sábado, 27 de junho de 2015

Delação de dono da UTC eleva pressão sobre o governo e o PT

A delação do dono da empreiteira UTC, Ricardo Pessoa, levou a presidente Dilma a convocar reunião com os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), Edinho Silva (Comunicação) e José Eduardo Cardozo (Justiça) no Palácio da Alvorada. Apontado como chefe do cartel na Petrobras, Pessoa afirmou ter repassado recursos para a campanha de Dilma em 2014, entre outros políticos. O PT diz que as doações foram legais e declaradas à Justiça Eleitoral. A Lava-Jato vai investigar se o dinheiro foi desviado de contratos da Petrobras. O empreiteiro disse ter dado recursos a outras 17 campanhas, entre elas a do ex-presidente Lula em 2006 e as de dois políticos da oposição (PSDB e PSB).

Mais pressão sobre o Planalto

• Delator diz que repassou verba para campanha de Dilma em 2014; MP apura se há ilegalidade

Vinicius Sassine – O Globo

-BRASÍLIA E SÃO PAULO- A delação premiada de Ricardo Pessoa, dono das construtoras UTC e Constran e apontado como chefe do "cartel das empreiteiras" que fatiou os contratos da Petrobras, provocou apreensão no Palácio do Planalto ontem, e levou a presidente Dilma Rousseff a convocar às pressas uma reunião com os ministros José Eduardo Cardozo (Justiça), Aloizio Mercadante (Casa Civil), Edinho Silva (Comunicação Social) e com o assessor especial Giles Azevedo, no Palácio da Alvorada.

No depoimento, o empreiteiro listou como beneficiários de recursos a campanha da presidente Dilma Rousseff em 2014; a campanha do ex-presidente Lula em 2006; a campanha de Mercadante, ao governo de São Paulo em 2010; e mais cinco senadores e três deputados federais. O Ministério Público Federal e a PF agora vão investigar se as doações foram legais ou se houve irregularidades.

A lista dos que receberam as verbas foi publicada ontem à noite pelo site da revista "Veja" e confirmada pelo GLOBO junto a duas fontes com acesso às investigações em curso no Supremo Tribunal Federal (STF).

Suspeita de propina é investigada
O empreiteiro disse que boa parte dos recursos repassados a políticos é proveniente de contratos com a Petrobras. Para investigadores, isso poderá ser considerado ilegal mesmo havendo registro das doações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Esses investigadores afirmam haver indícios de que se trata de propina, mas admitem que isso ainda precisará ser provado nas investigações da Operação Lava-Jato.

A lista feita a partir do depoimento de Ricardo Pessoa inclui ainda o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), eleito em 2012; o secretário de Saúde do município de São Paulo, José de Fil-lipi (PT); o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto; o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu; o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado; e o ex-senador Gim Argello (PTB-DF), derrotado em outubro. O ministro Edinho Silva também foi listado pelo delator.

Os senadores delatados por Pessoa são Aloysio Nunes (PSDB-SP), Edison Lobão (PMDB-MA), Ciro Nogueira (PP-PI), Fernando Collor (PTB-AL) e Benedito de Lira (PP-AL). Os deputados são: Júlio Delgado (PSB-MG), Eduardo da Fonte (PP-PE) e Arthur Lira (PP-AL). Todos os parlamentares têm foro privilegiado e só podem ser investigados na esfera do STF.

A avaliação no Palácio do Planalto, segundo um ministro, é que a Operação Lava-Jato tomou uma dimensão em que os responsáveis por ela perderam o controle. O governo já estava preocupado com a situação das empreiteiras, mas agora o problema político chegou ao quarto andar do Planalto.

Desde a manhã de ontem, o Planalto entrou em alerta por causa do depoimento de Ricardo Pessoa. Mercadante e Edinho Silva vinham conversando desde cedo sobre o vazamento das informações, segundo fontes. Os dois afirmaram que as doações foram legais e que não há qualquer ligação com a Petrobras. Tesoureiro de Dilma na campanha à reeleição da presidente em 2014, Edinho Silva, em conversas com integrantes do Planalto, admitiu que se reuniu com Ricardo Pessoa, mas ressaltou que, como tesoureiro de campanha, era seu papel arrecadar recursos. Ele afirma que tudo foi feito dentro da lei, sem relação com a Petrobras.

A reportagem da revista "Veja" detalhou os valores repassados a cada um dos citados. Os números não foram confirmados pelo GLOBO na consulta aos responsáveis pela Lava-Jato. Tanto o conteúdo dos depoimentos quanto os termos do acordo são mantidos sob sigilo. O ministro Teori Zavascki, do Supremo, que relata os processos da Operação, homologou na quinta-feira a delação premiada de Pessoa. O empreiteiro, depois de quase seis meses detido preventivamente em Curitiba, cumpre prisão em regime domiciliar.

A tônica da delação de Pessoa foi relacionar repasses a campanhas eleitorais — boa parte deles registrada no TSE — a dinheiro desviado de contratos da UTC com a Petrobras. Anteriormente, outros delatores já haviam relacionado as doações eleitorais, legalizadas e declaradas ao TSE, com dinheiro de propina do esquema investigado.

