Deve sair do forno nos próximos dias a Medida Provisória (MP) que pretende deslanchar o processo de concessões de infraestrutura. O governo de Michel Temer lançou o programa Crescer em setembro, com uma ambiciosa relação de concessões, incluindo quatro aeroportos, três ferrovias, duas rodovias e dois portos na área de logística; três empresas estaduais de saneamento básico; além de três usinas hidrelétricas, distribuidoras e campos de petróleo e gás em energia. Mas nada saiu do papel, com exceção das recentes licitações bem-sucedidas de linhas de transmissão.
As concessões feitas no governo de Dilma Rousseff na área de logística deixaram sequelas que dificultam o avanço do novo programa e a conclusão da MP, que está na sua 25ª versão. Tudo indica que a MP vai tentar resolver esses esqueletos para abrir caminho aos futuros investimentos. Um dos maiores problemas está na área de aeroportos. No leilão feito por Dilma saía vitorioso quem oferecesse o maior valor de outorga. Houve lance de até 673% acima do mínimo exigido, valor hoje considerado inviável.
As operadoras dos aeroportos estão com dificuldades de manter em dia seus compromissos, alegando que o tráfego esperado não se confirmou em consequência da crise econômica e que foram obrigadas a assumir obras da Copa que cabiam à Infraero, que é dona de 49%. Além disso, algumas delas estão com problemas de caixa devido ao envolvimento nas investigações da Operação Lava-Jato. Juntas, devem R$ 2,4 bilhões para a União só com o pagamento de outorgas.
Há problemas também nas rodovias cujos concessionários se comprometeram com melhorias, que não estão sendo compensadas pela receita dos pedágios diante do baixo nível de atividade. No caso dos portos, o problema é mais antigo. Há pressão para a prorrogação de contratos vencidos, o que daria sobrevida aos acordos fechados antes da Lei dos Portos, de 1993. Mas essa proposta não deve ser incorporada, apurou o Valor, até porque o Programa de Investimento em Logística (PIL) previa o arrendamento dessas áreas após uma aglutinação em espaços maiores.
Tantas pendências assustam especialmente os investidores estrangeiros, com os quais o governo conta para pôr em pé as concessões, ao lado das empresas médias brasileiras, dado o comprometimento das grandes empreiteiras na Lava-Jato. Os estrangeiros estão especialmente preocupados com a judicialização das concessões e a demora das soluções na Justiça, como sentiu o governo nas apresentações que fez no exterior.
A MP deve prever o recurso às arbitragens para resolver questões polêmicas, com a participação de representantes do governo, do setor privado e observadores independentes. Acredita-se que essa é uma saída especialmente desenhada para as concessões de aeroportos, mas poderá também facilitar a negociação de disputas em outros casos. O receio é que leve as concessionárias a concluir que, com alguma pressão, o governo flexibilize as regras.
A arbitragem também será usada para viabilizar a relicitação, considerada alternativa para levar adiante concessões que empacaram por falta de recursos do administrador. A previsão da relicitação na MP vai dar garantia ao processo, já previsto em outras normas. A transferência de comando deverá ser negociada por meio da arbitragem, que vai definir o valor da indenização ao concessionário original quando houver desacordo. Outros pontos da MP preveem o prolongamento dos contratos de rodovias para a inclusão de obras não previstas e sem verbas previstas; e renovação dos contratos de ferrovias com a adoção de novas condições, como permitir a passagem de trens de outras empresas pela via.
A expectativa do governo é que a MP quebre as resistências dos investidores estrangeiros, que têm participado menos das concessões de infraestrutura nos últimos anos. Levantamento da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica mostra que os estrangeiros entraram com 45,5% do total de R$ 156,9 bilhões anunciados para obras de infraestrutura de 2010 a 2013. Entre 2014 e o primeiro semestre de 2016, sua participação caiu a 29,1% e R$ 50,7 bilhões.
No caso dos estrangeiros, há ainda a questão do risco cambial, representado pelo descasamento da receita em reais e o capital em moeda estrangeira investido; e, de um modo geral, prevalece a dúvida a respeito das fontes de financiamento, diante das restrições fiscais que reduziram a atuação do BNDES.
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