terça-feira, 4 de março de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Oscar inédito de Walter Salles traz estímulo à arte

O Globo

Reconhecimento à excelência técnica, prêmio para ‘Ainda estou aqui’ é um marco no atual momento histórico

Oscar inédito do diretor Walter Salles, na categoria Melhor Filme Internacional, representa mais que reconhecimento à competência técnica de “Ainda estou aqui”, relato da busca da viúva Eunice Paiva por seu marido, Rubens Paiva, assassinado nos porões da ditadura militar em 1971. Trata-se de estímulo a um dos maiores mercados de audiovisual do mundo e de marco no atual momento histórico. Não foi por acaso que Salles agradeceu em nome do cinema brasileiro e dedicou a estatueta às atrizes que vivem Eunice — Fernanda Torres e Fernanda Montenegro —, além de à própria Eunice.

O número de indicações ao Oscar é prova da excelência do trabalho, produção de VideoFilmes, RT Features e Mact Productions, em coprodução com Globoplay, ARTE France e Conspiração. Além de concorrer com outros filmes estrangeiros, “Ainda estou aqui” foi finalista na categoria principal — Melhor Filme —, e Fernanda Torres disputou o Oscar de Melhor Atriz. Antes de ser aclamada em Hollywood, a história da família Paiva já era sucesso nas telas dentro e fora do Brasil. Aqui, o filme foi visto por mais de 5 milhões. No Reino Unido e na Irlanda, fez a melhor estreia de um filme latino-americano, arrecadando R$ 3,5 milhões no primeiro fim de semana. Na França, foi lançado no mês passado em 475 salas. Em Portugal, conquistou a maior audiência entre 16 de janeiro e 9 de fevereiro. Nos Estados Unidos, está em cartaz em 762 cinemas. Com a premiação, é certo que aumentará o impacto do cinema brasileiro no mercado doméstico e também no exterior.

O primeiro filme brasileiro indicado ao Oscar foi “O pagador de promessas”, de Anselmo Duarte, também como filme estrangeiro, em 1963. Mais de três décadas depois, houve outros três indicados na categoria: “O quatrilho”, dirigido por Fábio Barreto (1996); “O que é isso, companheiro?”, de Bruno Barreto (1998); e “Central do Brasil”, também de Salles, com Fernanda Montenegro indicada a Melhor Atriz (1999). Outros dois brasileiros foram indicados a Melhor Diretor: Hector Babenco, por “O beijo da mulher-aranha” (1986), e Fernando Meirelles, por “Cidade de Deus” (2004).

O Oscar de Salles é resultado, portanto, de longa trajetória, alicerçada em escolas de ponta em artes cênicas e audiovisuais, além de produções frequentes para cinema, teatro e televisão. A tradição em telenovelas, sozinha, faz do Brasil o maior ganhador do prêmio Emmy Internacional nessa categoria (sete para a TV Globo desde 2009).

Para além do estímulo ao audiovisual nacional — responsável por quase 90 mil empregos formais —, o Oscar de Salles tem inegável relevância histórica. Não é coincidência que um filme sobre ditadura seja reconhecido num momento em que a democracia sofre ameaças em todo o mundo. Aqui no Brasil, um ex-presidente foi denunciado há pouco, sob acusação de ter liderado uma tentativa de golpe de Estado.

Com o poder singular da arte, “Ainda estou aqui” exibe de modo pungente o horror da tirania. Ex-deputado, Rubens Paiva foi levado da própria casa por agentes do Estado sem mandado judicial, brutalmente torturado e assassinado. A luta de Eunice não se resumiu a criar e sustentar os cinco filhos. Culminou quando as autoridades assumiram a responsabilidade pelo assassinato do marido. Seu exemplo contribui para o Brasil lidar com um risco que — tristemente — ainda está aqui.

