Folha de S. Paulo
Em um cenário de reeleição, as condições de
governabilidade seriam críticas, e acentuariam as patologias atuais
As defecções no âmbito da coalizão de governo
e a fragmentação
da centro-direita e da direita radical, há pouco mais de um ano para
as eleições presidenciais, tem sido o foco das atenções. Para além dos fatores
que levam às defecções —o
declínio da popularidade presidencial e da avaliação de governo—
há questões relativas à influência do controle massivo daquele campo político
sobre o Congresso e no nível subnacional, e como esse controle impacta a
eleição presidencial.
Os efeitos das eleições em um nível —presidencial— sobre os demais, e vice-versa, é tema clássico da ciência política (coattails effects, no jargão). No Brasil, a eleição de um prefeito impacta a subsequente eleição de deputados federais do mesmo partido no município em aumento da ordem de 30%, em estimativa de Avelino et al. Neste caso é um coattail inverso, discutido aqui.
O tamanho da representação
legislativa sobre a eleição presidencial impacta a presidencial
—embora o processo seja de mão dupla— através de vários canais. O principal e
direto no país é através do financiamento partidário (que é proporcional às
bancadas), cuja magnitude não tem paralelos em outros países, e pode ser
canalizado para a eleição presidencial. O segundo é através do impacto indireto
da própria campanha nos estados, afetando o sentimento do eleitor em contextos
polarizados. O efeito é maior entre eleitores sem lealdades partidárias ou
personalistas.
O controle massivo da centro-direita e
direita radical sobre o Congresso impactará a eleição presidencial e é tema
para investigações futuras. A assimetria é clara. Além do PT deter apenas 13%
das cadeiras do Congresso, não tem representantes nas bancadas de seis estados
brasileiros, inclusive em um estado nordestino, Sergipe. Em nove estados, o
partido tem apenas um representante. Afora o Piauí —um outlier— estado pequeno
onde detém 40% da bancada, o partido tem presença pouco significativa nas
bancadas dos grandes estados como São Paulo (13, 9%), Rio de Janeiro (8,2%),
Bahia (17%), Minas Gerais (18,5%). O segundo maior partido de esquerda —o PDT—
viu sua bancada se reduzir a apena 3,4% da Câmara em 2024.
A recém-criada federação União Brasil-PP contará com
bancadas superiores, ou muito superiores, a 20%, em 19 estados. Em três destes
terá maioria ampla, chegando a 75% no Acre. O PL conta com
nove estados em que detém pelo menos 1/5 do eleitorado, e chega a 50% em Mato
Grosso e quase 40%
em Santa Catarina.
No plano municipal, o PT detém apenas 4,5%
das prefeituras do país. Aumentou o número de prefeituras em 2024 (252) —menos
que o dobro do PL, em relação à 2020, em proporção inferior aos demais
partidos. Já não governava nenhuma capital em 2020, e passou a fazê-lo apenas
em uma (Fortaleza). O grande vencedor das eleições foi o PSD (800+
prefeituras). Juntos PSD, PL, MDB e União-PP governam quase 3.000 prefeituras.
O efeito agregado sobre a composição futura da Câmara será expressivo em
virtude do controle
que exercem sobre emendas orçamentárias.
Paradoxalmente, neste cenário, de reeleição,
as condições de governabilidade seriam críticas no pós-2026, em que as
patologias atuais provavelmente se acentuarão.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)
Nenhum comentário:
Postar um comentário