O melhor que Lula pode fazer pela democracia
O Globo
Sua posse representa a vitória contra
ameaças autoritárias, mas erros na economia podem realimentar os riscos
Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito para o
terceiro mandato empunhando a bandeira da democracia. Sua posse hoje marca a
vitória inequívoca das instituições sobre as ameaças autoritárias dos últimos
anos. Mas o governo Lula também começa sob a égide de preocupações graves, que
terão impacto na própria estabilidade democrática se não forem levadas a sério.
A maior delas é a incerteza econômica. Os
primeiros passos do novo governo, antes mesmo da posse, já resultaram num
aumento de gastos públicos estimado em 2,5% do PIB. Como o Estado brasileiro
tem funcionado com um déficit estrutural — receitas menos despesas recorrentes
— na casa dos 2% do PIB, há necessidade premente de ajuste fiscal, do contrário
a explosão inevitável da dívida pública porá em risco a estabilidade da moeda.
O próprio Fernando Haddad, novo ministro da Fazenda, reconheceu ao GLOBO que
será preciso “arrumar a casa” nos três primeiros meses de governo.
Lula sabe bem o significado da inflação para aqueles que mais defende, os pobres. Tanto que, na campanha eleitoral, falava o tempo todo em pôr o pobre no Orçamento. Por óbvio, ninguém pode ficar inerte diante do flagelo da pobreza. Mas os pobres foram apenas um pretexto usado na PEC da Transição para romper o teto de gastos. Financiar o programa de transferência de renda sofrível herdado do governo Jair Bolsonaro custaria R$ 52 bilhões além do já previsto no Orçamento. Só que a PEC autorizou até R$ 168 bilhões em gastos além do teto. Parte será consumida em aumentos salariais para a elite do funcionalismo, garantia de piso salarial a profissionais de enfermagem e outras despesas que nada têm a ver com a redução da miséria.
O primeiro passo para combater a pobreza é
saber quem são os miseráveis, onde vivem e que tipo de ajuda recebem. Mas, em
vez consertar o formato do auxílio aos pobres, o novo governo preferiu fazer um
remendo para criar um benefício à infância, ao custo de mais R$ 18 bilhões.
Nunca se gastou tanto em combate à pobreza, a ajuda emergencial virou
permanente, o desemprego caiu, mas a miséria não dá trégua. Para erradicá-la, não
bastará simplesmente distribuir dinheiro.
Na montagem de sua equipe, Lula também
abriu espaço a toda sorte de devaneio desenvolvimentista, dos tempos em que o
BNDES era fonte de crédito barato a empresários amigos, e estatais como
Petrobras ou Banco do Brasil eram antros de corrupção. Está nos planos da nova
gestão interromper privatizações avançadas (como Correios ou refinarias) e
retomar o controle em empresas privatizadas (como Eletrobras). A intenção é
interromper até a liquidação da Ceitec, fábrica de chips defasada, que jamais
serviu para conquistar nem mercado nem tecnologia — e já custou R$ 800 milhões.
Só falta ressuscitar a reserva de mercado da informática ou a política de
conteúdo nacional em plataformas de petróleo...
O Brasil precisa avançar rápido noutras
áreas, sobretudo educação, saúde, segurança, meio ambiente e combate à
corrupção. De nada adiantará insistir na ladainha sobre a “herança maldita” do
antecessor. É com base nas respostas da equipe que toma posse que o governo
Lula 3 será julgado. Será preciso ter clareza sobre as metas, diagnósticos
corretos, capacidade de escolher políticas públicas eficazes, habilidade ao
executá-las, disposição para avaliá-las continuamente e corrigir os erros. Nada
seria mais revolucionário num país acostumado a achar que os problemas são
milagrosamente resolvidos com o mero anúncio de verbas milionárias.
Se Lula acredita que o sucesso econômico de
seus primeiros mandatos resultou da mistura de crédito dos bancos estatais com
investimento público, e que basta repetir a fórmula, dará com os burros n’água.
A China, outrora sustentáculo da onda de commodities que levantou a economia
brasileira, não cresce mais como antes. Boa parte do mundo está à beira da
recessão. Se o governo não fizer o necessário para conquistar credibilidade,
qualquer esperança de crescimento robusto naufragará. É contraproducente ficar
atacando êxitos das gestões anteriores, como as leis trabalhistas, a Lei das
Estatais ou o programa de privatizações. O Brasil não precisa de retrocesso.
