sábado, 3 de novembro de 2012

Valério disse que mandou dinheiro para Santo André

Operador do mensalão afirmou em depoimento que recursos foram enviados após a morte de Celso Daniel

Condenado no STF por operar o mensalão, o empresário Marcos Valério relatou em depoimento dado em setembro à Procuradoria-Geral da República que recursos do esquema foram enviados a Santo André após o assassinato do prefeito Celso Daniel (PT), ocorrido em janeiro de 2002. Valério disse que o dinheiro serviu para estancar supostas ameaças e chantagens a petistas, informam Ricardo Brito e Fausto Macedo. Segundo a revista Veja, o empresário Ronan Maria Pinto ameaçava revelar o envolvimento do ex-presidente Lula e do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, no esquema. Carvalho, que foi secretário municipal em Santo André de 1997 a 2001, informou, por intermédio de nota da secretaria-geral, que "nunca teve conhecimento de qualquer ameaça ou chantagem" a respeito de seu suposto envolvimento em pedidos de propinas durante a administração de Celso Daniel.

Valério disse em depoimento que pagou para cessar chantagens em Santo André

O operador. Empresário condenado pelo Supremo afirmou à Procuradoria-Geral, em setembro, ter repassado dinheiro a pessoas que ameaçavam dizer que Lula e seu assessor Gilberto Carvalho estariam envolvidos num suposto esquema de propina na cidade

Ricardo Brito, Fausto Macedo

No depoimento prestado em setembro ao Ministério Público Federal, o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, condenado no Supremo por operar o mensalão, relatou que recursos do esquema foram enviados a Santo André após o assassinato do prefeito Celso Daniel (PT), ocorrido em janeiro de 2002. Valério disse, segundo investigadores que tiveram acesso ao depoimento sigiloso, que o dinheiro serviu para estancar supostas ameaças e chantagens a petistas.

Em sua edição desta semana, a revista Veja informa que Valério foi procurado em 2003 pelo então secretário-geral do PT, Silvio Pereira, a fim de que desse dinheiro ao empresário de ônibus Ronan Maria Pinto. Ronan, como é conhecido, estaria, segundo o petista, ameaçando dizer em público que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu principal assessor, o hoje ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, seriam os beneficiários do esquema de desvio de dinheiro público da prefeitura de Santo André.

O dinheiro do valerioduto, portanto, serviria para calar Ronan num momento em que o Ministério Público Estadual ligava o esquema de propina ao assassinato de Daniel, ocorrido um ano antes. Os promotores alegavam que o prefeito tentou acabar com o esquema de desvios de verba pública na cidade do ABC e, por isso, acabou assassinado. "Nisso aí eu não me meto", teria dito Valério a Silvo Pereira, ainda segundo o relato da revista.

Porém, no depoimento espontâneo prestado em setembro, Valério afirmou, conforme investigadores ligados ao caso, que repassou o dinheiro para que pessoas cessassem as ameaças e as chantagens a integrantes do PT.

Valério, condenado a mais de 40 anos no STF, tenta com o novo depoimento, cuja existência foi revelada na quinta-feira pelo Estado, e com promessas de mais declarações reduzir sua pena ou até mesmo se livrar da cadeia, caso seja incluído no programa de proteção a testemunhas.

A aposta de Valério para obter o benefício da delação premiada e sua inclusão no programa de proteção a testemunhas é dizer que o esquema de desvio de verbas públicas do governo Lula não serviu apenas para pagar parlamentares do Congresso Nacional. O envio do dinheiro a Santo André seria um exemplo disso.

Ações. A corrupção na gestão Celso Daniel é alvo de ações civis e criminais que tramitam no Fórum de Santo André. Carvalho foi citado em um desses processos, com base na Lei de Improbidade. Ronan também é acusado de ligações com o suposto esquema.

O Grupo de Repressão ao Crime Organizado concluiu que o operador do esquema era o empresário Sérgio Gomes, o Sombra. Para os promotores, Sombra encomendou o assassinato de Daniel porque este decidiu dar um fim na coleta de propinas quando descobriu que o dinheiro arrecadado não ia para o caixa do PT, mas servia para enriquecimento pessoal de integrantes da organização. Sombra ainda não foi julgado. Ele nega envolvimento.

Durante as investigações, o Ministério Público tomou o depoimento do médico João Francisco Daniel, irmão de Celso, que fez as primeiras revelações envolvendo dirigentes do PT.

Em maio de 2002, João Francisco afirmou que Carvalho contou a ele que levava parcelas do dinheiro desviado diretamente para as mãos de José Dirceu, então presidente do partido e deputado federal, hoje condenado por comandar o mensalão.

Na ocasião, o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Luiz Antonio Marrey, pediu ao chefe do Ministério Público Federal, Geraldo Brindeiro, que representasse ao Supremo para que fosse autorizada abertura de inquérito destinado a investigar Dirceu.

Ministro do STF à época, Nelson Jobim decretou o arquivamento do pedido sob argumento de que "por ouvir dizer" não seria possível autorizar inquérito. "Há que se exigir consistência nos indícios, o que não se verificou neste caso. O processo democrático é incompatível com o denuncismo." Dirceu declarou que não temia nenhuma investigação a respeito do caso.

"Foi uma frustração muito grande para o Ministério Público porque a decisão (de Jobim) matou na raiz uma apuração extremamente importante", disse um promotor que fez parte da força tarefa para desvendar os meandros da trama de Santo André. "O trânsito de dinheiro para Brasília ficou muito claro para nós. Evidente que devia ter sido investigado."

Crime comum. A Polícia Civil paulista concluiu que Celso Daniel foi vítima de criminosos comuns que o sequestraram para pedir resgate em dinheiro.

O promotor de Justiça Marcio Friggi tem sustentado perante o Tribunal do Júri de Itapecerica da Serra - onde estão sendo julgados os executores de Daniel - que o prefeito foi fuzilado por "encomenda mediante paga".

Quatro assassinos já foram condenados pela Justiça. Na véspera de um desses julgamentos, em maio passado, o promotor afirmou: "O prefeito conhecia o esquema de dinheiro para o caixa 2 de seu partido, para beneficiar o PT nas eleições, inclusive para a campanha do presidente Lula naquele ano de 2002".

Fonte: O Estado de S. Paulo

Nenhum comentário: