O Globo
Lula hoje diz que não quer saber de
escolhas identitárias, muito em voga no PT, mas de pessoas confiáveis, como seu
advogado particular Cristiano Zanin
Uma das qualidades até agora indiscutíveis
dos governos anteriores do presidente Lula foi o espírito republicano com que
encarou a escolha dos ministros que lhe coube nomear para o Supremo Tribunal
Federal (STF). Em seus dois governos, nomeou nada menos que oito, e a maioria
atuou com independência formidável, especialmente nos processos de corrupção
governamental que envolviam o mensalão, que teve Ayres Britto como presidente e
Joaquim Barbosa relator.
Com exceção de Ricardo Lewandowski, os demais tiveram posturas que contrariaram Lula em muitos casos: Eros Grau, Cármen Lúcia e Cezar Peluso. Até Dias Toffoli, indicado após ter sido advogado-geral da União, tomou decisões independentes em alguns momentos.
O oitavo da lista, ministro Carlos Alberto
Direito, ficou pouco tempo no Supremo, de 5 de setembro de 2007 a 1º de
setembro de 2009, quando morreu. Sua nomeação, no entanto, é simbólica, por ter
sido um magistrado conservador. A ideologia não foi obstáculo para sua escolha,
mostrando uma visão de Lula que parecia objetivar na maior parte das vezes mais
a qualidade técnica que as relações pessoais. Parecia.
O próprio Lula tem demolido essa tese nos
comentários que vem fazendo nos últimos anos, queixando-se do comportamento de
seus indicados, com exceção de Lewandowski, agora aposentado. Em 2012, quando
se instalou o julgamento do mensalão no Supremo, Lula ainda tinha força
política, a ponto de não ter sido citado na cadeia de comando do esquema de
corrupção que, na acusação, parou em José Dirceu, então todo-poderoso chefe da
Casa Civil.
O PT perdeu sua aura de honestidade e
pureza política, mas Lula ainda tinha condições de tentar manobras, depois de
ter sido reeleito em 2006, mesmo com as denúncias do mensalão, e de ter elegido
Dilma Rousseff em 2010. A primeira decepção foi a decisão de não deixar o caso
prescrever, tomada pelo então presidente do STF, Ayres Britto, que pôs o
julgamento na pauta. Lula então mexeu-se para adiá-lo, alegando que
influenciaria na eleição municipal marcada para aquele ano, mas, de fato,
mirando a prescrição.
Tentou então uma manobra desastrada: marcou
uma conversa com o ministro Gilmar Mendes, então seu amigo, para pedir ajuda
nessa empreitada. Já naquela época visto como mais influente ministro do STF,
Gilmar considerou a proposta inaceitável e rompeu relações com Lula. A
pretensão de Lula vazou, e a partir daí sua força política foi minguando, até
surgir o petrolão, que o levou para a prisão.
Lula considera que suas nomeações para o
STF o levaram a essa situação, embora tenham sido o mesmo Supremo e o mesmo
ministro Gilmar Mendes os responsáveis por sua soltura e pela anulação de todos
as suas condenações. Hoje ele lamenta, como relatou Malu Gaspar no GLOBO, ter
ouvido conselheiros como o falecido ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos e
o também falecido deputado Sigmaringa Seixas.
Foi Thomaz Bastos quem o convenceu a nomear
o primeiro ministro negro, escolhendo Joaquim Barbosa por meio de um golpe de
sorte. O então assessor presidencial Frei Betto conheceu Barbosa por acaso,
numa agência de viagens. Quando o ministro da Justiça lhe disse que Lula
decidira nomear um ministro negro para o STF, Frei Betto lembrou-se do
simpático professor que conhecera. Como o currículo de Joaquim Barbosa era dos
melhores, foi fácil escolher.
Lula hoje diz que não quer saber de
escolhas identitárias, muito em voga no PT, mas de pessoas confiáveis, como seu
advogado particular Cristiano Zanin. Assim como Bolsonaro escolheu um ministro
“terrivelmente evangélico”, como André Mendonça. Em todos os países em que cabe
ao presidente da República escolher os componentes da Suprema Corte, é natural
que a decisão recaia sobre alguém de “notório saber jurídico” da tendência
política do governante. A amizade ou a religião, porém, não podem ser
critérios.
Um comentário:
Gato escaldado...
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