Repasse de ‘custo climático’ à conta de luz reflete resistência a cortar subsídios

O Globo

Setor de energia é bem-sucedido ao conquistar benefícios que, uma vez concedidos, são difíceis de revogar

A conta de luz subirá em razão da permissão dada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) às distribuidoras para que repassem ao consumidor o custo decorrente de danos causados por eventos climáticos extremos e dos investimentos feitos para tornar o sistema mais seguro. Os técnicos reconhecem que o ideal teria sido compensar o encarecimento dos custos pela redução dos inúmeros e pouco transparentes subsídios. Mas falta vontade ao governo para tratar do assunto. A decisão pode até ser justificável tecnicamente, mas não há como escapar à conclusão de que é sempre mais fácil transferir as despesas ao consumidor.

A Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), em que estão os subsídios concedidos ao setor, foi criada em 2002 para ser encerrada em 2027. Tinha como objetivo garantir a universalização do acesso à energia e distribuir de forma racional estímulos a fontes renováveis. Em 2013, a CDE deixou de ter prazo de vigência e criaram-se mais subsídios, inclusive ao carvão mineral, o pior emissor de gases de efeito estufa. Ao aprovar o Projeto de Lei para regular a geração de energia eólica em alto-mar, o Congresso manteve ou criou toda sorte de subsídio. Felizmente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou os “jabutis” introduzidos no texto. Mas persiste o risco de que os congressistas derrubem os vetos — o que seria equivalente a um aumento de 9% nas contas de luz por 25 anos.

O aumento na produção de energia solar e eólica é significativo, principalmente no Nordeste. No ano passado, a participação dessas duas fontes na matriz renovável chegou a 30%, segundo Alexandre Street, do Departamento de Engenharia Elétrica da PUC-Rio. Para ele, a geração de energia solar e eólica já chegou a um ponto de maturidade em que é necessária a revisão do subsídio. Mas no Brasil continua valendo o princípio segundo o qual, dado um subsídio, é difícil revogá-lo.

Não se trata de questionar a cobrança de tarifas diferenciadas para famílias de baixa renda, a irrigação de plantações ou a geração de energia nos confins da Amazônia. Mas é fundamental discutir e avaliar os incentivos dados pelo governo num momento em que o país, conhecido por suas hidrelétricas, vem diversificando sua matriz energética, nem sempre no sentido das fontes de geração renováveis, como solar e eólica.

Também é de interesse do consumidor a regulação das distribuidoras no que diz respeito aos eventos climáticos extremos. Os contratos precisam estabelecer deveres e direitos de maneira equilibrada, com o objetivo de garantir boa prestação de serviço. Prova de que isso nem sempre é feito a contento é a relação atribulada entre a Enel de São Paulo e a Aneel. A qualquer chuva mais forte na Região Metropolitana, há apagões. Apesar de multada em R$ 320,8 milhões entre 2018 e 2023, a Enel pagou até hoje apenas R$ 59,1 milhões, alegando questões contratuais. O caso precisa ser estudado para melhorar os futuros contratos. No fundo, a procrastinação do pagamento das multas acaba funcionando como subsídio velado.

Oscar para 'Ainda estou aqui' tem significado especial

Folha de S. Paulo

Prêmio para o filme de Walter Salles com Fernanda Torres vem em momento no qual ameaças à democracia cruzam fronteiras

A premiação de "Ainda Estou Aqui" com o Oscar de melhor filme internacional marca uma data histórica para o cinema brasileiro.

É fato que, ao longo de sua trajetória, a produção cinematográfica do país obteve reconhecimento e láureas em festivais importantes, como a Palma de Ouro em Cannes, em 1962, por "O Pagador de Promessas".

O mesmo festival veio a consagrar Glauber Rocha, em 1969, pela direção de "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro"; e, anos depois, em 1986, uma jovem atriz, chamada Fernanda Torres, então com 19 anos, venceu pelo seu papel em "Eu Sei que Vou Te Amar", de Arnaldo Jabor.

Indicações e galardões foram reconhecidos na própria disputa do Oscar, que consagrou "Orfeu Negro", em 1960, como melhor filme internacional. Baseado em musical de Vinicius de Moraes e Tom Jobim e filmado no Rio com atores brasileiros, acabou considerada obra francesa, sob direção de Marcel Camus.

