Valor Econômico
Se houver real intenção para fazer um ajuste
fiscal estrutural ainda neste mandato, não faltam propostas
Um estrangeiro desavisado que observasse o
noticiário político-econômico brasileiro na semana passada poderia ser levado a
acreditar que haveria no país um pacto multipartidário para superar a crise
fiscal.
Logo na segunda-feira, em evento organizado pelo Valor, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), conclamou diversos grupos sociais a darem a sua cota de colaboração: “A situação do país é grave e é preciso ter responsabilidade. Ninguém quer abrir mão de nada: quem está ganhando acima do teto quer continuar ganhando, o parlamentar não quer corte de emenda, o governo não quer discutir determinado assunto porque desagrada a sua base. Tem que tratar as coisas com responsabilidade”, criticou.
Dias depois, em audiência na Comissão de
Finanças e Tributação da Câmara, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
reconheceu a necessidade de revisão dos gastos, para além da sua proposta de
elevação de tributos: “Compartilho as preocupações [de cortar despesas], porque
elas são corretas. As partes têm que caber no todo. E para isso acontecer, nós
precisamos ir para a mesa e saber o que, politicamente, o Congresso está
disposto a enfrentar”.
Pelo lado da oposição, o bolsonarista Carlos
Jordy (PL-RJ) até se declarou favorável à proposta do governo de isentar de
imposto de renda quem ganha até R$ 5 mil, desde que sejam apresentadas medidas
compensatórias: “Vocês não pensam em fazer corte de gastos, querem equilibrar
aumentando imposto. A própria isenção do Imposto de Renda, que é uma medida
positiva para os mais pobres, não vem acompanhada de uma medida compensatória
pelo lado da despesa.”
Na sexta-feira, para arrematar, o próprio
Lula mirou a necessidade de rever as renúncias fiscais para manter os programas
sociais de seu governo: “Vocês sabem quantos bilhões damos de isenção para os
ricos do país que não pagam imposto? R$ 860 bilhões, quatro vezes o Bolsa
Família”, afirmou o presidente, citando estimativa ainda provisória sobre o
volume de gastos tributários federais.
Qualquer brasileiro minimamente interessado
pelo noticiário nacional sabe que essas declarações fazem parte de uma disputa
política em que, por trás das juras de preocupação com as contas públicas, o
governo Lula resiste a rever despesas, enquanto o Congresso é pródigo em ações
para prorrogar e ampliar benesses tributárias.
Sendo tão inocente quanto o estrangeiro não
versado na política brasileira que lê as manchetes de jornal, fico
relativamente otimista diante desses posicionamentos de lulistas, líderes do
Centrão e bolsonaristas. A sensação de que um colapso fiscal é iminente, com
previsões de paralisação parcial da máquina pública a partir de 2027, parece
estar finalmente preocupando a todos que têm interesse em ocupar o poder após
as próximas eleições.
É urgente, porém, avançar no debate. Em meio
aos temas sugeridos pelo governo, o comando do Congresso e a oposição, há
possibilidades concretas de se avançar em pelo menos duas vertentes: o combate
aos supersalários e as renúncias fiscais.
Estudo publicado recentemente pela
Transparência Brasil e pela República.org calcula que apenas juízes,
desembargadores e ministros receberam R$ 7 bilhões em benefícios remuneratórios
indevidamente pagos acima do teto em 2024. O problema é que os supersalários,
antes restritos a magistrados e membros do Ministério Público, estão se
alastrando para carreiras dos demais Poderes, inclusive em âmbito estadual e
municipal.
Há, porém, uma agenda com amplo apoio popular
que, se houver vontade política da cúpula do Executivo, do Congresso e do STF,
pode moralizar o padrão remuneratório no Estado brasileiro e gerar uma economia
permanente para os cofres públicos.
Extinguir as férias de 60 dias para
magistrados e membros do Ministério Público, estabelecer em lei uma lista
restritiva de benefícios que têm natureza indenizatória (o Movimento Pessoas à
Frente possui uma minuta de projeto) e cobrar imposto de renda sobre essas
verbas já seria um grande avanço. Vedar a concessão administrativa de
pagamentos retroativos - e submeter os pleitos judiciais, inclusive de juros e
correção, aos institutos da prescrição e da decadência - também geraria uma
considerável economia de recursos.
Com relação às renúncias fiscais, há um amplo
espaço para moralização. Como boa parte dos programas atuais envolve isenções
ou reduções de PIS, Cofins e IPI - tributos que serão extintos com a reforma
tributária - o Congresso e o governo poderiam estabelecer um desmame gradual
desses benefícios até 2033, data de entrada em vigor da nova tributação sobre o
consumo.
Não faltam no país entidades da sociedade
civil, acadêmicos, técnicos do governo, consultores da Câmara e do Senado e
outros especialistas com ideias razoáveis para se fazer um ajuste fiscal
estrutural, equilibrado e sem sobrecarregar (com tributos ou cortes de
programas sociais) a maioria da população.
Mas é fundamental que haja, nos três Poderes,
representantes com disposição para ouvir - e sobretudo, com coragem para
implementar as sugestões.
*Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor de “O País dos Privilégios (volume 1) e “Dinheiro, Eleições e Poder”, ambos pela Companhia das Letras.
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