A prática de selecionar o chefe do Ministério Público Federal a partir de uma lista de três nomes, definidos a partir do voto dos próprios procuradores, sem dúvida contribuiu para o avanço essencial da autonomia da instituição.
Mesmo sem obrigação legal, desde 2003 os presidentes da República têm indicado o procurador-geral –que também precisa passar pelo crivo do Senado— por esse método. Reduziu-se, assim, o risco de escolhas baseadas em afinidades políticas ou, na pior hipótese, em expectativas de complacência na investigação de desmandos.
Mas, por meritório que seja, o mecanismo não raro atiça os vícios do corporativismo que infesta o serviço público brasileiro. Trata-se, afinal, de uma eleição entre colegas de trabalho.
Foi o que se viu no processo destinado a apontar o sucessor de Rodrigo Janot no comando da Procuradoria-Geral —que culminou na opção do presidente Michel Temer (PMDB) por Raquel Dodge, segunda mais votada por seus pares.
Na busca dos votos, candidatos à lista tríplice comprometeram-se não só a manter os rumos da Lava Jato, mas também com a defesa de privilégios funcionais que, aos ouvidos dos que não frequentam a elite da burocracia estatal, certamente soam absurdos.
Conforme noticiou esta Folha, deseja-se generalizar, por exemplo, o auxílio-moradia de quase R$ 4.400 mensais, também recebido pelos juízes. A benesse é concedida até a quem dispõe de casa própria na região em que atua; agora cogita-se estendê-la, pasme-se, a procuradores aposentados.
Predominou entre os postulantes, aliás, a tese de que se deve minorar a diferença de remuneração entre ativos e inativos —como se os proventos destes, já muito superiores aos da esmagadora maioria dos brasileiros, não devessem se limitar ao permitido por suas contribuições previdenciárias.
Resta evidente que plataformas do gênero são incompatíveis com as tentativas em andamento de reequilibrar o Orçamento federal, em particular o limite fixado para os gastos e a reforma da Previdência.
De modo perigoso, tais medidas têm sido questionadas, em categorias influentes do Estado, com argumentos relacionados à defesa de instituições e até da Lava Jato. Em outubro, por exemplo, Janot considerou inconstitucional o teto das despesas e disse que estava ameaçado o combate à corrupção.
Há que separar uma coisa da outra. Se policiais, procuradores e juízes merecem créditos pela queda da sensação de impunidade no país, é também essencial que todo o setor público aprenda a se manter com a já excessiva parcela que consome da renda da sociedade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário