Motivado, segundo suas próprias palavras, pela necessidade de “prestar alguns esclarecimentos”, o juiz Sérgio Moro, principal responsável pelos julgamentos dos réus da Lava Jato na primeira instância, deu uma importante entrevista a Fausto Macedo e Ricardo Brandt, do Estado, na qual afirmou que o foco da Lava Jato “não tem sido propriamente o caixa 2 de campanhas eleitorais, mas o pagamento de propinas na forma de doações eleitorais registradas ou não registradas, ou seja, crime de corrupção”. Esse era o esclarecimento que se fazia mais necessário ante a perspectiva de se confundir uma situação que envolve indistintamente todos os partidos políticos – o financiamento eleitoral com dinheiro de empresas – e o crime de corrupção disfarçado de doação eleitoral efetuada por empreiteiras para partidos, em especial os que estavam no governo.
Nunca é demais enfatizar a clara diferença entre uma coisa e outra. No primeiro caso, partidos da situação e da oposição eram, até pouco tempo atrás, fartamente financiados por empresas muito interessadas em eventuais favores que seus financiados pudessem fazer uma vez eleitos. Tratava-se, obviamente, de captura do poder político por pessoas jurídicas – que, por definição, não são eleitores –, razão pela qual a prática foi felizmente abolida pelo Supremo Tribunal Federal. A despeito do caráter evidentemente nocivo para a democracia, não havia crime nessa prática.
Mesmo assim, em tempos de escandalosas delações e de pânico generalizado sobre novas listas de políticos e partidos eventualmente envolvidos na Lava Jato, corre-se o risco de considerar todos os beneficiários de doações eleitorais de empreiteiras como sendo partes integrantes do esquema criminoso genericamente chamado de “petrolão”. Ora, se assim fosse, não restaria pedra sobre pedra no sistema político-partidário nacional – situação que interessaria àqueles que efetivamente têm culpa no cartório, isto é, que receberam propina, pois essa interpretação igualaria a todos.
Ciente de que se trata de situações muito diferentes, o juiz Sérgio Moro disse que o foco da Lava Jato é apenas o “pagamento de propinas na forma de doações eleitorais registradas ou não registradas, ou seja, crime de corrupção”. Esse pagamento, conforme enfatizou o magistrado, só poderia ter sido feito a “agentes políticos que pertenciam à base de sustentação do governo”, pois eram os partidos destes que “davam suporte à permanência daqueles agentes da Petrobrás (envolvidos no esquema) em seus cargos”.
Vem em boa hora esse esclarecimento de Moro, para que se frustrem as artimanhas dos encalacrados na Lava Jato, especialmente os petistas, ansiosos para provar que são “perseguidos” por aquele juiz e pela força-tarefa da operação. Ora, como afirmou Moro, “se havia uma divisão de propinas entre executivos da Petrobrás e agentes políticos que lhes davam sustentação, vão aparecer (nas delações) esses agentes que estavam nessa base aliada”.
A lógica cristalina dessa resposta, que não embute nenhum juízo de valor político-partidário ou ideológico, revela o equilíbrio que se espera do magistrado que hoje é a referência da mobilização da sociedade contra a corrupção. Sem deixar de expressar sua indignação com as práticas deletérias que a Lava Jato está ajudando a revelar ao País, especialmente a reiteração dos crimes mesmo durante a fase em que estes já estavam sendo investigados e punidos, Moro enfatizou diversas vezes ao longo da entrevista que as medidas mais duras, como as prisões, só são adotadas quando plenamente fundamentadas – e, em todo caso, “existe um sistema dentro do Judiciário que propicia que minhas decisões sejam eventualmente revistas por instâncias recursais ou superiores”. Como a grande maioria das decisões de Moro tem sido mantida, isso significa, conforme disse o juiz, “que está havendo uma aplicação correta da lei”.
Nota-se, nas palavras de Moro, a segurança de quem conhece suas responsabilidades e seus limites. Declarou que “jamais” será candidato a nada, disse considerar “passageiro” o apoio da opinião pública a seu trabalho e que a Lava Jato não se presta à “salvação nacional”. No máximo, toda essa operação “pode auxiliar a melhorar a qualidade da nossa democracia”. É o que se espera.
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