segunda-feira, 16 de junho de 2025

Vamos partir das palavras e cobranças para a ação? - Bruno Carazza

Valor Econômico

Se houver real intenção para fazer um ajuste fiscal estrutural ainda neste mandato, não faltam propostas

Um estrangeiro desavisado que observasse o noticiário político-econômico brasileiro na semana passada poderia ser levado a acreditar que haveria no país um pacto multipartidário para superar a crise fiscal.

Logo na segunda-feira, em evento organizado pelo Valor, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), conclamou diversos grupos sociais a darem a sua cota de colaboração: “A situação do país é grave e é preciso ter responsabilidade. Ninguém quer abrir mão de nada: quem está ganhando acima do teto quer continuar ganhando, o parlamentar não quer corte de emenda, o governo não quer discutir determinado assunto porque desagrada a sua base. Tem que tratar as coisas com responsabilidade”, criticou.

Dias depois, em audiência na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reconheceu a necessidade de revisão dos gastos, para além da sua proposta de elevação de tributos: “Compartilho as preocupações [de cortar despesas], porque elas são corretas. As partes têm que caber no todo. E para isso acontecer, nós precisamos ir para a mesa e saber o que, politicamente, o Congresso está disposto a enfrentar”.

Pelo lado da oposição, o bolsonarista Carlos Jordy (PL-RJ) até se declarou favorável à proposta do governo de isentar de imposto de renda quem ganha até R$ 5 mil, desde que sejam apresentadas medidas compensatórias: “Vocês não pensam em fazer corte de gastos, querem equilibrar aumentando imposto. A própria isenção do Imposto de Renda, que é uma medida positiva para os mais pobres, não vem acompanhada de uma medida compensatória pelo lado da despesa.”

Na sexta-feira, para arrematar, o próprio Lula mirou a necessidade de rever as renúncias fiscais para manter os programas sociais de seu governo: “Vocês sabem quantos bilhões damos de isenção para os ricos do país que não pagam imposto? R$ 860 bilhões, quatro vezes o Bolsa Família”, afirmou o presidente, citando estimativa ainda provisória sobre o volume de gastos tributários federais.

Qualquer brasileiro minimamente interessado pelo noticiário nacional sabe que essas declarações fazem parte de uma disputa política em que, por trás das juras de preocupação com as contas públicas, o governo Lula resiste a rever despesas, enquanto o Congresso é pródigo em ações para prorrogar e ampliar benesses tributárias.

Sendo tão inocente quanto o estrangeiro não versado na política brasileira que lê as manchetes de jornal, fico relativamente otimista diante desses posicionamentos de lulistas, líderes do Centrão e bolsonaristas. A sensação de que um colapso fiscal é iminente, com previsões de paralisação parcial da máquina pública a partir de 2027, parece estar finalmente preocupando a todos que têm interesse em ocupar o poder após as próximas eleições.

É urgente, porém, avançar no debate. Em meio aos temas sugeridos pelo governo, o comando do Congresso e a oposição, há possibilidades concretas de se avançar em pelo menos duas vertentes: o combate aos supersalários e as renúncias fiscais.

Estudo publicado recentemente pela Transparência Brasil e pela República.org calcula que apenas juízes, desembargadores e ministros receberam R$ 7 bilhões em benefícios remuneratórios indevidamente pagos acima do teto em 2024. O problema é que os supersalários, antes restritos a magistrados e membros do Ministério Público, estão se alastrando para carreiras dos demais Poderes, inclusive em âmbito estadual e municipal.

Há, porém, uma agenda com amplo apoio popular que, se houver vontade política da cúpula do Executivo, do Congresso e do STF, pode moralizar o padrão remuneratório no Estado brasileiro e gerar uma economia permanente para os cofres públicos.

Extinguir as férias de 60 dias para magistrados e membros do Ministério Público, estabelecer em lei uma lista restritiva de benefícios que têm natureza indenizatória (o Movimento Pessoas à Frente possui uma minuta de projeto) e cobrar imposto de renda sobre essas verbas já seria um grande avanço. Vedar a concessão administrativa de pagamentos retroativos - e submeter os pleitos judiciais, inclusive de juros e correção, aos institutos da prescrição e da decadência - também geraria uma considerável economia de recursos.

Com relação às renúncias fiscais, há um amplo espaço para moralização. Como boa parte dos programas atuais envolve isenções ou reduções de PIS, Cofins e IPI - tributos que serão extintos com a reforma tributária - o Congresso e o governo poderiam estabelecer um desmame gradual desses benefícios até 2033, data de entrada em vigor da nova tributação sobre o consumo.

Não faltam no país entidades da sociedade civil, acadêmicos, técnicos do governo, consultores da Câmara e do Senado e outros especialistas com ideias razoáveis para se fazer um ajuste fiscal estrutural, equilibrado e sem sobrecarregar (com tributos ou cortes de programas sociais) a maioria da população.

Mas é fundamental que haja, nos três Poderes, representantes com disposição para ouvir - e sobretudo, com coragem para implementar as sugestões.

*Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor de “O País dos Privilégios (volume 1) e “Dinheiro, Eleições e Poder”, ambos pela Companhia das Letras.

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