terça-feira, 4 de março de 2025

Ainda estamos aqui - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Se o golpe de Bolsonaro tivesse dado certo, o Brasil teria ganhado o seu primeiro Oscar?

Ainda Estou Aqui foi o filme certo, na hora certa. O primeiro Oscar não poderia ter vindo num momento melhor para o Brasil, os brasileiros, a nossa história e até para o governo Lula, que tem um refresco e pode comemorar, enfim, um prêmio e a felicidade popular. E tudo isso no meio do carnaval, uma das festas mais eletrizantes e inclusivas do mundo.

Só faltaram a legítima estatueta para Fernanda Torres, que brilhou ao viver não uma, mas as várias Eunices Paivas durante Ainda Estou Aqui, e uma homenagem a Cacá Diegues. No mais, pareceu tudo perfeito, a começar de Walter Salles, um diretor perfeito, que fez um filme sobre ditadura sem chocar com choques elétricos, cadeiras do dragão, afogamentos e técnicas de tortura tornadas rotineiras nos anos de chumbo.

Salles escolheu o livro certo, de Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens Paiva e Eunice, montou equipe e ambientação exemplares e, sobretudo, chamou para as câmeras e holofotes Selton Mello e Fernanda. E foi perfeitamente adequado ao agradecer o prêmio em nome do Brasil, com uma pitada de política, reverência a Eunice Paiva e às duas Fernandas, Torres e Montenegro. Ponto. Nada a excluir, nada a acrescentar.

Mais de cinco milhões de espectadores já foram ao cinema ver, se emocionar e aplaudir Ainda Estou Aqui, que ganha prêmio no ano em que o Supremo vai julgar a tentativa de golpe militar, 60 anos após o golpe de 1964, que matou Rubens Paiva e durante duas décadas reprimiu o Brasil, a Constituição, as instituições, as liberdades, os direitos, as famílias, as vidas.

O faturamento do melhor filme estrangeiro do Oscar também chegou a R$ 150 milhões no Brasil, num baita reforço a uma indústria importante de um setor fundamental, após um governo que não apenas desprezava como perseguia a Cultura, a ponto de nomear para um setor tão estratégico Roberto Alvim, que havia atacado Fernanda Montenegro como “sórdida” e “mentirosa”.

Alvim acabou demitido por um vídeo institucional de evidente inspiração nazista, na forma e no conteúdo. Nem Bolsonaro suportou a pressão para se livrar dele, mas trocou seis por meia dúzia, ao nomear Mário Frias, que, em vez de partituras, telas, pincéis, livros, roteiros, fazia-se fotografar para as redes com... um fuzil!

Por isso, o Oscar cai como uma luva para o próprio Lula. Impopular ou não, errando aos borbotões ou não, Lula sempre esteve contra a ditadura militar de 1964 e chegou a ser alvo da ditadura planejada para 2023/2024. Aliás, se o golpe tivesse dado certo, haveria Ainda Estou Aqui, os brasileiros teriam lotado os cinemas para vê-lo e o Brasil teria ganhado o seu primeiro Oscar?

 

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