Haddad prometeu, além de rever desonerações
e benesses eleitoreiras de Bolsonaro, uma nova âncora fiscal para até o final
do primeiro semestre. Pode ser tarde demais. Em princípio, o teto de gastos nem
precisaria ser substituído. Mas, uma vez que foi destelhado, será preciso criar
um conjunto de regras confiáveis para controlar a dívida da União. Haddad
também afirmou que daria prioridade à reforma tributária. É uma decisão
sensata. Outra reforma urgente é a administrativa. Lula faria bem em cuidar de
ambas. Ele não terá quatro longos anos para aprovar seus projetos mais
ambiciosos. Precisa aproveitar com sabedoria o período de lua de mel, que
deverá ser curto.
O Brasil começa um novo capítulo de sua
História com desafios imensos. Lula chega ao poder embalado na narrativa
redentora do injustiçado que resistiu e foi ungido pelo povo. Mas não deveria
criar ilusões. Só chegou lá porque reuniu uma ampla frente antibolsonarista,
capaz de superar o antipetismo em nome da democracia. Em seu governo, precisará
zelar por essa coalizão plural, sob pena de afugentar os aliados. As hostes
bolsonaristas, embora derrotadas, continuam à espreita. Não têm apreço pelas
instituições democráticas e aproveitarão qualquer deslize para alimentar suas
próprias narrativas. Lula não pode se dar ao luxo de errar em temas críticos
como a economia, ou rapidamente sua popularidade entrará em parafuso, em
benefício do maior adversário. O melhor que poderá fazer pela democracia
brasileira é um governo competente, que esvazie o apelo do autoritarismo para a
população.
Adensar instituições
Folha de S. Paulo
Programa contra o populismo requer regras
melhores e menos voluntarismo
O período de Jair Bolsonaro (PL) na
Presidência da República deixou lições importantes sobre a governança política
brasileira. Ela se mostrou forte o suficiente para impedir as investidas
autoritárias do mandatário, embora tenha revelado fragilidades pontuais que, a
partir de agora, deveriam ser objeto de aperfeiçoamento e reformas.
Como o populismo prospera onde há rarefação
institucional e baixa adesão às regras pactuadas, o seu antídoto passa por
reforçar essas cartilagens, que tornam as ações dos agentes públicos mais
previsíveis, porque menos dependentes dos caprichos, das idiossincrasias e da
sanidade mental dos que exercem funções de Estado.
Restringir a latitude de escolhas do chefe
do governo sem destituí-lo dos recursos necessários para levar adiante a agenda
vencedora nas eleições é uma fórmula clássica pela qual as democracias
presidencialistas se desenvolvem.
A Lei das
Estatais se encaixa nessa categoria ao impor requisitos mínimos para a nomeação
de gestores em companhias controladas pelo governo. Espera-se,
portanto, que o Senado neutralize a tentativa da Câmara dos Deputados de
sepultar o espírito dessa legislação.
Não basta, entretanto, preservar o que já
existe. Ficou patente na passagem de Bolsonaro pelo poder a incompatibilidade
das carreiras militares com o caráter eminentemente civil da administração.
A integrantes ativos das Forças Armadas, a
lei deveria permitir a ocupação apenas dos postos de livre provimento no
Executivo afins com atividades militares. Todos os demais, a imensa maioria,
precisam tornar-se exclusivos de civis.
Implantar formalmente a lista tríplice,
mediante consulta a todas as carreiras do Ministério Público Federal, para a
indicação pelo presidente do procurador-geral da República reforçaria essa
linha de modulação do poder pessoal do mandatário, dificultando a cooptação do
servidor incumbido de fiscalizar o chefe de Estado —e o mau exemplo de Augusto
Aras.
A prerrogativa personalíssima do presidente
da Câmara dos Deputados de fazer tramitar se e quando quiser pedidos de
impeachment também deveria constar do programa de reformas normativas. Submeter
a ação e a inação do chefe da Casa nesse tema ao crivo do plenário desponta
como um caminho óbvio a trilhar.
Alterações constitucionais realizadas pelo
Congresso na velocidade da luz enfraquecem a confiança no documento fundamental
da democracia. Desprezado em 2022 por essas manobras legislativas expeditas, o
zelo com o regime de arrecadação e gastos federais precisa ser recuperado
depressa dentro do programa de fortalecimento institucional.
As PECs Kamikaze e da Gastança desfecharam
aquela que, espera-se, seja a última
saraivada nas expectativas de reequilíbrio fiscal do Brasil. O
próximo passo do novo governo deve ser restabelecer a confiança nas contas do
Tesouro.
Para que esse tema de suma importância para
a sociedade e a economia não fique à mercê do humor de ministros e mandatários
de ocasião, a receita é estabelecer urgentemente uma nova norma permanente de
controle de despesas.
