O Estado de S. Paulo
Temos a obrigação de retomar o debate adulto e civilizado sobre as questões que importam
Que tal ler um livro na véspera da eleição?
Aí vai uma sugestão: Nós do Brasil, da economista Zeina Latif.
Trata-se de uma reflexão de rara clareza sobre a questão fundamental para nós,
eleitores: de onde vem e para onde vai nosso país? Ou, nos termos do livro:
estamos condenados ao baixo crescimento e ao desenvolvimento medíocre, ou há
alguma perspectiva de mudar esse destino?
Para responder à pergunta, Latif mergulha na história brasileira e na melhor literatura acadêmica. As respostas são múltiplas – não existe solução simples para problema complexo –, mas a autora elege uma razão central para nosso atraso: a demora em criar um sistema nacional de educação pública. O livro mostra, com dados e gráficos, que ficamos na rabeira no Ocidente, em geral, e na América do Sul, em particular, atrás de países como Argentina, Chile e Peru.
Como deixamos que isso acontecesse?
Novamente há várias explicações. Destaco uma: “O racismo provavelmente reforçou
a falta de interesse na educação de massas, sendo que havia a crença na
inferioridade dos pretos, inclusive por parte de intelectuais”, diz Latif no
livro. “Somou-se a visão da elite de que aos humildes cabia o trabalho braçal e
manual.” Ela é a entrevistada do minipodcast da semana.
Para além de constatar mazelas históricas,
o livro apresenta algumas razões para otimismo – e todas elas estão
relacionadas com a redemocratização. O ensino básico finalmente se expandiu e
enfrenta agora o desafio da qualidade. Derrubou-se a lei infame que proibia o
voto do analfabeto – a qual, segundo constata a autora, prejudicava
principalmente pretos e pardos.
Com a redemocratização, nossa universidade,
livre das amarras da ditadura, mapeou os problemas do País, com abundância de
dados. A imprensa livre aos poucos incorpora nossas questões centrais ao debate
público. A classe média se expandiu, e a sociedade civil se mobiliza.
Por isso foi tão deprimente observar como
os problemas reais do Brasil ficaram ausentes do debate eleitoral. Como
constatou o Estadão em editorial, perdemos um tempo enorme discutindo
questões que não existem, como um suposto fechamento de igrejas, ou teses
delirantes, como a implantação do comunismo.
Ler Nós do Brasil na véspera da
eleição nos traz de volta à realidade. No dia seguinte ao pleito, temos a
obrigação de retomar o debate adulto e civilizado sobre as questões que
importam. A gritaria e a exasperação – que crescem quando a inteligência
rareia, e nos afastam da solução dos problemas concretos – irão nos condenar,
inexoravelmente, à pobreza e ao atraso.
*Escritor, professor da Faap e doutorando em Ciência Política na Universidade de Lisboa
2 comentários:
Todos os ministros da DESEducação de Jair Bolsonaro (e foram vários, já perdi a conta, e não sei se o Carlos Decotelli entra ou não no conjunto) nada fizeram pra melhorar a situação. Como em vários outros setores, o DESgoverno Bolsonaro PIOROU a nossa realidade educacional, nada fazendo pra tentar superar os problemas causados ou agravados pela pandemia.
Muito bom o artigo.
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