É inegável, entretanto, que o troféu concedido a "Ainda Estou Aqui" pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood revestiu-se de significados especiais. Trata-se de uma produção integralmente nacional, inspirada no livro do escritor Marcelo Rubens Paiva, que oferece uma trama ambientada em período relevante da história social e política do país.

Com engenho e arte, o longa dirigido por Walter Salles consegue apresentar de modo arrebatador a comovente história de Eunice Paiva e de sua família em busca de um desenlace para o dramático desaparecimento do engenheiro e ex-deputado Rubens Paiva, sequestrado e assassinado pela ditadura militar em circunstâncias jamais esclarecidas oficialmente.

Bem recebido no Festival de Veneza, onde estreou e ganhou o prêmio de melhor roteiro, o filme logo cativou as plateias brasileiras e passou a merecer atenção internacional. Num ambiente extremamente competitivo, no qual o cinema brasileiro ocupa lugar periférico, as virtudes de "Ainda Estou Aqui", entre as quais a notável atuação de Fernanda Torres, se impuseram.

A vitória da atriz no Globo de Ouro e as indicações ao Oscar em três categorias —melhor filme, melhor filme internacional e melhor performance feminina— somaram-se ao expressivo e bem-vindo reencontro do Brasil com seu cinema.

Em que pesem desprezíveis rixas da parte de saudosistas do autoritarismo, o exemplo e a resiliência de Eunice Paiva ganham projeção num momento em que as ameaças à democracia cruzam fronteiras e fazem do mundo um lugar menos seguro para se viver.

Ao reavivar a memória da opressão, do desrespeito aos direitos, da violência do Estado e do desprezo pela vida, traços que infelizmente ainda estão aqui, o filme nos deixa um legado essencial e valioso. Nada mais justo e significativo que o triunfo tenha sido comemorado com paixão e alegria neste já histórico Carnaval.

Ao levar Gleisi para o governo, Lula dá sinais preocupantes

Folha de S. Paulo

Nova ministra das Relações Institucionais já teve atritos com políticos proeminentes e é crítica ao controle de gastos

Gleisi Hoffmann deixará a presidência do PT para se tornar ministra das Relações Institucionais, responsável pelas articulações com parlamentares e partidos. É também provável que coordene alianças para as eleições de 2026.

Aguerrida defensora da linha gastadora petista, Gleisi criticou o moderado projeto de contenção de despesas do ministro Fernando Haddad (Fazenda), que chamava de "austericídio", e combateu a política monetária.

É fiel ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e esforçou-se para dar ao PT o maior número de ministérios, mesmo o governo sendo minoritário no Congresso Nacional.

É duvidoso se Gleisi terá sucesso na transição do posto de general para diplomata. De certo é que, ao nomeá-la, o presidente da República dá sinais inquietantes.

Passou a mensagem de que é menor a possibilidade de ampliação do diálogo com outros partidos, correntes de pensamento e setores sociais que não aqueles mais fiéis a ele mesmo e ao ideário petista. Reafirmou também que pode não adotar a política de moderação de gastos e tímidas reformas fiscais de Haddad.

O ministro da Fazenda perdeu, de resto, raro aliado no Planalto, Alexandre Padilha, que deixou o cargo para ser ministro da Saúde.

É outro indício de que Haddad tem apoio mínimo para seu programa, o que ficou evidente com a mudança da meta de saldo primário em abril de 2024, a desidratação do plano fiscal em novembro, e as afirmações de Lula, em janeiro deste ano, que sinalizam poucas chances de melhoria na gestão das contas públicas.

Firme, combativa e com histórico de desavenças com figuras e partidos relevantes do Congresso, Gleisi deverá negociar a aprovação de projetos que o Planalto julga vitais para a recuperação de sua popularidade —o maior deles é o da isenção do Imposto de Renda para parte dos assalariados.

Abrindo mão dessa receita, o governo terá de tributar rendimentos do topo da pirâmide, o que desagrada o Congresso. Quanto maior a proximidade de 2026 e pior a avaliação da atual gestão, será menos provável que Lula conte com a boa vontade de deputados e senadores.

