terça-feira, 4 de março de 2025

Lula à espera do inverno russo - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Presidente não sai do arroz com feijão para enfrentar crise de popularidade; parece apostar em fenômeno natural que o salvará mais uma vez

Começo com uma piada. É 1973. Depois da virada israelense na guerra do Yom Kippur, uma coluna de tanques do Estado judeu toma a direção do Cairo. Preocupados, os egípcios pedem conselho aos russos, conhecidos por sua habilidade em repelir invasões estrangeiras.

A primeira instrução chega de Moscou através de um telegrama: recuar. Os egípcios retrocedem suas forças, mas os tanques não se detêm. Pelo contrário, aceleram. Nova consulta a Moscou, nova resposta: recuar. Quando os israelenses chegam às portas da capital, os egípcios, visivelmente mais nervosos, perguntam de novo aos soviéticos o que devem fazer. Algumas horas depois, vem a resposta: aguardar início do inverno.

Minha impressão é que Lula pensa como o Estado-Maior soviético. Adota como estratégia algo que já funcionou no passado, tendo tido sucesso em derrotar as tropas de Napoleão e de Hitler, mas sem considerar que a situação atual é muito diferente.

O inverno egípcio não é comparável ao russo. Não há a menor chance de o vale do Nilo acumular alguns metros de neve e assim impor sérios reveses às forças inimigas. O boom das commodities, que tirou Lula das cordas em 2005, na sequência do mensalão, e lhe deu a reeleição em 2006, dificilmente vai se repetir e, mesmo que se repita, ocorreria num contexto político muito diferente e menos favorável à Presidência.

Lula hoje divide poderes com um Congresso muito mais forte e menos dócil e ainda enfrenta uma oposição muito mais implacável do que era a dos tucanos. É pouco provável que a indicação de Gleisi Hoffmann para o ministério das Relações Institucionais, encarregado da articulação política, e a contratação de um marqueteiro bastem para reverter a crise de popularidade.

Ao percorrer esse caminho, Lula meio que descarta quaisquer planos alternativos de maior envergadura. Parece apostar que, com o tempo, medidas no varejo e propaganda, as coisas se acertarão para seu governo. Enfim, ele parece apostar num inverno russo que dificilmente chegará.

 

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