Em paralelo, uma reforma que reduza a
incerteza e o acúmulo de passivos empresariais gigantescos que inibe
investimentos dará uma contribuição decisiva à estabilização do ambiente
institucional e ao desenvolvimento econômico. O novo desenho deve tornar mais
eficiente, equânime e simplificada a incidência dos impostos.
Também o Supremo Tribunal Federal, malgrado
ter sido o ator que mais diretamente se antepôs à cavalgada autoritária do
bolsonarismo, exibiu alguns desajustes em relação ao que seria a sua atuação
precípua. A própria
corte, em decisão recente e acertada, tentou combater um deles —o
poder individual excessivo dos ministros em detrimento do colegiado.
Na esteira da revisão de procedimentos da
corte e da conduta de seus integrantes, a intromissão em assuntos típicos da
disputa político-parlamentar deveria ser evitada. O mesmo vale para o
cerceamento da expressão que não represente ameaça evidente ao Estado de
Direito e para o hábito de dar declarações fora dos atos judiciais.
Entende-se, é fato, que o comportamento
anômalo no Palácio do Planalto de um adversário da Constituição de 1988 —e das
mediações democráticas em geral— tenha, até certo ponto, prejudicado o
exercício equilibrado das funções de Estado e dificultado a desejável
prevalência das regras sobre a vontade dos agentes.
Esse fator, no entanto, desaparece a partir deste domingo (1º), como outros pretextos para não fazer progredir com firmeza a agenda antipopulista de adensamento das instituições governamentais.
É tempo de esperança e responsabilidade
O Estado de S. Paulo.
Lula ganhou uma nova chance na Presidência,
mas seu governo, que começa hoje, só será bem-sucedido se abandonar velhos
dogmas que só atrasaram o desenvolvimento do País
O início de um novo governo sempre inspira
a renovação da esperança de milhões de brasileiros por tempos mais venturosos
para o País. Neste começo de ano, em particular, as expectativas em relação ao
futuro próximo são diretamente proporcionais ao assombro manifestado pela
maioria dos eleitores nas urnas diante de múltiplos retrocessos havidos no
passado recente.
Este jornal não é indiferente a essa
aspiração coletiva e deseja sorte, sabedoria e temperança ao presidente Luiz
Inácio
Lula da Silva. A faina que se descortina
para o novo chefe de Estado e de governo exigirá dele atributos de liderança
política que, seguramente, não foram testados em seus mandatos anteriores.
Ao fim e ao cabo, o eventual sucesso do
governo Lula significará que mazelas renitentes em áreas sensíveis como
educação, saúde e distribuição de renda, entre outras, se não podem ser
superadas nos próximos quatro anos, terão sido ao menos mitigadas pelas
escolhas feitas pelo novo mandatário. E tudo que for feito com responsabilidade
e espírito republicano pelo novo governo para recolocar o
País no trilho do desenvolvimento e,
principalmente, melhorar a qualidade de vida de milhões de nossos concidadãos
decerto será celebrado nesta página.
Lula dará um passo fundamental para fazer
de seu terceiro mandato presidencial uma história escrita por mais êxitos do
que fracassos se, desde o início, compreender sinceramente que seu triunfo
eleitoral não representou uma vitória exclusiva sua ou dos petistas nem tampouco
uma chancela da maioria da sociedade à integra da retrógrada agenda política e
econômica do PT.
Se os petistas acharem que ganharam a
eleição sozinhos, cometerão um erro fundamental que pode pôr a perder, mais do
que a governabilidade de Lula, o desenvolvimento do País. É tudo que não
desejamos.
Em incontáveis ocasiões, Lula fez questão
de deixar clara sua preocupação com o atendimento das necessidades dos cidadãos
mais vulneráveis. É louvável que o presidente da República ponha no topo de seu
rol de prioridades a criação das condições para a melhora da qualidade de vida
de tantos brasileiros, milhões dos quais não conseguem nem sequer fazer três
refeições por dia. Porém, há duas formas de atender a essa demanda mais que
premente: a demagógica, fugaz; e a responsável, duradoura.
O PT já governou o País por quase 14 anos.
São sobejamente conhecidas as medidas desastrosas que o partido já adotou para
tratar daquelas mazelas sociais. A política petista, populista e eleitoreira,
sobretudo durante o segundo mandato de Lula e no de sua sucessora, Dilma
Rousseff, levou o Brasil à ruína. Seus efeitos são sentidos ainda hoje.
