segunda-feira, 16 de junho de 2025

A falsa negociação - Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo

Possível jogo de cena com Israel revela nova tática improvável de Donald Trump

Nos últimos meses, Donald Trump vem apresentando ao mundo seu pequeno manual de técnicas improváveis de negociação. Uma delas é criar o caos para colher concessões. A outra é colocar as exigências em um patamar elevadíssimo, apenas para recuar em seguida. Tal comportamento foi sintetizado em uma sigla, TACO, que em inglês significa algo como “Trump sempre amarela”. “Isso se chama negociação”, respondeu o presidente americano quando perguntado sobre a expressão que virou meme.

O ataque de Israel ao Irã na última quinta-feira revelou mais uma tática inusitada de Trump: a negociação encenada. À primeira vista, a operação militar israelense atrapalhava esforços iniciados pelo governo americano para avançar em conversas com o regime iraniano sobre seu programa nuclear bélico. Foi Trump quem, em abril, enviou uma carta ao aiatolá Ali Khamenei chamando para as negociações. Neste domingo ocorreria uma das rodadas.

Na semana passada, o americano afirmou que Israel não deveria atacar o Irã antes de esgotadas as chances de um acordo pacífico. Depois que as bombas israelenses atingiram seus alvos, Trump se viu obrigado a abraçar a nova realidade, reconheceu que havia sido avisado do ataque e passou a apoiar a estratégia do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, segundo a versão saída dos corredores da Casa Branca.

A imprensa israelense conta outra história. Trump sabia desde o princípio dos planos de Netanyahu e contracenou com ele para pegar os iranianos desprevenidos. Na segunda-feira passada, os dois conversaram por telefone durante 40 minutos. Na sequência, funcionários do governo israelense plantaram na TV local a informação de que Trump havia pressionado Netanyahu a não atacar o Irã enquanto as negociações ocorressem.

Foi também anunciado um suposto encontro que ocorreria entre autoridades americanas e israelenses sobre as negociações com o Irã, mas que não passou de uma agenda fictícia sem local definido. Até o casamento do filho de Netanyahu,

Avner, marcado para esta semana, foi usado para dar ares de normalidade à rotina do governo israelense. Os preparativos seguiram sem interrupção nos dias anteriores ao ataque – mesmo o pai do noivo sabendo que a festa não poderia acontecer sob os mísseis de retaliação do Irã.

Pode-se argumentar que, ao participar de toda essa dissimulação, Trump enterrou a credibilidade dos Estados Unidos em qualquer conversa futura com o Irã. Mas credibilidade já era algo em falta do outro lado da mesa de negociação. •

 

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