Para conseguir obter sucesso, Gleisi teria de renegar a defesa obstinada dos interesses do petismo, desfazer a crença de que não vai solapar o que resta de credibilidade da política econômica e conquistar votos para o programa de incremento da posição de Lula nas pesquisas em um ambiente indócil no Legislativo.

Dado o seu histórico, porém, há risco de converter-se em mais uma má escolha de Lula.

Um Oscar para a coragem

O Estado de S. Paulo

Prêmio americano a ‘Ainda Estou Aqui’ mostra que, em tempos de elogio à truculência na política, o tema do filme – os efeitos do autoritarismo sobre uma família comum – é universal

Já conquistamos cinco Copas do Mundo, mas nunca tivemos um Prêmio Nobel e até anteontem jamais havíamos levado um Oscar. De certa forma, isso nos resumia: um país bom de bola, mas ruim do resto. Não mais: o Brasil finalmente entrou para o time dos laureados com o principal prêmio do cinema mundial, ganhando como melhor filme de língua não inglesa com a produção Ainda Estou Aqui.

Isso não significa, é claro, que de uma hora para outra o cinema brasileiro tenha se tornado uma potência capaz de ombrear com a indústria de países com muito mais tradição nessa arte. No entanto, o prêmio para Ainda Estou Aqui aponta o amadurecimento dos artistas e profissionais brasileiros nesta arte que comove e diverte o mundo há mais de um século. É muito provável que essa vitória atraia mais curiosidade no exterior sobre o cinema brasileiro e acalente os sonhos dos jovens diretores daqui.

Dito isso, mesmo que não tivesse sido o primeiro filme brasileiro a conquistar um Oscar, Ainda Estou Aqui tem um significado extraordinário para o País, como poucas obras de arte tiveram em nossa história. À medida que o filme passou a ganhar visibilidade, críticas positivas e prêmios no exterior, instalou-se no País um sentimento que só costumamos ver em época de Copas do Mundo.

Quando a atriz espanhola Penélope Cruz anunciou o Oscar para o longa dirigido por Walter Salles, o Brasil explodiu em celebração. Tanto entusiasmo não é exagero. Como destacou Fernanda Torres, atriz principal do filme, o fato de uma produção falada em português ter recebido três indicações ao Oscar – melhor filme, melhor atriz e melhor filme estrangeiro – já era um feito.

Ancorado na atuação impecável de Fernanda Torres, agora um talento internacionalmente reconhecido, o filme conseguiu, com sutileza e sobriedade, retratar como o regime militar brasileiro afetou a vida de inúmeras famílias. Com isso, a produção transformou um tema local em algo universal, especialmente diante do avanço global de uma ideologia que faz elogio da truculência e do autoritarismo, inclusive nos Estados Unidos. Se alguém quer saber o que acontece às pessoas comuns quando liberdades básicas são sacrificadas no altar do autoritarismo, é só ver no que se transformou a família de Eunice Paiva, a personagem central de Ainda Estou Aqui, graças à ditadura.

Assim, apresentar o estrago que o período de trevas provocou na vida de famílias brasileiras ao mundo e a uma geração mais jovem de brasileiros, para quem a ditadura militar só está nos livros de História, é o principal dos muitos méritos de Ainda Estou Aqui.

À época em que foi covardemente retirado de casa para nunca mais voltar, o ex-deputado federal Rubens Paiva nem político era mais. Ocupava-se apenas de seu trabalho e de sua família. Mas, para o governo militar, Paiva era um subversivo perigoso porque mantinha contato com brasileiros forçados ao exílio.

Por esse motivo, em 1971 Paiva foi detido, torturado e assassinado nos porões da ditadura, deixando sozinhos, e por muito tempo sem respostas, sua mulher, Eunice Paiva, e seus filhos.

Tornada viúva por ação direta e criminosa do Estado brasileiro de então, a mãe de cinco filhos teve de se reinventar como chefe de família e profissional. Mesmo com tantas responsabilidades, ela jamais se conformou e dedicou parte significativa de sua vida a fazer com que o Estado brasileiro reconhecesse que matou Rubens Paiva, o que só ocorreu em 1996.