Coincidência de números
Mercadante, segundo a delação de Pessoa detalhada pela revista "Veja" recebeu R$ 250 mil da empreiteira. Em 2010, na campanha ao governo de São Paulo, o atual ministro recebeu exatamente os mesmos R$ 250 mil da UTC, declarados ao TSE. Os recursos à campanha de Dilma em 2014 somam R$ 7,5 milhões, segundo a revista. A campanha de Dilma recebeu em 2014, oficialmente, R$ 7,5 milhões da UTC, segundo registro do TSE.

O repasse ao então senador Gim Argello (PTB-DF) teria servido para irrigar os pequenos partidos que apoiaram a candidatura de José Roberto Arruda (PR) ao governo do Distrito Federal, no ano passado, segundo a delação do dono da UTC. Pelos registros do TSE, a UTC doou R$ 1 milhão para o diretório do PR, R$ 1,1 milhão para o DEM, R$ 600 mil para o PMN e R$ 1,45 milhão para o PRTB, o que totaliza R$ 4,15 milhões. Todos esses partidos fizeram parte da coligação que lançou Arruda ao governo do DF.

Oposição diz que quadro é grave
Líderes da oposição disseram que as revelações de Pessoa sobre as doações à campanha de Dilma em 2014 são muito graves. O presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), disse em nota que as "informações merecem toda atenção e devem ser analisadas criteriosamente e com serenidade frente a gravidade que elas podem ter no quadro político nacional".

Na nota, Aécio disse que "tudo leva a crer que o Brasil, além da crise econômica que vive, enfrentará também o acirramento da grave crise política e moral que já enfrenta". Mas Aécio defendeu o senador tucano Aloysio Nunes Ferreira, incluído na lista do delator, afirmando que as doações recebidas por ele foram legais e que "trata-se de um senador de oposição sem qualquer vínculo com a estrutura de governo petista e de seus ministérios".

O PSDB avalia se pedirá a convocação dos ministros Mercadante e Edinho Silva, também citados na lista, para depor no Congresso.

— E muito grave. A cada dia, a presidente Dilma perde as condições mínimas de conduzir o país. O Brasil é maior que tudo isso, e a nação não pode conviver com esse grau de deterioração da ética e da lisura, essenciais ao exercício do cargo — disse o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB).

O líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), disse que a delação de Pessoa é a prova cabal de que a campanha de Dilma foi irrigada com dinheiro "roubado" da Petrobras.

— Isso é motivo mais que suficiente para Dilma perder o mandato, e para serem convocadas novas eleições. Que a Câmara abra o processo de impeachment para investigarmos tudo isso a fundo — disse Caiado.

O presidente do PPS, Roberto Freire, pediu que Dilma seja investigada:

— A notícia não podia ser pior na véspera dessa viagem (de Dilma) aos Estados Unidos. Um desastre!

(Colaboraram Cristiane Jungblut, Luiza Damé, Eduardo Bresciani, Sérgio Roxo, Silvia Amorim e Tatiana Farah)

A LISTA DO DELATOR

CAMPANHA DE DILMA EM 2014.
R$ 7,5 milhões. (O registrado no TSE: R$ 7,5 milhões)
CAMPANHA DE LULA EM 2006.
R$2,4 milhões. (No TSE: não disponível)
EDINHO SILVA Nãoinformado
ALOIZIO MERCADANTE (PT).
R$ 250 mil. (No TSE, R$ 250 mil na campanha de 2010)
FERNANDO COLLOR (PTB).
R$20 milhões. (No TSE, não consta)
EDISON LOBÃO (PMDB)
R$1 milhão. (No TSE: não consta)
GIMARGELO(PTB)
R$5 milhões. (No TSE: não consta)
CIRO NOGUEIRA (PP)
R$2 milhões. (No TSE: R$ 575 mil para o PP em 2014)
ALOYSIO NUNES (PSDB).
R$ 200 mil. (No TSE: 300 mil em 2010)
BENEDITO DE LIRA (PP).
R$400 mil. (No TSE: R$ 400 mil da Constran, em 2010)
JOSÉ DE FILLIPI
R$750 mil.(No TSE: não consta. Foi tesoureiro de Dilma em 2010)
ARTHUR LIRA (PP]
R$1 milhão.(No TSE: não consta)
JÚLIO DELGADO (PSB)
R$ 150 mil. (No TSE: R$ 150 mil para o PSB-MG, em 2014)
DUDU DA FONTE (PP).
R$300 mil. (No TSE: não consta)
FERNANDO HADDAD (PT).
R$2,6milhões. (No TSE: R$ 1 milhãoem2012 para o PT-SP)
JOÃO VACCARI.
R$ 15 milhões
JOSÉ DIRCEU.
R$3,2 milhões
SÉRGIO MACHADO.
R$ 1 milhão
* Valores divulgados pela revista "Veja", e comparação com as doações registradas no TSE

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