domingo, 29 de novembro de 2009

Vinicius Torres Freire:: Serra, o câmbio e 2010

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Serra fala do risco do real forte, diz que debate econômico está "reprimido ideologicamente", mas não esclarece suas ideias

Presidentes de três dos maiores bancos privados no Brasil acreditam que o real valorizado é, sim, um problema. "Os economistas dizem, inclusive aqui no banco, que o mercado acerta o nível do câmbio. Não aceito essa posição", diz um deles. "Essa preocupação é muito válida", diz outro. O real forte tenderia a ser um empecilho para a criação de empregos suficientes, dados os prejuízos para a indústria. Nenhum critica o IOF sobre aplicações de não residentes em ações e títulos, tido como "um remendo", porém.

Acham que mais medidas do gênero elevariam o custo do capital e podem não servir nem de paliativo. Os economistas desses bancos, no centro do debate econômico mais cotidiano, não pensam assim, é claro.

Para os mais extremados, nada se deve fazer a respeito do câmbio. Os mais moderados acreditam que, a tomar alguma providência, nenhuma deve afetar o sistema de metas de inflação, isto é, não se deve utilizar a taxa básica de juros a fim de influenciar o câmbio. Quando instados pelos banqueiros a oferecer opções para o câmbio, no geral sugerem reduzir gastos públicos de modo a haver sobras para aumentar a compra de reservas (e cortar juros).

A sugestão não difere muito de ideias de economistas tucanos "paulistas" e mais experientes (que não tiveram voz sob FHC). Dito às claras o que afirmam de forma mais cheia de dedos, a política econômica não teria a princípio apelo popular.

Desvalorizar o real de modo a não causar inflação implica reduzir o consumo privado e o do governo por algum tempo. Ou seja, cortar gastos do governo: manutenção da máquina, salários e benefícios sociais, que não poderiam ter aumento; contenção dos reajustes do salário mínimo etc.

Há medidas auxiliares, que não cabem aqui: mudar a rolagem da dívida pública, concluir a desindexação da economia etc. Mas essa vertente tucana paulista também rejeita a "excessiva" autonomia do Banco Central. Não explicitam o que querem nem defendem intervenção direta, mas, parece, seria adequado que houvesse uma direção do BC "compreensiva" em relação a esforços fiscais do governo e que derrubasse os juros com mais rapidez.

Essa pincelada sumaríssima do problema vem a propósito de declarações recentes de José Serra sobre câmbio. Serra diz que não quer falar desses e de outros assuntos delicados. Se o fizesse, acredita, explicitaria um programa e uma candidatura a presidente que não assumiu. Mas Serra voltou a falar, de modo sumário, sobre câmbio, desenvolvimento etc. em entrevista no livro comemorativo dos 40 anos do Cebrap ("Retrato de Grupo", Cosac Naify).

Diz lá que o Brasil tem "um problema de curto prazo muito sério", "uma armadilha": juros altíssimos, moeda forte demais, gastos públicos demais. Tais problemas, o câmbio em particular, podem fazer o país "caminhar", a longo prazo, para uma economia primário-exportadora (vendedora de recursos naturais, desindustrializada), incapaz de criar empregos bastantes. O que fazer?

Serra diz no livro que é preciso "um bom debate", que "não existe" no Brasil debate "interditado" e "até reprimido ideologicamente". Mas a oposição, da qual Serra é um líder, é que interdita avenidas maiores do debate. Quando não o avacalha.

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