Ainda Estou Aqui, sucesso de público e crítica no Brasil, só não agradou aqueles que, sob a liderança de Jair Bolsonaro, ainda nutrem nostalgia do regime militar. “Eu não tenho tempo de ver filme”, declarou o ex-presidente, que, recorde-se, cuspiu num busto de Rubens Paiva que estava sendo inaugurado na Câmara, em 2014, diante da atônita família do ex-deputado.

Ao decidir narrar a história dos Paiva na atual conjuntura, portanto, o diretor Walter Salles foi particularmente corajoso, sobretudo porque deu visibilidade à aguerrida Eunice, que lutou para preservar sua família e perseverou em busca de justiça. Só isso já é digno de aplausos. Nem precisava de Oscar.

O copo meio vazio da educação

O Estado de S. Paulo

Censo do setor mostra que cresceu o número de brasileiros com curso superior, mas o avanço é marcado por desigualdades, que têm a ver com o histórico descaso com a educação básica

A proporção de brasileiros acima de 25 anos com curso superior cresceu 2,7 vezes em pouco mais de 20 anos, revelam novos dados do Censo 2022 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

É inegável que o avanço da escolaridade em um país ainda profundamente marcado pela desigualdade extrema é positivo, mas a leitura do Censo exige cautela.

Primeiro, porque, embora o porcentual de brasileiros com curso superior tenha subido de 6,8% em 2000 para 18,4% em 2022, o número de pessoas com um diploma de faculdade ainda é bem menor do que a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 48%.

Além disso, o maior número de brasileiros com formação superior coincide com o aumento vertiginoso de cursos a distância (EAD). Dados do Ministério da Educação mostram que os matriculados nessa modalidade saltaram de 1.682 alunos em 2000 para mais de 4 milhões em 2022.

Embora o EAD permita que milhões de brasileiros tenham acesso ao ensino superior, por razões que vão do custo menor à indisponibilidade de faculdades em determinadas regiões, há preocupação com a qualidade de alguns desses cursos.

Longe de demonizar o EAD, é preciso garantir que a modalidade realmente colabore para a formação de seus estudantes, que, em geral, vêm das camadas mais pobres, que têm recursos escassos para investir em ensino superior.

Na era em que parte não desprezível da população questiona a relevância de se fazer uma faculdade – o que nem sempre garante um lugar ao Sol e boa remuneração no mercado de trabalho –, faz-se ainda mais necessário que a qualidade do ensino, presencial ou online, seja aprimorada.

O Brasil, que historicamente investe mais no ensino superior do que na educação básica, ainda amarga índices de produtividade baixos quando comparado a países desenvolvidos. Logo, mais que simplesmente aumentar o número de diplomados, convém que o País focalize suas políticas públicas em um ensino realmente efetivo.

Por fim, as desigualdades históricas da sociedade brasileira ficam evidentes quando se observam os recortes sociais e raciais da educação radiografados pelo Censo 2022.

De um modo geral, o número de brancos, pardos e pretos com ensino superior completo aumentou, mas os cursos considerados de “elite”, como Medicina e Engenharia, formam majoritariamente brancos: 75,5% no caso do primeiro, e 66,4% no segundo.

Infelizmente, enquanto o País seguir negligenciando a educação na primeira infância, os avanços no ensino superior serão apenas um copo meio vazio. O acesso à educação nos primeiros anos de idade (creche e pré-escola) é fundamental tanto para o aprendizado futuro como para o progresso econômico das nações.

O Censo mostra que a taxa de frequência escolar bruta de brasileiros de 0 a 3 anos era de 33,9% em 2022, bastante abaixo da meta de 50% estabelecida pelo Plano Nacional de Educação (PNE). Já entre as crianças de 4 e 5 anos, a frequência escolar era de 86,7% – para essa faixa etária, a meta do PNE é de 100%.

Essa baixa frequência compromete todo o desenvolvimento escolar dos brasileiros, em especial os mais pobres, que, por razões históricas, concentram mais negros e pardos.

