piores decisões da presidente Dilma Rousseff. “Neste momento de maior turbulência financeira, é muito importante”, disse ele, “ter elevado estoque de reservas internacionais. Isso tem dado mais estabilidade financeira e cambial ao Brasil.” O ministro fez esse comentário na sexta-feira, na China, onde participava da reunião do Grupo dos 20 (G-20). Turbulência para valer ainda é, de fato, uma hipótese, mas a resposta foi essencialmente sensata.
O cenário internacional ainda tem mais nuvens do que tempestade, mas o Brasil é especialmente vulnerável a qualquer novo choque. Ainda na sexta-feira o Banco Central (BC) divulgou o relatório mensal das contas do setor público. Em janeiro o resultado primário, isto é, sem os juros, é normalmente positivo. Desta vez, esse resultado foi um superávit de R$ 27,9 bilhões. Isso se explica em parte pelo desempenho ainda positivo de Estados e municípios, mas principalmente por uma receita extra de R$ 11,4 bilhões, obtida com as concessões de hidrelétricas leiloadas no fim do ano. No governo central, a arrecadação dos tributos administrados pela Receita Federal foi 4,8% menor, descontada a inflação, que a de um ano antes. Isso é um claro reflexo da recessão funda e prolongada.
Mas o real desastre das contas públicas fica mais visível quando se examinam os números acumulados em 12 meses. Incluídos os juros, o déficit de todo o setor público chegou a R$ 644,4 bilhões, ou 10,82% do produto interno bruto (PIB). A média nos países da Europa, sete anos depois do estouro da bolha financeira, é inferior a 3%. Embora lentamente, esses países continuam em recuperação. Nos Estados Unidos a mais nova estimativa aponta um crescimento econômico de 2,4% em 2015, com perda de impulso no trimestre final.
A maior parte das economias desenvolvidas – e das emergentes e em desenvolvimento – tem avançado mais que a brasileira em todas as frentes. Pela medida mais ampla, a Pnad Contínua, o desemprego no Brasil estava em 9% no período de setembro a novembro, taxa superior à da maior parte dos membros do G-20. As demissões no Brasil, segundo todos os indícios, devem ter aumentado nos últimos meses e muitos analistas projetam taxas maiores que 10% em 2016.
Com déficit consolidado acima de 10% do PIB e dívida bruta a caminho de 70% e de níveis ainda mais altos nos próximos meses, o setor público brasileiro tem pouco espaço para políticas de estímulo ao crescimento. Além disso, com seus papéis classificados como lixo – junk bonds – pelas três maiores agências, a Standard & Poor’s, a Fitch e a Moody’s, o governo brasileiro deve encontrar maior dificuldade para refinanciar a dívida pública. Mesmo sem essa limitação, a perspectiva de novos aumentos de juros nos Estados Unidos complicaria o acesso ao mercado.
Não se resolvem problemas desse tipo com truques ou voluntarismo. Ao contrário: qualquer imprudência poderá tornar ainda mais difícil a rolagem da dívida pública brasileira e aproximar o País do risco de uma nova crise de insolvência, com enormes custos econômicos e sociais. É longo o histórico brasileiro de irresponsabilidades e de erros desse tipo. Pessoas com um grau razoável de informação e de bom senso deveriam ter aprendido algo sobre isso.
É tolice pensar em políticas de estímulo semelhantes à aplicada em 2009-2010. A condição fiscal do País era bem melhor naquele momento. Mas foi certamente um erro, com efeitos desastrosos nas contas públicas, manter aquela política em 2011 e nos anos seguintes – até porque a maior parte dos estímulos beneficiava uma clientela selecionada. Além disso, o efeito dessa política sobre o investimento foi muito limitado, como atestam as contas nacionais do IBGE.
Uma política mais inteligente de concessões na área de infraestrutura poderá resultar em mais investimentos e mais empregos. Novos critérios para a exploração de petróleo, com a desobrigação da Petrobrás de participar de todo projeto com um aporte de 30%, servirão para desatar os empreendimentos no setor. É infantil insistir no papel especial da Petrobrás quando a empresa, saqueada e empobrecida, é forçada, por falta de dinheiro, a restringir seus planos.
Reduzir a burocracia, simplificar os negócios e trabalhar pela abertura de mercados pode facilitar o aumento da exportação e dinamizar vários segmentos da indústria.
Há políticas conhecidas e provadas para vencer a estagnação, mas para implantá-las o governo precisa ganhar credibilidade e mostrar liderança. O primeiro passo é propor uma estratégia séria para o conserto das contas públicas. Isso permitirá, adiante, uma redução segura dos juros, sem risco de repetição da bobagem cometida em agosto de 2011, quando se iniciou uma redução voluntarista da taxa básica. Esse erro abriu espaço para o aumento da inflação nos anos seguintes. As perspectivas seriam menos assustadoras se a presidente Dilma Rousseff desse algum sinal de haver aprendido com os erros e desastres. Nenhum sinal desse tipo surgiu até agora.
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