Presumindo que dinheiro é recurso infinito,
ou seja, que brota no chão ao sabor das vontades do governante, o PT conseguiu
provocar a pior recessão econômica em muitas décadas e realizou a proeza de
praticamente dizimar todas as conquistas sociais das próprias administrações
petistas. É difícil imaginar que os petistas, famosos por não aprenderem nada
nem esquecerem nada, tenham tirado as lições corretas do desastre que
provocaram, mas, como foi dito, é tempo de esperança.
Espera-se – talvez em vão, o tempo dirá –
que Lula, uma vez empossado, enfim desça do palanque e governe o Brasil com
seriedade e equilíbrio. O presidente gosta de repetir a cantilena de que
responsabilidade fiscal é inimiga da responsabilidade social. Nada mais errado,
por uma questão elementar: não se pode cuidar verdadeiramente dos mais pobres
sem dinheiro para sólidas políticas públicas de transferência de renda e
geração de empregos.
É mais que hora de novas ideias para
solucionar velhos problemas. Não faltam excelentes propostas para desenvolver o
Brasil a partir de novas abordagens sobre políticas públicas nas áreas de
educação, saúde, agronegócio, indústria e preservação ambiental, entre tantas
outras. Universidades, partidos políticos e organizações da sociedade civil têm
contribuído para esse esforço nacional com estudos que têm tudo para levar o
País a bom porto.
Lula deve estabelecer as prioridades
imbuído desse espírito de renovação, com coragem para abandonar velhos dogmas
que só atrasaram o desenvolvimento do País.
A morte de um papa que acreditou na razão
O Estado de S. Paulo.
Bento XVI rejeitou, como poucos, as causas
progressistas. Mas suas convicções não o impediram de dialogar. Suas reflexões
trazem luzes importantes sobre o mundo atual
Mesmo antes de ser papa, Bento XVI foi
sempre uma figura controvertida. No início de sua vida, era considerado um
professor progressista, em razão de suas abordagens teológicas, muito
diferentes das do pensamento católico tradicional. Foi um defensor da renovação
trazida pelo Concílio Vaticano II (1962-1965). Depois, especialmente após
assumir em 1981, no pontificado de João Paulo II, a chefia da Congregação para
a Doutrina da Fé – órgão do Vaticano responsável por defender a integridade da
doutrina católica, cujo fruto mais conhecido foi a Inquisição –, ele ganhou
outra reputação. O então cardeal Joseph Ratzinger passou a ser visto como o
grande perseguidor das “heresias” do mundo moderno, muito em razão de seu
enfrentamento com a chamada “teologia da libertação”, que propunha uma
releitura do Evangelho a partir de categorias marxistas.
Eleito papa em 2005, Joseph Ratzinger viu
sua fama de conservador consolidar-se ainda mais intensamente. Ao longo dos
anos, rejeitou todas as tentativas de mudança na doutrina moral da Igreja
Católica. Entre outros temas, defendeu o direito à vida desde a concepção, a
indissolubilidade do matrimônio, o celibato dos padres e o sexo exclusivamente
dentro do casamento. Bento XVI opôs-se a todas as causas consideradas
progressistas, inclusive a união civil entre pessoas do mesmo sexo.
Aos olhos contemporâneos, sua compreensão
de ser humano e de sociedade parecia ancorada em outra época, em outra lógica,
em outro mundo. Ao mesmo tempo, Joseph Ratzinger nunca se negou a dialogar com quem
divergia de suas ideias. Com uma concepção abrangente de racionalidade,
defendia a capacidade humana de conhecer, ainda que limitadamente, a realidade.
Exemplos especialmente significativos desse empenho pelo diálogo são as obras
Dialética da secularização: sobre razão e religião, elaborada em conjunto com
Jürgen Habermas, na qual conversam sobre as bases morais pré-políticas do
Estado Democrático, e Europa: os seus fundamentos hoje e amanhã, em que Joseph
Ratzinger defende as raízes espirituais não apenas do continente europeu, mas
do mundo ocidental tal como o conhecemos.
Em 2013, Bento XVI surpreendeu o mundo ao
renunciar ao papado. Foi um gesto insólito, especialmente para quem era
considerado o grande guardião da tradição. A última vez que isso havia
acontecido na Igreja Católica tinha sido em 1415, com Gregório XII, que abdicou
do cargo durante o Concílio de Constança (Alemanha). No entanto, por mais
surpreendente que tenha sido, o ato de renúncia de Ratzinger estava em
consonância com seu modo de encarar a fé e a razão, como realidades
complementares e não opostas: acreditar na proteção divina sobre a Igreja não o
eximia de pensar objetivamente sobre suas capacidades humanas.
