sexta-feira, 15 de julho de 2022

Vinicius Torres Freire: Governos apodrecem pelo mundo

Folha de S. Paulo

Premiês renunciam, ganham de pouco de extremistas ou caem pelas tabelas, como Biden

No alto da página do "New York Times" na internet, do lado esquerdo estavam as notícias do pânico no Partido Democrata com o risco de derrota feia na eleição de novembro. Do lado direito, uma reportagem dava 19 receitas para comer bem gastando menos. Estava assim o NYT no início da noite de quinta-feira (14).

Receitas de comida boa e barata não são lá coisa incomum em jornais. Mas pareceu estranho. O leitor do NYT não é exatamente pobre, para abusar do eufemismo ou da lítotes.

Joe Biden vem sendo quase chamado de gagá ou mentalmente incapaz nos textos de opinião de jornais da direita, mesmo de qualidade, como o "Wall Street Journal". Mas é de fato penoso ou constrangedor assistir a discursos ou a entrevistas de Biden. Ainda assim, isso é problema menor, dado o enrosco.

Segundo pesquisa encomendada pelo NYT, a taxa de aprovação de Biden é de 33%. No final do mandato, antes do golpe do Capitólio, Donald Trump tinha cerca de 40% em pesquisas mais reputadas.

inflação americana está em nível brasileiro, de 9,1% por ano, a maior em 40 anos. O preço médio da gasolina aumentou 46% em um ano. Nos EUA, gasolina cara assim é como quebrar as pernas das pessoas.

Apenas 30% dos americanos tinha mais de dez anos de idade quando houve carestia similar. Não importa que a taxa de desemprego esteja na mínima. Economia e emprego são os assuntos de maior preocupação. Pouca gente vira tamanha alta de preços.

Biden assumiu com planos de fazer uma "Presidência transformadora", como se diz por lá, com um programa de investimento público em infraestrutura, transição verde e benefícios sociais universais (o que não pega bem para boa parte do país, vide a implicância visceral com saúde pública). Agora, mesmo no governo Biden há gente importante que atribui parte da inflação ao gasto público extra. Se é verdade, não vem ao caso agora, em termos eleitorais. Biden também está sendo frito por isso.

Parte dos planos foi caindo pelas tabelas ou aos pedaços, bloqueada pelo Partido Republicano e por dissidentes democratas, dissidência desastrosa, pois as maiorias legislativas dos democratas são mínimas. A divisão do Partido Democrata vai bem além e piora, com alas "esquerda" e "centrista" que menos e menos conversam (mais e mais se detestam, na verdade), com centristas sem imaginação ou francamente conservadores e uma esquerda cirandeira além da conta.

O buraco americano fica ainda para baixo, como em quase toda parte, em parte grande por causa da ira contra o sistema político, que muita vez toma a forma de extremismo de direita. Governos caem pelas tabelas. Não é também incomum, claro, mas não se vê como possa haver política mais estável ou, para falar francamente, reforma civilizatória.

Cai um salafrário como Boris Johnson, o premiê conservador do Reino Unido, como está para cair (ofereceu renúncia) uma pessoa razoável como Mario Draghi, na Itália. Emmanuel Macron correu risco sério de perder a eleição para a extrema direita e já começou o governo com o filme queimado e maioria pequena na Assembleia Nacional.

guerra de Putin na Ucrânia botou mais lenha no fogo da crise que vinha da epidemia, que varreu um mundo deteriorado por crises financeiras, que degradaram ainda mais uma situação social tensa e de desigualdade crescente faz 40 anos. As redes sociais animaram a disseminação da revolta contra o sistema, com ou sem aspas.

Se queres um monumento, olha em torno: além da situação socioeconômica, política e institucional dramática, quem assumir em 2023 no Brasil deve levar em conta que a chapa está quente pelo mundo. Mais risco de fritura por aqui também.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

O mundo está pelas tabelas.