“No grupo dos mais envelhecidos, o acesso à educação foi mais difícil na juventude, e isso ainda tem um peso considerável na porcentagem final (do ensino superior)”, explicou Bruno Mandelli, pesquisador do IBGE.

Em 2021, o gasto médio anual do Brasil com alunos da educação básica foi de US$ 3.181, abaixo da média dos países da OCDE (US$ 11.736), revelou a organização em 2024. No ensino superior, o gasto brasileiro (US$ 13.569) é bem mais próximo ao da OCDE (US$ 17.138).

Ou seja, gasta-se muito em ensino superior, onde se concentram os brasileiros com melhor poder aquisitivo, e pouco em educação básica, onde estão todas as crianças do País, ricas e pobres. Essa opção, na prática, resulta em transferência de renda para os mais ricos e em formação precária de quem não tem dinheiro e não poderá disputar as melhores vagas, seja nas universidades, seja no mercado de trabalho. É preciso, de uma vez por todas, mudar esse cenário.

Imprudência ilimitada

O Estado de S. Paulo

Aumentar crédito a municípios elevando teto do limite bancário desafia o bom senso

A avidez com que o governo busca soluções de efeito imediato para a abalada popularidade do presidente Lula da Silva desafia os limites do bom senso. Entre as medidas de ampliação da oferta de crédito preparadas pelo Planalto está o aumento do limite prudencial de empréstimos bancários a municípios, assim como a ampliação do teto que os bancos de desenvolvimento têm de respeitar na emissão de Letras de Crédito de Desenvolvimento (LCD). Trata-se de medidas bastante temerárias.

Segundo reportagem recente do Estadão, as articulações estão centralizadas na Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), que tem instituições públicas como a Caixa, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) como associados. A demanda para elevar a oferta de financiamento a municípios é antiga e, sob o ponto de vista político, vem a calhar para o governo federal cativar prefeitos, ainda mais levando em conta a perda de espaço do Executivo na distribuição de recursos para os parlamentares e suas inúmeras emendas.

Em operações de crédito para entes públicos, os bancos podem aportar, no máximo, 45% de seu patrimônio de referência, como é chamado o capital de que a instituição dispõe para cobrir eventuais riscos. É uma regra de prudência bancária estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional – formado pelo Banco Central e Ministérios da Fazenda e do Planejamento – com o objetivo de garantir a solvência da instituição e a estabilidade do sistema financeiro como um todo. A proposta em análise é dobrar esse limite para até 90%.

Comprometer quase todo o patrimônio de referência com qualquer tipo de operação, em qualquer segmento, é um excesso de risco que bancos privados, por exemplo, jamais assumiriam. Já bancos públicos, como a Caixa, e bancos de desenvolvimento, como o BNDES e bancos regionais, ficam mais suscetíveis a decisões do governo. E é aí que mora o perigo. Até porque as operações menos arriscadas são as que têm garantia da União. Ou seja, em caso de inadimplência, o erário assume o débito, o que significa dizer que, de uma forma ou de outra, a conta acaba chegando ao contribuinte.

Defensores da proposta alegam que o risco de inadimplência é baixo, mas um fato que não pode ser ignorado é que metade dos mais de 5 mil municípios brasileiros estava no vermelho em 2023, com déficit total em torno de R$ 18 bilhões, de acordo com levantamento da Confederação Nacional dos Municípios. Equacionar dívidas é mais urgente do que elevar crédito, mas, ao que parece, a aposta central do governo para solucionar todo e qualquer problema é injetar recursos na economia, o que, nesse caso específico, tende a impactar bancos públicos.

Em setembro do ano passado, o Conselho Monetário Nacional aprovou a ampliação em R$ 6 bilhões dos limites para contratações de operações de crédito com garantia da União por Estados e municípios mirando em financiamentos ao Novo PAC e parcerias público-privadas. Elevar ainda mais a vazão de crédito seria insensatez.

