Valor Econômico
Avaliação interna é polarização política
segue forte e que a classe média brasileira é como os “swing states” nos
Estados Unidos: oscila entre os extremos políticos e define eleições
A China, destino para o qual o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva embarca neste sábado, é peça essencial do plano de
voo que o governo traçou para a economia neste ano.
Negócios com o país asiático serão o
principal fator de animação do Produto Interno Bruto (PIB), na leitura do
Ministério da Fazenda. Virá deles o contraponto ao quadro doméstico de
desaceleração da indústria e dos serviços, enfraquecidos pelos juros altos.
O mercado chinês será destino de parte da
safra recorde de 298 milhões de toneladas de grãos que se espera colher por
aqui, com impacto positivo na atividade já no primeiro trimestre do ano. Além
disso, a China deverá consumir mais minério de ferro, agora que sua perspectiva
de crescimento é de 5,3%.
O reforço nas relações com o país asiático remete ao ciclo de commodities ocorrido no início deste século. Mas agora o governo vê à frente um desempenho moderado. Este ano, o PIB brasileiro avançará 1,6%, nas contas da Secretaria de Política Econômica (SPE).
O avanço será de 2,34% em 2024, já contando
com alguma aceleração decorrente do corte na taxa de juros básica da economia,
a Selic. Para 2025, a expectativa é de 2,76%. E em 2026, último ano do atual
mandato presidencial, espera-se 2,42%.
Para comparar: no primeiro mandato de Lula,
o PIB cresceu 1,1% no primeiro ano e depois começou o “espetáculo”: 5,8%, 3,2%,
4%. No segundo mandato: 6,1% e 5,1%, até que veio a crise. Em 2009, na chamada
“marolinha”, o PIB recuou 0,1%. No ano seguinte, registrou 7,5%.
Neste terceiro mandato, ao lado da China, o
mercado interno será suporte do PIB.
Aumentos reais para o salário mínimo,
Desenrola, aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) e retomada do
Minha Casa Minha Vida e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) são
exemplos de políticas nessa direção.
Está em preparação um pacote de medidas
para estimular o crédito. Além disso, foi aprovada ontem pelo Congresso
Nacional uma medida provisória (MP) editada pelo governo passado que amplia de
quatro para seis anos o prazo de pagamento dos empréstimos do Pronampe, e
estabelece carência de 12 meses.
Após os cem dias do atual mandato, Lula
quer anunciar medidas para a classe média: isenção do IR até R$ 5 mil e um novo
programa habitacional, segundo informou à “TV 247”.
Internamente, avalia-se que polarização
política segue forte e que a classe média brasileira é como os “swing states”
nos Estados Unidos: oscila entre os extremos políticos e define eleições.
Assim, é um grupo a ser conquistado para a prometida reunificação do país.
Todas essas políticas de estímulo passam
pelo Orçamento, e é aí que está o nó desta semana: a reação de Lula à proposta
elaborada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para um novo arcabouço
fiscal.
O presidente não deu o sinal verde quando
lhe foram explicados os detalhes, na sexta-feira. E decidiu que a divulgação
será em abril.
Assim, o clima ontem em torno de Haddad era
de fritura em fogo brando. Em parte, porque ele próprio alimentou a expectativa
de anúncio nesta semana. Em parte, porque ficou claro que houve ressalvas da
equipe de governo. Em parte, porque o “fogo amigo” se intensificou.
No último sábado, a presidente do PT,
Gleisi Hoffman, escreveu em suas redes sociais que, a ser verdade o crescimento
modesto previsto pelo governo para 2023, é hora de aumentar investimentos
públicos e gastos sociais. Fazer uma política fiscal expansionista e
contracíclica, defendeu.
Nesta semana, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) realizou um seminário em que foram
apresentadas ideias na mesma linha defendida por Gleisi. Como mostrou o Valor, o professor da
Universidade Columbia Jeffrey Sachs afirmou não ser este um momento para
austeridade fiscal, e sim de investimentos em infraestrutura e capital humano.
Em entrevista ontem à GloboNews, o ministro
da Casa Civil, Rui Costa, tratou de pôr panos quentes: elogiou Haddad e disse
que faltam detalhamentos técnicos.
Um deles se refere aos gastos com saúde e
educação, contou. As regras de dispêndios mínimos nessas duas áreas,
anteriormente estabelecidas na Constituição, não estão mais em vigor. Foram
suspensas pelo teto de gastos. Dado que o novo arcabouço vai substituir o teto,
é preciso detalhar como o novo regime tratará essas despesas.
Lula vem repetindo que saúde e educação não
são gastos, e sim investimentos. E que o arcabouço fiscal precisa ter cuidado
com isso.
No que parece ser uma forma de contornar as
preocupações do presidente, passou-se a avaliar o anúncio de um novo marco
legal para Parcerias Público-Privadas (PPPs) junto com a nova regra fiscal.
Como já foi dito neste espaço, a fronteira de expansão desse mecanismo está em
creches, escolas, unidades de saúde, aluguel social.
O problema, disse Costa à GloboNews, é o custo
de capital. Não há PPP ou concessão que se sustente com uma taxa de juros de
13,75%.
Ataques ao atual nível da taxa Selic foram
a tônica também no seminário do BNDES. Críticas partiram de vários
palestrantes, do vice-presidente Geraldo Alckmin ao Nobel de Economia Joseph
Stiglitz.
O próprio Haddad disse na semana passada
que a taxa Selic tem “gordura” para ser cortada. A tensão no mercado financeiro
internacional reforçaria a falta de espaço para apertos na política monetária
no mundo.
No entanto, a aposta majoritária dos
analistas de mercado é que o Banco Central manterá a Selic em 13,75% em sua
reunião de hoje.
Tudo indica que o ajuste fiscal buscado por
Haddad vai se apoiar em crescimento econômico, fortalecimento da arrecadação e
juros menores, mais do que em regras draconianas para conter despesas. Resta
saber se o desenho será capaz de criar nos agentes econômicos a confiança de
que o endividamento público está e estará controlado. Num quadro assim,
enfraquecer o ministro da Fazenda não parece uma boa estratégia.
3 comentários:
Achtung
O Nobel de Economia Joseph Stiglitz disse que é CHOCANTE a taxa da Selic em 13,75%, a maior do mundo! Aqui, boa parte dos colunistas, papagaios do mercado, a maioria com parcos (ou porcos) conhecimentos econômicos, defende o bolsonarista presidente do BC e sua decisão de manter congelado este índice.
Já ouvi economista dizendo que o Nobel de Economia não entende nada de política de juros.Sei lá!
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