Desde a renúncia, Bento XVI recolheu-se num
mosteiro, aparecendo em público poucas vezes. Em fevereiro de 2022, voltou ao
noticiário. Após um relatório independente acusá-lo de inação perante os abusos
sexuais cometidos por religiosos enquanto era arcebispo de Munique, o papa
emérito fez um pedido de desculpas. “Só posso expressar a todas as vítimas de
abuso sexual minha profunda vergonha, minha grande dor e meu sincero pedido de
perdão”, disse, reafirmando, no entanto, que nunca encobriu esses ataques no
exercício de seus diferentes cargos na Igreja Católica.
A carta de desculpas menciona a proximidade
com a morte, numa sinceridade um tanto desconcertante. “Em breve, estarei
diante do juiz final da minha vida. Embora possa ter muitos motivos de temor e
medo quando olho para trás em minha longa vida, ainda assim me sinto feliz”, disse
há menos de um ano.
Em tempos de agressividade no debate público e de racionalidade frágil – como se a liberdade de opinião autorizasse a rejeitar as evidências empíricas, em um negacionismo que tudo relativiza –, as reflexões serenas de Bento XVI, sempre respeitando o interlocutor, podem ser muito oportunas. Não é preciso concordar com suas ideias para reconhecer: foi um intelectual inquieto, em constante diálogo sobre a verdade.
A pandemia mudou o PIB das cidades
O Estado de S. Paulo.
As grandes perderam participação no PIB; já
as pequenas continuam pobres e dependentes
A pandemia provocou a queda do Produto
Interno Bruto (PIB) dos grandes centros urbanos e, consequentemente, fez cair
sua participação no PIB nacional. Essas cidades, cujas economias são mais
dependentes de serviços, sofreram mais os impactos das medidas necessárias para
a contenção do avanço da covid-19. O consequente aumento proporcional da
participação de outras localidades na economia nacional resultou numa forçada
desconcentração econômica.
A queda da participação das grandes cidades
no PIB nacional é uma das informações mais reveladoras sobre a situação dos
municípios apresentada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) em seu estudo PIB dos Municípios. Trata-se de um levantamento preciso da
situação econômica das municipalidades. O Município de São Paulo, por exemplo,
que respondeu por 9,8% do PIB nacional em 2020, perdeu 0,5 ponto porcentual em
relação ao ano anterior. Outras grandes cidades também perderam fatia
expressiva do PIB entre 2019 e 2020. Rio de Janeiro perdeu 0,4 ponto; Brasília,
0,2; Curitiba, 0,1; e São José dos Pinhais (PR), 0,1%.
O fato de nove municípios responderem por
quase 25% do PIB nacional mostra forte concentração de riqueza. Nessas
localidades vivem 15,3% da população brasileira. A concentração, no entanto, é
bem menos acentuada do que a observada há cerca de duas décadas. Em 2002,
apenas quatro municípios (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte)
respondiam por praticamente um quarto de tudo o que se produzia no País. Cinco
localidades foram acrescentadas à lista.
O estudo do IBGE mostra também uma das
fragilidades financeiras do sistema federativo brasileiro. Trata-se da
dependência de boa parte das cidades às atividades ligadas à administração
pública. Em 2020, 2.620 municípios (ou 47% dos 5.570 existentes) tinham
administração, defesa, educação e saúde públicas e seguridade social como
principal atividade econômica.
Embora o IBGE não aponte como essas
atividades são sustentadas, outros estudos mostram a tremenda carência da maior
parte dos municípios por recursos transferidos a eles pela União e pelos
Estados. Na grande maioria das prefeituras, mais de três quartos dos recursos
orçamentários disponíveis resultam dessas transferências. No caso da União,
essas transferências representam parcela de tributos federais que, por lei, devem
ser rateados com Estados e municípios.
“O rateio da receita proveniente da arrecadação de impostos entre os entes federados representa um mecanismo fundamental para amenizar as desigualdades regionais, na busca incessante de promover o equilíbrio socioeconômico entre Estados e municípios”, justifica o Tesouro Nacional. Na prática, porém, a automaticidade dessas transferências estimulou, no passado, a criação de municípios sem condições de se sustentar financeira e administrativamente, e que se tornaram quase totalmente dependentes desses recursos. É a conta que se paga no presente, e continuará a ser paga no futuro, por aventuras políticas do passado.
2 comentários:
O Globo
"Sua posse representa a vitória contra ameaças autoritárias, mas erros na economia podem realimentar os riscos"
Claro! Mas espero algo mais do q o óbvio.
Estado de S. Paulo.
"Lula ganhou uma nova chance na Presidência, mas seu governo, que começa hoje, só será bem-sucedido se abandonar velhos dogmas que só atrasaram o desenvolvimento do País"
Velhos dogmas procês; pra mim, pode ser o essencial.
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