Democracia, ainda estou aqui

Correio Braziliense

Ainda Estou Aqui é mais do que um belíssimo e irretocável filme. Antes de tudo é um alerta para que as instituições nunca mais se divorciem da democracia. Trata-se de um regime que "está aqui", conquistado a duras penas, com perdas irreparáveis

"Vamos sorrir, sim". Ainda Estou Aqui conquistou o maior prêmio do cinema mundial, o Oscar, na categoria de melhor filme estrangeiro, com a obra do diretor Walter Salles. Um prêmio, até então, inédito para a cinematografia nacional, que encheu os brasileiros de orgulho e alegria: "Vamos sorrir, sim". O Brasil é um país rico de talentos, nas mais diversas expressões da arte e da cultura. Em pleno carnaval, o país parou e abriu alas para assistir ao momento histórico que ocorreu no teatro Dolby Theatre, na cidade de Los Angeles, na Califórnia.

A torcida para que Fernanda Torres ganhasse o prêmio, como melhor atriz, era da maioria dos brasileiros. Mas ela pressentiu que não traria a estatueta. Em um gesto de sororidade, ela torceu pela atriz norte-americana Demi Moore, protagonista do filme A Substância, e que há 40 anos, como atriz de cinema, nunca foi premiada. Torres desejou, e foi atendida, que o Oscar fosse dado ao filme, pelo trabalho de Walter Salles, à Eunice Paiva, principal personagem, por ela interpretada, à família Paiva e a Marcelo Rubens Paiva, autor do livro que deu nome ao filme e a todos que participaram da produção.

O tema de Ainda Estou Aqui chega em momento em que o Brasil está dividido entre a democracia, como estabelecida pela Constituição Cidadã de 1988, e o retrocesso ao período mais obscuro e letal da história republicana, ao longo de 21 anos  (1964-1985). O legado da ditadura foi terrível com supressão das liberdades individuais, tortura e morte aos não alinhados à brutalidade do regime, aos defensores da democracia, e social e economicamente estagnado. Em 1971, o ex-deputado Rubens Paiva foi uma das vítimas do regime e seu corpo nunca foi encontrado.

O filme ganha espaço no debate político, logo depois do terrível episódio de 8 de janeiro de 2023, quando ocorreu o atentado que visava amordaçar a democracia e ressuscitar a ditadura militar. Ainda Estou Aqui provocou reflexão a mais de 5 milhões de pessoas que lhe assistiram, lotando as salas de cinema. O mais interessante é que Ainda Estou Aqui atraiu parcela expressiva de jovens, sem conhecimento real da ditadura, um regime de mãos de ferro e impiedoso.

Ainda Estou Aqui mexeu com a legislação brasileira. Hoje, o atestado de óbito dos mortos e desaparecidos reconhece que essas pessoas foram mortas pela violência do Estado — algo até então inimaginável — resultado da luta de Eunice Paiva. Antes mesmo do filme, o Ministério Público havia retirado dos escaninhos do passado processos abertos por familiares que tiveram seus entes queridos desaparecidos, torturados e mortos, cujos corpos nunca foram encontrados. O fato mais marcante, na década de 1970, foi a ação do Exército na Guerrilha do Araguaia, em que a oposição se organizou para o enfrentamento da ditadura. Mais de 60 pessoas foram mortas e os corpos, nunca encontrados. 

Diante da provocação do MP, o Supremo Tribunal Federal reflete sobre a "ampla, geral e irrestrita anistia" dada a civis e militares que estiveram envolvidos com a tortura, morte e desaparecimento das vítimas da ditadura, por meio da Lei nº 6.683/1979, aprovada durante o regime militar. Na prática, a lei garantiu a impunidade a quem cometeu crimes políticos no período, e se tornou um marco para a redemocratização do país. A revisão poderá dar novo destino aos autores de atos, até então, tidos como fatos consumados.

Ainda Estou Aqui é mais do que um belíssimo e irretocável filme. Antes de tudo, é um alerta para que as instituições nunca mais se divorciem da democracia. Trata-se de um regime que "está aqui", conquistado a duras penas, com perdas irreparáveis. Cabe a todos os brasileiros cultivá-lo para sempre e torná-lo melhor. Para isso, é preciso escrever um novo roteiro que valoriza e respeita a vida, promove igualdade, equidade social e econômica, rechaça todas as formas de preconceito e de violência entre os iguais.

 

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